'NÃO SOMOS FETICHE, TROFÉU OU ESTEREÓTIPO': O QUE MULHERES NEGRAS QUEREM QUE VOCÊ SAIBA SOBRE SEXO E PRAZER
'Não somos fetiche, troféu ou um estereótipo': o
que mulheres negras querem que você saiba sobre sexo e prazer
Para ouvir a real sobre como mulheres
negras se relacionam com suas sexualidades, com o prazer e com autoamor, Marie
Claire ouviu várias delas o seguinte: como elas se relacionam com a própria
sexualidade? O que as faz sentir prazer? E o que gostariam que as pessoas,
principalmente brancas, soubessem sobre sexo? A seguir, leia as respostas delas
Por
, redação Marie Claire — São Paulo (SP)
25/07/2025 16h38 Atualizado há 7
horas
‘Me senti no dever de cumprir a expectativa de ser a Mulher-Maravilha na cama’
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“Sexo é vida, é saúde. Acho normal. Para mim, uma mulher de 81 anos, é incrível poder transar e me relacionar com quem quiser. As coisas mudam, mas o desejo existe. Não devemos nos reprimir, e sim olhar para ele como uma coisa da natureza humana. Fui símbolo sexual com minha primeira protagonista no cinema, Xica da Silva, em 1976. Era uma época em que nós, mulheres negras, éramos chamadas de feias, bundudas, narigudas... Sofri muito porque acreditava nisso. Lembro que muitas pessoas do movimento negro foram contra, diziam que eu estava endossando a hiper sexualização do corpo da mulher negra em um filme. Mas vi diferente.
Muitas saíram ao meu favor, inclusive Lélia Gonzalez. Mas o fator sexual me trouxe problemas, sim, e tive que fazer análise. Confundiram a atriz com a personagem. Todos os meus parceiros sempre citavam a Xica antes, durante ou depois do sexo. Me senti no dever de cumprir a expectativa de ser a Mulher-Maravilha na cama. Eu focava muito no mise-en-scène e esquecia do meu prazer, porque não podia decepcionar. Fui parar na análise, claro! Mas isso passou. Depois de uma certa idade, o prazer está nas pequenas coisas — isso de um modo geral, muito mais no carinho que na encenação e performance. Aliás, chega uma hora que a performance dá preguiça.” Zezé Motta, atriz e cantora, 81 anos.
‘Me vi fingindo o orgasmo pra acabar um sexo que só dava prazer ao outro. Isso é muito violento’
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“Aos 50, me sinto mais à vontade com meu corpo e mais conectada com meus desejos. Mas essa relação foi construída com o tempo. Fui criada numa educação mais repressora, machista, em que os homens da família eram incentivados a explorar a sexualidade, transar cedo, e as mulheres eram incentivadas a se guardar pro casamento. Casar virgem era meu sonho até os 20 anos, quando perdi a virgindade com um namorado que nitidamente não sabia como me dar prazer. Então, me vi algumas vezes fingindo o orgasmo pra acabar um sexo que só dava prazer ao outro. Isso é muito violento. Demorei anos pra entender essa lógica machista. Hoje, vivo minha sexualidade com liberdade, sempre respeitando meus limites. Não faço mais nada que não esteja afim! Precisei fazer 40 anos pra me permitir viver meus desejos mais íntimos. Mas sou bem seletiva. Meu corpo é meu templo sagrado, só me conecto com o que é de verdade. A sexualidade oca e performática não me interessa. O que me faz sentir prazer no sexo é, primeiramente, me sentir segura em qualquer situação. Entender que tô num ambiente onde existe um desejo recíproco, uma conexão. Pra mim, nunca é só sobre o sexo. O prazer vem quando existe presença e afeto mútuo. Dentro desse contexto, tudo é permitido. Também amo um olho no olho!” Aline Borges, atriz, 50 anos.
