GERAÇÃO ANSIOSA: "ERRAMOS QUANDO ACHAMOS QUE O MUNDO VIRTUAL ERA MAIS SEGURO PARA AS CRIANÇAS DO QUE O MUNDO FÍSICO"
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Geração Ansiosa: "Erramos quando achamos que o mundo virtual era mais seguro para as crianças do que o mundo físico"
No best-seller "A Geração Ansiosa", o pesquisador Zach Rausch explora como as transformações sociais e tecnológicas influenciaram a maneira como protegemos – ou deixamos de proteger – nossas crianças. "Desde a década de 1980, progressivamente nos tornamos mais temerosos em relação às ameaças no mundo físico, quando, na realidade, o mundo físico se tornou mais seguro para as crianças", disse em entrevista exclusiva à CRESCER
Por
Giovanna Forcioni
04/10/2024 11h56 Atualizado há 4 meses
A infância que conhecemos hoje já não é mais a mesma de antes. Não dá para comparar a realidade em que uma criança vive atualmente com a que nós tivemos quando éramos crianças décadas atrás. A tecnologia transformou não só todos os aspectos da nossa vida, mas também a forma como os pequenos brincam, aprendem e se relacionam. O acesso à informação agora é instantâneo, os brinquedos são tecnológicos e as brincadeiras ao ar livre se tornaram cada vez mais raras. As crianças ganharam a oportunidade de se conectar com qualquer pessoa do mundo, mas, ao mesmo tempo, acabaram se desconectando de quem mais importa: a família, os amigos e as pessoas que estão ao seu redor.
Aos poucos a “infância baseada no brincar" foi substituída pela "infância baseada no celular", como diz o psicólogo estado-unidense Jonathan Haidt, em seu best-seller A Geração Ansiosa (Companhia das Letras), que acaba de ser lançado no Brasil. “As crianças agora passam grande parte do tempo em frente a telas, usando tecnologias novas e viciantes que não proporcionam esses benefícios. Acontece que os pequenos precisam interagir pessoalmente com outras crianças e brincar muito. Sem isso, podem se tornar mais frágeis e vulneráveis”, defende Zach Rausch, pesquisador que liderou as pesquisas do livro.
As novas dinâmicas entre o mundo físico e o virtual trouxeram desafios inéditos para a educação e o desenvolvimento infantil, e muitos se perguntam: estamos realmente protegendo nossos filhos da maneira certa? Em A Geração Ansiosa, o pesquisador Zach Rausch explora como as transformações sociais e tecnológicas influenciaram a maneira como protegemos – ou deixamos de proteger – nossas crianças.
Em uma entrevista exclusiva à CRESCER, Rausch discute os principais erros que muitos pais cometem ao superproteger os filhos no mundo físico e subestimarem os perigos no ambiente virtual. Ele também apresenta soluções práticas para criar um equilíbrio saudável entre liberdade e segurança, com base em quatro normas que podem ajudar a diminuir os riscos online e promover mais independência no mundo real.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista e entenda como podemos repensar nossas atitudes para garantir que nossos filhos estejam seguros dentro e fora da internet:
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CRESCER: Na pesquisa para o livro "A Geração Ansiosa", em parceria com o Jonathan Haidt, vocês falam sobre uma transformação histórica e sem precedentes no conceito de infância. Que transformação é essa? O que mudou?
Zach Rausch: Em "A Geração Ansiosa", cunhamos o termo “The Great Rewiring" para descrever o período de 2010 a 2015, quando a vida social das crianças passou a acontecer predominantemente no ambiente online (mais de 7 a 9 horas por dia) e se afastou da interação social presencial com amigos, familiares e comunidade local. Durante esse período, a "infância baseada em brincadeiras" foi substituída pela "infância baseada no celular". Foi quando a vida social de adolescentes americanos passou a acontecer mediada por smartphones cheios de aplicativos de redes sociais, entre 2010 e 2015, que a crise de saúde mental adolescente se instalou. É o acesso completamente irrestrito 24 horas por dia, 7 dias por semana, a smartphones e redes sociais — em que as crianças levam smartphones para a escola, para a mesa de jantar e para o quarto — que parece ser mais prejudicial.
CRESCER: E como essas mudanças impactaram a saúde mental das crianças?
Zach Rausch: O impacto das redes sociais na saúde mental varia de pessoa para pessoa. Mas o que sabemos é que plataformas específicas, como TikTok e Instagram, podem gerar muita ansiedade entre os jovens, especialmente entre as meninas adolescentes. E o que exatamente nessas plataformas é tão prejudicial? Existem mais de uma dúzia de motivos pelos quais os smartphones e as redes sociais impactam a saúde mental dos jovens — e falamos sobre muitos deles em "A Geração Ansiosa".
Para citar um exemplo, podemos falar sobre a comparação social visual constante. Imagine ter 13 anos, postar imagens ou vídeos de si mesmo em uma plataforma online, aguardando o julgamento (curtidas, retweets, compartilhamentos) de todos os seus colegas de classe — e de milhares de estranhos. E imagine, então, fazer isso repetidamente, dia após dia, enquanto também compara suas postagens com as de todos os seus amigos. É árduo, altamente estressante e profundamente insatisfatório. O adolescente médio recebe 237 notificações todos os dias, e cerca de 20% recebem mais de 500! Isso é quase 1 notificação a cada 120 segundos. Fica muito difícil para os jovens focar e prestar atenção nas pessoas ao seu redor e nos professores na sala de aula. Achamos que explica um pouco porque as pontuações em testes de atenção entre adolescentes têm diminuído em todo o mundo desde 2012.
