'ME SINTO MAIS MULHER', 'NUNCA MAIS TRANSO DE GRAÇA': O QUE TRABALHADORAS DO SEXO QUEREM QUE VOCÊ SAIBA SOBRE SEXUALIDADE

 Mulheres trabalhadoras do sexo contam tudo o que elas querem que você saiba sobre sexualidade. Na foto: Nina Sag, Frida Carla e Rebeca Villar

‘Me sinto mais mulher’, ‘nunca mais transo de graça’: o que trabalhadoras do sexo querem que você saiba sobre sexualidade

Marie Claire ouviu mulheres que trabalham diariamente com sexo para ouvir delas como definem a própria sexualidade e como isso se relaciona com a vivência do trabalho sexual

Por 

Isadora Marques

, em colaboração para Marie Claire — São Paulo (SP)

02/06/2025 15h44  Atualizado há 4 semanas

 

A profissão de acompanhante ou trabalhadora do sexo sempre foi conhecida como a mais antiga do mundo — ao mesmo tempo que nunca foi reconhecida ou tratada com algum tipo de glamour fora do tempo contratado.

Algumas mulheres escolhem o trabalho sexual como profissão por enxergarem uma forma de exercer autonomia sobre seus corpos e gerar renda a partir disso. Para outras, no entanto, trabalhar com o sexo se torna a única opção de sobrevivência diante a falta de outras oportunidades de trabalho — como é o caso de muitas mulheres trans e travestis que vivem em situação de vulnerabilidade social e caem na prostituição compulsoriamente.

Inclusive, em 2025, dados da Fatal Model, maior plataforma de anúncios de acompanhantes do Brasil, revelaram que 69% das trabalhadoras de sexo no país são chefes de família, e 58% sustentam outras pessoas além de si mesmas. Além disso, 87% das profissionais atuam nas ruas, o que as expõe a diversos tipos de riscos.

Todos os dias, as trabalhadoras sexuais são contatadas por pessoas de todos os tipos, além de várias formas de performance sexuais. Descobrem diariamente novos jeitos de lidar com o próprio prazer e com o dos outros. Além de impor e respeitar limites nesse contexto. O estigma antigo de quem trabalha com o próprio corpo, faz com que seus conhecimentos sobre sexo sejam invisibilizados pela sociedade e tratados como sujos e imorais — quando, na verdade, elas têm muito a dizer e a ensinar.

Quem melhor para falar sobre sexo do que quem lida com ele todos os dias? Para entender melhor a vivência das profissionais do sexo é essencial ouvir delas: como esse convívio constante com o sexo transforma o olhar delas sobre a própria sexualidade? E o que elas gostariam que outras pessoas soubessem sobre prazer, desejo e intimidade? Marie Claire ouviu o que elas têm a dizer.

‘A sexualidade não precisa ter padrão’

Nina Sag, , 40 anos,  acompanhante há oito anos, sexóloga e diretora de comunicação da Fatal Model. — Foto: Reprodução/Acervo Pessoal
Nina Sag, , 40 anos, acompanhante há oito anos, sexóloga e diretora de comunicação da Fatal Model. — Foto: Reprodução/Acervo Pessoal

“A sexualidade faz parte do meu bem-estar. Assim como a saúde mental, a saúde sexual também precisa ser cuidada, e acredito que o caminho para isso é o autoconhecimento. Trabalhar com sexo muda a forma como vivo minha sexualidade, porém de um forma positiva. A partir de muitas experiências, consigo amplificar meus gostos e compreender melhor as pessoas, aprendo a respeitar ainda mais as diversidades sexuais.

As pessoas precisam aprender que, quando se trata de sexualidade e intimidade, não é preciso seguir um padrão de comportamento. Entre quatro paredes, podemos nos dar ao luxo de experimentar. Já houve um tempo na nossa história que até a Igreja mandava na nossa intimidade. Hoje em dia, somos autônomos para escolher, mas inconscientemente (ou até conscientemente) as pessoas ainda se sentem presas a normas do que é certo ou errado.

Muita gente ainda não entende que ser acompanhante é uma profissão como qualquer outra. Muitas pessoas fazem essa escolha de forma consciente e estão satisfeitas com ela. O maior problema é o estigma, que impacta a forma como nos tratam e o acesso a direitos básicos. Enquanto houver tabu e moralismo, esses desafios persistirão. A sociedade precisa reconhecer nossa existência, nos ouvir e nos respeitar”, Nina Sag, 40 anos, acompanhante há oito anos, sexóloga e diretora de comunicação da Fatal Model.

‘Trabalhar com sexo amplia meus horizontes’

Paula Assunção, 34 anos, trabalha com sexo há cinco anos. — Foto: Reprodução/Acervo Pessoal
Paula Assunção, 34 anos, trabalha com sexo há cinco anos. — Foto: Reprodução/Acervo Pessoal

“Todo processo de autoconhecimento do meu corpo e do meu prazer me fez me sentir muito conectada com a minha própria sexualidade. Hoje, aos 34 anos, nunca estive tão feliz sexualmente. Sigo aprendendo o que gosto ou não, me permitindo experimentar, seja no trabalho ou fora dele. Engana-se quem pensa que uma profissional do sexo não desfruta do prazer em um atendimento. Na verdade, para mim é um parque de diversões de descobertas. Diariamente surgem brinquedos novos para experimentar.