‘É preciso que todas as pessoas saibam que nós, mulheres negras, não somos as outras’
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“Para mim, assim como acredito que aconteça com grande parte das mulheres negras, se sentir confortável no sexo tem a ver com reconhecer como símbolo de poder tudo aquilo que nos foi erroneamente ensinado como motivo de vergonha. Defendo que em nossas partes mais escuras habitam as referências diretas da nossa ancestralidade e negritude. Nosso cheiro sempre foi estigmatizado, como se fosse algo impuro, ruim, diferente do outro — ou melhor, das outras. Acontece que isso nada mais é do que o cruzamento do machismo com o racismo.
A ideia de que um corpo desejável precisa remeter à brancura era a justificativa para o uso do corpo negro como mão de obra, como máquina reprodutiva, e não como parte de uma pessoa plena. Digo isso não para militar, mas porque nenhuma mulher consegue gozar se está preocupada com o que a pessoa com ela está achando dos tons de sua vulva, dos aromas que ela exala e de como ela manifesta prazer. É preciso que todas as pessoas — não só as brancas — saibam que nós, mulheres negras, não somos as outras. Digo isso tanto no sentido de ser a amante, a reserva, a alternativa que resta. Mas também no sentido de que apesar de nossas subjetividades e de cada mulher ser única, a ideia de que por ser negras sejamos diferentes só existe porque se criou um padrão inalcançável do que é ser mulher. Não somos diferentes por sermos negras. Somos diferentes por sermos únicas.
É preciso, sim, consciência racial, estar atento às microagressões de termos, condutas — próprias e da sociedade — que têm menos a ver com sexo e mais com afeto, convivência. Não vá para cama com uma mulher esperando uma experiência exótica, incomum. Permita que sejamos simples, reais, imperfeitas, inseguras, tanto quanto confiantes, dominadoras, empoderadas e excitantes. O que me faz sentir prazer no sexo? Autoestima e autoconfiança são meus afrodisíacos. Quando me olho no espelho e consigo dizer ‘Você é uma baita de uma gostosa’, me sinto pronta para gozar.” Monique dos Anjos, jornalista, escritora e mestre em Divulgação Científica e Cultural, 44 anos
‘A luta pela nossa liberdade é também tirar o racismo da nossa cama’
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“Passei muitos anos desconfortável por conta dos limites impostos ao meu corpo pela religião e pela sociedade. A vivência da minha sexualidade flutuou de mãos dadas com momentos de autoamor e baixa autoestima. Não há vida plena sexualmente quando você não valoriza o que vê no espelho, quando não coloca seu prazer em primeiro lugar e, mais importante, não se sente merecedora do prazer. O início da exploração da minha sexualidade infelizmente não andou conjuntamente com meus processos de compressão das minhas opressões raciais. Por muito tempo busquei nas relações sexuais e afetivas a afirmação dos estereótipos que, para mim, até aquele momento, eram os melhores que encontrava quando pensava no que meu corpo representava para o outro.
A objetificação do meu corpo e a construção da ideia de ‘mulata’ sobre mim se tornou fonte de autoestima: ‘Tudo bem ser um objeto se for de desejo.’ Ainda hoje tenho que me esforçar para compreender que meu corpo, como é, mesmo não correspondendo integralmente à ideia racista do que é bonito e sensual para uma mulher negra, ainda pode ser desejado e merece sentir e dar prazer. A sexualidade de mulheres negras, quando atravessada pelo racismo, sempre é experienciada em opostos: o celibato ou a hipersexualização. A luta pela nossa liberdade é também tirar o racismo da nossa cama.