CRESCER: Podemos dizer, então, que as crianças de hoje são mais vulneráveis a transtornos mentais do que as gerações anteriores eram na infância? Por quê?
Zach Rausch: Parece que este pode ser o caso, em parte porque as crianças de hoje são menos propensas a ter o tipo de socialização presencial, brincadeiras e independência que elas precisam para desenvolver as habilidades sociais e psicológicas necessárias para prosperar. Em vez de brincadeiras independentes, as crianças agora passam muito tempo na frente das telas, usando tecnologias novas e viciantes que não oferecem esses benefícios. As crianças precisam brincar pessoalmente com outras crianças e precisam brincar muito. Brincar é o trabalho da infância e, sem fazer esse "trabalho", as crianças podem se tornar mais frágeis e vulneráveis.
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CRESCER: As taxas de transtornos mentais em crianças e adolescentes aumentaram após a pandemia, mas já estavam subindo mesmo antes desse período. O que está por trás desse crescimento?
Zach Rausch: Entre 2009 e 2015, as redes sociais passaram por várias mudanças que as tornaram particularmente prejudiciais para os adolescentes. Entre as maiores mudanças, as redes sociais se transformaram de um lugar que permitia que você "se conectasse" com seus amigos em um lugar onde você "se apresentava" a um público para ser julgado. Essa transformação ocorreu quando o iPhone adicionou a App Store (2008), as redes sociais adotaram os botões de "curtir" e "retweetar" (2009), os iPhones adicionaram a câmera frontal (2010) e surgiram novas plataformas voltadas para o visual, como o Instagram (2010). Essas novas plataformas transformaram as relações sociais de uma forma que muitas vezes faz com que você se sinta excluído e inferior aos outros.
Além dos recursos de design, no livro destacamos quatro danos fundamentais que impactam a maioria das crianças: privação social, privação de sono, fragmentação da atenção e vícios comportamentais. Sozinhos, cada um pode ter um efeito profundo nas habilidades sociais, emocionais e cognitivas de uma pessoa. Juntos, eles podem ajudar a explicar por que a saúde mental piorou tanto e tão repentinamente assim que a vida social se transferiu para smartphones e plataformas de redes sociais, particularmente entre as meninas.
CRESCER: No livro, você diz que nós, como pais, estamos "alocando mal nossos esforços de proteção." O que isso significa? O que deveríamos, como pais e famílias, fazer para proteger melhor nossos filhos?
Zach Rausch: A grande ideia é que cometemos dois grandes erros bem-intencionados: desde a década de 1980, progressivamente nos tornamos mais temerosos em relação às ameaças no mundo físico (“perigo de estranhos”), quando, na realidade, o mundo físico se tornou mais seguro para as crianças. Ao mesmo tempo, assumimos erroneamente que o mundo virtual era mais seguro para as crianças, porque elas estavam dentro de casa e sempre à nossa vista. Em outras palavras, estamos superprotegendo as crianças no mundo real, enquanto as subprotegemos online.
Reverter essas duas tendências é o núcleo de todas as sugestões no livro The Anxious Generation. Recomendamos quatro novas normas que ajudarão a reduzir a superproteção no mundo real e a subproteção no mundo virtual:
- Sem smartphones até os 14 anos
- Sem redes sociais até os 16 anos
- Incentivar a escola do seu filho a proibir o uso de telefones (com armários para os aparelhos ou bolsas Yondr)
- Incentivar mais brincadeiras livres, independência e responsabilidade no mundo real
Também queremos ajudar a proporcionar mais tempo de convivência entre os jovens no mundo real. Incentivar encontros com amigos ou adolescentes mais velhos a se encontrarem por conta própria ajudará muito a melhorar a saúde mental deles. A independência e as interações no mundo real são tão importantes quanto limitar o tempo de uso de telefones.
Se você já deu smartphones e acesso às redes sociais para seus filhos, não se desespere. Ainda há muito que você pode fazer. O mais importante é ajudar a fornecer estrutura em torno do uso do tempo de tela deles. Por exemplo, podemos estabelecer a regra de não usar telefones no quarto à noite e de não usar durante as refeições. Quanto aos filhos se sentirem excluídos, é por isso que precisamos agir coletivamente. Se as famílias trabalharem juntas para atrasar o uso de smartphones e redes sociais, pode haver muito mais socialização e brincadeiras presenciais (e sem mais FOMO - medo de ficar de fora). Além disso, as crianças podem adquirir as experiências no mundo real de que precisam para gerenciar melhor as complexidades do mundo virtual. Podemos sair dessa armadilha trabalhando juntos. Forme uma equipe com alguns pais dos amigos de seu filho para implementar todas as quatro normas. Você pode saber mais em anxiousgeneration.com/take-action.
Fonte:https://revistacrescer.globo.com/criancas/comportamento/noticia/2024/10/erramos-quando-achamos-que-o-mundo-virtual-era-mais-seguro-para-as-criancas-do-que-o-mundo-fisico.ghtml
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