Trabalhar com sexo amplia nossos horizontes, nos tira da bolha do que é sexualmente aceito ou tido como ‘normal’. Depois de alguns anos nessa profissão, aprendi não só a dar e receber prazer, mas entender porque cada pessoa busca o prazer de determinadas formas que, para muitos, pode soar bizarro ou inaceitável. Viver a própria sexualidade é um grande ato de liberdade que nem todas as pessoas conseguem, infelizmente. Para minha felicidade, meus clientes me ajudaram a ter essa liberdade.

Gostaria que as pessoas soubessem que a única coisa que pode tornar errado qualquer desejo é a falta de consentimento. As pessoas se prendem no que acham certo ou errado, pecado ou santo. O desejo vem da construção de uma história, que será vivida de diferentes formas por cada um de nós. Respeitar a intimidade do outro e aprender a desfrutar da sua própria é o caminho mais garantido para viver o prazer com plenitude.” Paula Assunção, 34 anos, trabalha com sexo há cinco anos.

‘É necessário conhecer o próprio corpo, independentemente de trabalhar com sexo ou não’

Frida Carla, 43 anos, trabalha com sexo há 18 anos. — Foto: Reprodução/Acervo Pessoal
Frida Carla, 43 anos, trabalha com sexo há 18 anos. — Foto: Reprodução/Acervo Pessoal

“Comecei no trabalho sexual muito nova, aos 18, e não tinha experiência sexual nenhuma. Hoje, aos 43, vejo tudo muito diferente. Conhecer meu próprio corpo e o que me dá mais prazer foi o que ajudou a me conectar mais com a minha sexualidade. Mas meu trabalho me faz ter uma vivência sexual diferente. Não serei hipócrita ao ponto de dizer que é uma vida ‘comum’, entre muitas aspas, porque não é. Considerando que trabalho com sexo pago, e mesmo que eu possa dizer ‘não’ para algo ou consiga gozar de vez enquanto, quando estou atendendo um cliente, ainda estou ali à trabalho. Então, vivo mais minha sexualidade de forma profissional do que pessoal. Isso impacta bastante minha vivência, mas não anula o resto, claro. Não atrapalha 100%. É preciso ter muita maturidade para saber diferenciar uma pessoa com quem você está se relacionando afetivamente de uma que te procurou profissionalmente.

Gostaria que as pessoas soubessem é que é necessário conhecer o próprio corpo, independentemente de trabalhar com sexo ou não. Vejo histórias de mulheres que vivem uma vida inteira, inclusive com um parceiro, casadas, e não conhecem o próprio corpo, não têm prazer. Inclusive, acredito que a experiência que tenho ao trabalhar com sexo me proporcionou conhecer meu próprio corpo de forma bem plena mesmo. Não quero dizer que a mulher casada não pode chegar ao ápice do autoconhecimento, mas meu trabalho e as experiências que vivi me proporcionaram isso. A vida sexual impacta em todos os outros contextos da vida — principalmente se você trabalha com sexo. Nós, trabalhadoras sexuais, precisamos estar muito seguras de nós mesmas para não deixar nada impactar nosso psicológico no dia a dia”, Frida Carla, 43 anos, trabalha com sexo há 18 anos.

‘Não me vejo mais fazendo sexo gratuito’

Rebeca Vilar, 22 anos, é trabalhadora do sexo há três anos. — Foto: Reprodução/Acervo Pessoal
Rebeca Vilar, 22 anos, é trabalhadora do sexo há três anos. — Foto: Reprodução/Acervo Pessoal

“Sempre fui bem conectada com minha sexualidade, já me tocava desde muito novinha. Quando descobri o que era sexo mesmo, não queria parar sozinha. Tive muitos ficantes e companheiros que estavam ali mais para suprir meus desejos sexuais do que por algum sentimento. Sinto que, nessa época, eu não respeitava muito meu corpo. Queria matar os meus desejos, mas não respeitava os meus limites. Hoje, quando sinto que algo doeu ou incomodou em alguma posição, tento entender os motivos. Isso faz eu me conectar ainda mais com o meu lado sexual de forma positiva. Perdi aquele tabu que eu tinha antes de começar a trabalhar e me sinto mais livre para buscar meu conforto.

Começar a trabalhar com o sexo mudou muito a minha vivência nessa área. Não me vejo mais com um companheiro que não seja um cliente, sem ser alguém que esteja me pagando. Por quê? Vivo muito bem sozinha, com as minhas metas e meu trabalho. Não me vejo mais fazendo sexo gratuito. Se eu posso gozar e, ao mesmo tempo, monetizar, é muito melhor.Quando estou com muito tesão em casa, pego um vibrador e faço live. Mato meu tesão e ainda ganho dinheiro. Se quero gozar e aparece um cliente, sei fazer de um jeito que sei que vou gozar. Deixo o cliente bem à vontade, faço o que ele quer, só que ali na hora tento arrumar um jeitinho de fazer uma posição que sei que eu vou gozar rápido.