O que me faz sentir prazer no sexo é segurança, confiança e presença. Na busca pela minha liberdade e construção do eu, felizmente entendi cedo o suficiente que sexo, para me dar prazer de verdade, tem que estar além do estímulo friccional e da ação biológica. Me sentir verdadeiramente conectada e presente, experimentando a intimidade de forma multissensorial, é o que me conectar comigo mesma e com meu parceiro. Não há ação, posição ou brinquedo que supere o tato, o olfato e o paladar emaranhados por verdadeira conexão. O que pode parecer complicado demais pra uns, é bem familiar para quem experiencia a demissexualidade.” Nátaly Neri, cientista social e comunicadora, 31 anos
‘Confundem minha sexualidade com estar disponível sempre. Só que não. Eu sou livre para mim’
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“Entendo minha própria sexualidade desde muito nova. Me considero uma pessoa muito sexual, não tenho questões com meu corpo no sentido de mostrar, gostar, me olhar no espelho e me achar gostosa. Sinto desejo em mim. Inclusive, muitas pessoas confundem essa minha própria sexualidade com a libertinagem, com o estar disponível sempre. Só que não. Eu sou livre para mim. Como mulher negra, fui muito objetificada desde sempre. Sou uma mulher bissexual, mas minha preferência é por mulheres. Quando eu era mais nova, não me relacionei com homens durante muito tempo porque percebia que eles só queriam me comer, não se interessavam por mim. Era literalmente uma fetichização do meu corpo, uma sexualização da minha imagem. Isso acontece com muita frequência, a ponto de ser assediada diariamente na rua — nem que seja com um ‘fiu fiu’.
Gostaria muito que as pessoas brancas soubessem que a partir do momento em que elas me fetichizam, meu desejo — se eu tivesse algum — vai embora no mesmo instante. Não estou dizendo que todas as vezes que eu for me relacionar será para construir uma grande relação, mas a troca precisa ser sincera. Por isso, cada vez menos tenho vontade de me relacionar com pessoas brancas. Parece que elas esquecem que somos seres humanos. Quando se fala sobre desejo, sexo e vontades, ser negro ou branco não deveria fazer diferença.
Queria muito que entendessem que a minha vivência já é dura na vida e que se no sexo eu também tiver que vivenciar coisas duras, nunca vou ter um momento onde eu me sinta realmente acolhida e desejada enquanto ser, não enquanto corpo. E o que eu faço para sentir prazer? Tenho o costume de me olhar no espelho, inclusive em momentos que eu não estou com autoestima muito delirante. Acho que se olhar, se tocar e se enxergar é o que gera desejo dentro de mim. Se não, não tenho vontade de me relacionar com o outro. Com o outro, tento fazer o que eu sei que gosto em mim. E para isso, me uso, me masturbo, me amo, me olho, me faço carinho, me acalanto.” Iasmin Patacho, atriz, circense, dançarina, cantora e modelo, 29 anos.
‘Acredito na interação sexual como uma vasta possibilidade de prazer, cura e exponencialização energética’
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“Pensei que me sentia confortável em relação ao sexo, até que me separei após quase duas décadas de casamento. Me vi perdida no mercado de solteiros, tive que buscar as regras de comportamento pra date e flerte com amigas mais jovens e meus filhos — PhCôrtes, de 23, e Maria Morena, 17. Parece que saí do tempo das cavernas, onde o sexo estava atrelado a algum compromisso. Tenho muita libido, sou uma mulher que sempre amei gozar. Sigo gozando hoje com os sex toys, afinal, preciso garantir a ocitocina de cada dia, pois não gosto da casualidade das trocas sexuais, e escolho sexo com pessoas que eu possa me relacionar — por uma questão energética tão somente, não moral.
Outra novidade para mim também foi pensar na possibilidade de uma relação afetivo-sexual com uma mulher. Existem algumas que me atraem, e tenho me permitido pensar nessa possibilidade. Nossos corpos necessitam de afetividade, pois nossa memória celular traz dores. A cura pode ser construída no hoje, a partir de relações que tenham um olhar afetuoso para todo esse corpo — não somente a relação genital, mas ter essa pele toda acariciada e amada é contribuição valiosa para construirmos novas narrativas sobre essas relações. Esse direcionamento é para as orientações sexuais e todas as interações raciais, pois corpos negros são ainda tratados como fábrica de prazer para o outro, e nunca como uma possibilidade de troca legítima.
O que me faz sentir prazer no sexo é a admiração que o outro constrói em mim ou que eu mesma projeto. O olhar de encantamento do outro faz toda a diferença. Sentir que o outro me respeita e me deseja num lugar profundo me deixa absolutamente excitada, e saio de cordeira pra leoa ou loba em dois segundos! Acredito na interação sexual como uma vasta possibilidade de prazer, cura e exponencialização energética. Se não for assim, nem saio de casa!” Egnalda Côrtes, empresária, Palestrante e CEO da Creators Negros, 1ª Agência de criadores de conteúdo negros da América Latina, 51 anos
‘Pra mim, sexo é uma imagem em câmera lenta. Gosto de ser beijada, massageada e tocada lentamente. Gosto de viver aquele momento’
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“Fui exposta ao sexo muito jovem. Sofri diversos abusos quando criança e adolescente, e quando me deparei que aqueles abusos estavam relacionados ao prazer do outro e ao sexo, criei uma barreira de medo e insegurança. E, sendo uma mulher negra e gorda, muitas vezes não acreditam que você está passando por aquilo. De alguma maneira, a gente tinha que agradecer por ser escolhido. Tive essa sensação a vida toda. Além disso, escutei muito na infância que eu era exótica, principalmente de homens mais velhos e brancos. Isso me incomodava muito, não achava de maneira nenhuma que aquilo era um elogio ou que aquilo de alguma maneira estava alimentando a minha autoestima.
Comecei a transar depois dos 20, muito tarde em comparação às meninas do meu ciclo social. Sempre fui uma menina pobre, e na minha escola as meninas tinham vida sexual ativa e engravidavam com 13, 14 anos. Tinha muito medo de começar uma vida sexual justamente pela minha condição social — e acho que a maioria das mulheres pretas, periféricas e que não tem muita perspectiva também. Existe o medo de engravidar muito cedo, precisar ser dona de casa ou de ter que trabalhar para criar uma criança. Depois que comecei a vida sexual, percebi que a objetificação era uma queixa comum das mulheres pretas e gordas que estavam ao meu redor. Incomodava bastante sair com uma pessoa e ela não me dar a mão no shopping ou andava longe para não pensarem que estava comigo, por exemplo. A partir do momento em que consegui falar mais do que eu queria e externar minha opinião e minhas vontades, isso se tornou algo necessário pra mim. Foi aí que sexo se tornou prazeroso. Muitas vezes, uma mulher não é bem aceita por falar ou por comunicar ou por apontar erros. Hoje, meu ciclo de mulheres de confiança é bem aberto para tirar dúvidas, conversar e conversar sobre algo que, muitas vezes, nossos pais e os pais dos nossos pais não tiveram acesso.
Há 12 anos, casei com a primeira pessoa com quem namorei. Meu marido é um homem branco. Se ele não fosse uma pessoa bem compreensiva, educada comigo e que consegue sentir comigo esse processo de evolução em relação ao prazer, com certeza não estaria com ele. Não consigo simplesmente fazer sexo, levantar e embora. Então, me preservei o máximo que eu pude. É claro que, entre nós, existem outras questões que nos afligem. Existe todo um processo para o casal começar a entender como funcionam as coisas mulheres negras. Por exemplo, temos uma genética muito diferente da de mulheres brancas: o peito, a barriga, a bunda, o corpo, as cores da virilha e da axila são diferente: o peito é diferente, a barriga é diferente, a bunda é diferente, o corpo no geral não é igual. Crescemos nos comparando com mulheres brancas, e muitas vezes olhamos o corpo delas como o corpo correto para estar num momento íntimo. Isso também tem a ver com homens brancos — penso que, no acesso à pornografia, eles nem devem assistir a mulheres pretas; se sim, torna-se um fetiche muito visual. O maior erro de um homem branco é pensar que as mulheres negras estarão disponíveis para ‘suprir necessidades que mulheres brancas não conseguem’
Pra mim, sexo é uma imagem em câmera lenta. Gosto de ser beijada, massageada e tocada lentamente. Gosto de viver aquele momento. Não gosto que sexo seja algo para cumprir com a rotina. Se não for para ser algo com tempo, não gosto. Gosto do tempo de descobrir, de sentir o cheiro e de entender o momento do pré, do pós, daquele relaxamento de dormir muito bem depois. Também não gosto de nada programado, prefiro a surpresa que perdura. Acho que depois de estar casada há tantos anos, acabamos perdendo isso, achamos que nos conhecemos. Falar sobre vontades e frustrações também é algo que sempre priorizo. Estar num relacionamento monogâmico é se descobrir todos os dias, trocar o tempo inteiro se habitar para se sentir confortável porque se não vira uma rotina muito chata [risos].” Angélica Silva, maquiadora, colunista e beauty expert