O que mais queria que as pessoas soubessem sobre sexo e desejo, em especial as mulheres, é que elas deviam se tocar mais e aprender a ser livre com o próprio corpo. Vejo muitos relatos de mulheres dizendo que não se masturbam porque têm vergonha de mexer e gostar. É muito bom gozar sozinha, sem depender de ninguém. Outra coisa: as pessoas precisam se cuidar mais. Mesmo que eu deixe bem explicadinho que não transo sem camisinha, sempre tem um cliente que pede para fazer sem preservativo. O cara não sabe o que eu fiz ontem, não sabe o que eu fiz hoje de manhã... É um risco muito grande que se pode correr. De que adianta ter esse prazer e, de repente, amanhã pegar algo? Isso é uma dica para todas as situações: o rosto bonito da pessoa não entrega o que ela pode ter e te transmitir.

Se você for em qualquer unidade de saúde, consegue lubrificante e preservativos ótimos. Também tem a PrEp [Profilaxia Pré-Exposição], que ajuda na prevenção do HIV. Sinto que até entre profissionais do sexo falta essa informação. Trabalhar é bom, mas trabalhar com segurança é bem melhor,” Rebeca Vilar, 22 anos, é trabalhadora do sexo há três anos.

‘Vivo minha sexualidade de forma plena, sem me preocupar com julgamentos’

Brianna, 28 anos, é trabalhadora do sexo há três anos. — Foto: Reprodução/Acervo Pessoal
Brianna, 28 anos, é trabalhadora do sexo há três anos. — Foto: Reprodução/Acervo Pessoal

“Desde nova, tenho um contato muito natural com minha sexualidade. Uma história curiosa é que a Marie Claire tem um papel importante nisso. Minha mãe sempre comprava a revista e eu amava olhar as sessões de sexualidade. Inclusive, foi numa matéria da Marie Claire que eu ouvi falar sobre BDSM pela primeira vez. Além do meu trabalho, minha maturidade faz com que eu viva minha sexualidade de forma plena, sem me preocupar com julgamentos. Sei quem sou, sei o que me dá prazer e me sinto confiante de poder experimentar algo novo sem me sentir envergonhada, por exemplo.

Sempre fui uma pessoa muito sexual, mas houve um tempo em que perdi a libido e vivi com zero prazer. Me sentia morta. Trabalhar com sexo fez com que eu retomasse minha libido e, consequentemente, meu poder. Estar em um lugar onde eu possa explorar meu desejo e me sentir desejada sem sofrer com o julgamento da sociedade me coloca em contato com uma das partes mais fortes do meu ser: a libido e o tesão, que também são o poder da criação. Acho que a principal coisa que as pessoas deveriam saber é: conheça a si mesmo, saiba seus limites, não tenha vergonha do que te dá prazer. A sexualidade é algo pessoal e múltiplo. Não existe uma regra para sentir prazer”, Brianna, 28 anos, é trabalhadora do sexo há três anos.

‘Trabalhar com sexo fez com que eu me sentisse mais mulher’

Amanda Maris, 57 anos, é trabalhadora do sexo há 21 anos. — Foto: Reprodução/Acervo Pessoal
Amanda Maris, 57 anos, é trabalhadora do sexo há 21 anos. — Foto: Reprodução/Acervo Pessoal

“Sou uma mulher decidida, independente, que não tem medo de encarar nada. Porque o pior medo é contar para sua família que você é uma garota de programa. Alguns familiares apoiam, outros te veem como ameaça, ficam com medo que você vá atrás do marido delas. Hoje, me sinto conectada comigo mesma. Sou uma pessoa livre, corro atrás dos meus próprios negócios, dos meus próprios focos.Trabalhar com sexo fez com que eu me sentisse mais mulher, porque quando eu era casada me sentia impotente. Por mais que eu fizesse de tudo no sexo com meu marido, ele ainda assim me traía com outras mulheres. Quando eu me deparei com a prostituição, vi que o homem não trai a mulher por falta de sexo. Trai porque é um instinto animal deles. Descobrir isso tirou aquela má impressão que eu tinha de mim mesma. Percebi que eu não era uma falha, meu parceiro é quem era. Gostaria que as pessoas soubessem que entre um cliente e uma ‘mulher do job’ existe muita intimidade e prazer. Sinto muito prazer com eles, e eles comigo. Quando um homem me escolhe, ele quer receber meu carinho, beijos, quer que eu sinta, porque ele não está com uma boneca inflável. Me sinto em paz”, Amanda Maris, 57 anos, é trabalhadpra do sexo há 21 anos.


Fonte:https://revistamarieclaire.globo.com/sexo/noticia/2025/06/o-que-trabalhadoras-do-sexo-querem-que-voce-saiba-sobre-sexualidade.ghtml

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