‘Minha experiência com a sexualidade era de invisibilização’
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“Posso dizer que me sinto cada dia mais confortável com sexo, mas foi um processo. Passei a adolescência sendo vista como ‘a mais feia’, principalmente na escola. Por muitos anos, fui colocada como ‘a amiga, a legal, a maneira’, mas não como uma pessoa interessante a ponto de ser atrativa fisicamente ou sexualmente. Também passei esse momento da minha vida na igreja, onde tinha bastante restrições. A partir do momento que comecei a encarar a sexualidade, muito por ter saído da igreja e deixado de lado esse ideal cristão de sexualidade que coloca o sexo fora do casamento como pecado, sinto que a minha sexualidade ficou cada vez mais fluida.
Minha experiência não foi ligada à objetificação e hipersexualização. Foi muito mais de invisibilização e dessexualização. Ter me aberto para entender essa parte minha na vida adulta facilitou muita coisa, porque eu já era independente e já tinha acesso às ferramentas que precisava — de pesquisa, consulta, possibilidade e experimentação. Por ter vivido isso na adolescência, que é no início dessas relações, acho que eu levei por muito tempo essa ideia comigo de que talvez eu não fosse atraente. Mas quando minha mudança de perspectiva sobre mim mesma mudou e passei a me ver como uma mulher bonita, sinto que houve uma mudança também do outro.” Gabi Oliveira, comunicadora, ativista, youtuber e podcaster, dona do perfil @gabidepretas no Instagram, 33 anos
‘A sexualidade das mulheres negras não é um espaço a ser conquistado ou colonizado’
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“Minha relação com a afetividade e a sexualidade se deu de uma maneira um tanto conturbada, especialmente por conta da minha condição de mulher negra, baiana, nordestina. Nasci nos anos 2000, e na minha adolescência tínhamos discussões muito embrionárias sobre a questão racial nas grandes mídias. Pouco se falava da experiência afetiva sexual de mulheres negras. E diversas questões sociais, raciais e também relativas à misoginia afetaram a minha experiência de vida nesse início de vida afetiva e sexual. Por exemplo: das minhas amigas, eu fui uma das últimas a beijar. Eu não era interesse amoroso ou sexual de nenhum rapaz. Em muitos casos, quando os rapazes se aproximavam de mim — e esse é relato que é recorrente entre mulheres negras — era para um exercício de uma sexualidade mais violenta e bélica, porque acreditava-se que, por sermos negras, estávamos mais disponíveis para uma sexualidade violenta, sem nenhuma espécie de afeto e sem levar em consideração nossos desejos, corpos e experiência.
É essencial que pessoas brancas compreendam que, no Brasil, elas não são maioria. Somos um país de maioria racializada — entre pretos, pardos, indígenas e pessoas de outras etnias. É importante compreender que esse olhar exotificador que se põe sobre a mulher negra é extremamente equivocado não apenas por conta do racismo e da misoginia, mas também porque nós não somos a minoria quantitativa. É muito importante que as pessoas brancas compreendam que a sexualidade das pessoas negras (especialmente das mulheres negras) não é um espaço a ser conquistado ou colonizado e que essa imagem da mulher negra que está sempre disponível para o sexo, que é voraz, animalísca, que não precisa de afetividade e só quer mesmo ter um sexo violento, é extremamente racista e misógina. Assim como é também uma diminuição tão grande do que realmente é a experiência e a dimensão sexual das mulheres negras. Até quando nós pensamos, por exemplo, que dentro do continente africano é onde foram desenvolvidas práticas sexuais que privilegiavam o prazer das mulheres. Então quando falamos sobre reconexão com o prazer ancestral, com a vivência sexual ancestral enquanto mulheres negras, estamos falando de uma ancestralidade que inclusive muito diferente do continente europeu já olhava para as nossas vulvas, para o nosso clitóris, para a nossa vagina com outros olhos.
Pessoalmente, tenho uma perspectiva muito mais holística sobre o sexo. O que me faz sentir prazer é a ideia de poder me conectar com uma dimensão sexual e com uma história de outras pessoas. Para mim, o sexo vai muito além do contato genital. É um contato que se estende por todo o corpo. Gosto de um sexo que é lento, cheio de presença, de intenção e que, sobretudo, é cheio de desejo de todas as pessoas que estão envolvidas nele, abrindo mão de performances de heterossexualidade ou de gênero. Um autor que gosto muito, que o Joe Stornbeg, diz que precisamos aprender a vivenciar o sexo e as relações afetivas para além do gênero, vivendo além do gênero. Dentro do quarto, pra mim, não tem quem seja o homem ou quem seja a mulher. O gênero não está presente dentro do meu quarto. É importante pra mim que as linhas fiquem borradas e que ninguém saiba se se encaixa completamente nessas convenções tão retrógradas e tão específicas como as convenções de gênero. Porque viver o prazer, viver o desejo, viver o tesão está muito além das definições de gênero, principalmente do que se espera de uma mulher ou de um homem dentro de uma relação sexual.” Yasmin Morais, escritora, palestrante, comunicóloga feminista e administradora do perfil @vulvanegra no Instagram, 25 anos
‘Não somos fetiche, troféu e nem um corpo a ser ‘experimentado’. Somos pessoas com histórias, camadas sentimentos e desejo’
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“Durante muito tempo, tive muitas inseguranças com o meu corpo. Achava que não era suficiente, que precisava me esconder ou ‘compensar’ o outro de alguma forma. Os relacionamentos traumáticos que vivi só reforçaram isso. Acabei me desconectando de mim mesma, do meu prazer, do meu desejo. Aliás, só descobri o que era ‘chegar lá’ recentemente. Mas com o tempo — e, principalmente, depois dos 30 — comecei a me olhar com mais carinho. Me redescobri como mulher, como corpo, como alguém que merece sentir prazer sem medo. Hoje, me amo de um jeito que antes parecia impossível. Adoro sexo, adoro meu corpo e adoro a liberdade de me expressar do meu jeito.
Gostaria que pessoas brancas soubessem que a gente não é fantasia. Não somos fetiche, troféu, um corpo a ser ‘experimentado’. Somos pessoas com histórias, camadas, sentimentos e muito desejo também — mas desejo que precisa ser respeitado, não invadido. Queria que entendessem que nosso prazer é real e complexo, não é algo que pode ser arrancado à força ou manipulado para satisfazer alguém. Quando somos tratadas com respeito, com escuta e com presença, nossa entrega vem muito mais potente. Mas para isso, é preciso desconstruir muita coisa, principalmente essa ideia de que mulher negra é naturalmente mais ‘quente’ ou ‘disponível’. Não somos isso. Somos muito mais.
Hoje, o que mais me dá prazer é estar com alguém que me enxerga de verdade. Tenho um parceiro que me faz sentir segura, desejada e respeitada. Isso muda tudo. Gosto de toque, atenção, conexão. Às vezes é intenso, às vezes é tranquilo, às vezes a gente se diverte no meio e tá tudo certo! O mais importante pra mim é essa troca verdadeira, sem pressão, sem expectativa de performance… Só presença.” Thais Braz, maquiadora e criadora de conteúdo que alia beleza e acessibilidade, 36 anos.
Fonte:https://revistamarieclaire.globo.com/sexo/noticia/2025/07/o-que-mulheres-negras-querem-que-voce-saiba-sobre-sexo-e-prazer.ghtml
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