Zelensky, que no passado demonstrou abertura para negociar o uso dos recursos minerais da Ucrânia com aliados, já havia indicado na semana passada sua oposição ao acordo porque ele não vinculava o acesso aos recursos a garantias de segurança dos EUA. As negociações continuaram até a declaração do ucraniano nesta semana, evidenciando o crescente distanciamento entre Kiev e Washington, tanto no apoio de defesa quanto nas negociações pelo fim da guerra.
Para os ucranianos, as garantias de segurança são fundamentais. Eles acreditam que os EUA e o Reino Unido não cumpriram suas obrigações de proteger o país sob um acordo assinado no final da Guerra Fria, quando a Ucrânia abriu mão das armas nucleares da então ex-União Soviética. Somado a isso, diplomatas europeus alegam que a proposta de Trump tinha traços de colonialismo, remetendo a um período em que potências ocidentais exploravam nações menores ou mais fracas em busca de recursos.
O que está em jogo?
A riqueza mineral da Ucrânia entrou em evidência à medida que Trump passou a buscar obter o controle dos recursos do país. Diversos relatórios sugerem que o território ucraniano tem reservas minerais avaliados em mais de US$ 10 trilhões, e o governo de Zelensky tem se esforçado para promover materiais estratégicos que possam ser explorados — ao mesmo tempo em que busca mais apoio militar e econômico.
Os elementos das chamadas terras raras tornaram-se o foco do presidente republicano, que busca garantir o fornecimento desses minerais críticos. Apesar disso, a Ucrânia não possui grandes reservas reconhecidas internacionalmente como economicamente viáveis. Embora o país tenha identificado alguns depósitos, pouco se sabe sobre o seu potencial, e a maioria parece ser subproduto da produção de materiais como fosfato.
— As terras raras são um nicho tão específico que geralmente não há estudos detalhados disponíveis publicamente, então simplesmente não há informações suficientes — disse Wills Thomas, consultor do CRU Group, empresa especializada nos mercados globais de mineração.
O mercado de terras raras, usadas principalmente na fabricação de ímãs de alta resistência, é minúsculo se comparado a commodities como cobre ou petróleo. Mesmo adicionando outros minerais especiais encontrados na Ucrânia, os números continuam modestos: no ano passado, os EUA importaram cerca de US$ 1,5 bilhão em terras raras, titânio, zircônio, grafite e lítio combinados, segundo cálculos da Bloomberg baseados em dados do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS).
As informações sobre os depósitos de terras raras da Ucrânia provêm principalmente de dados governamentais, e até mesmo o ex-chefe do serviço geológico do país afirmou que não houve uma avaliação moderna dos recursos ucranianos, segundo a S&P Global. Ainda que se confirme que a Ucrânia tem depósitos economicamente viáveis, o Ocidente enfrentaria um desafio maior: o processamento da matéria-prima, muito mais difícil do que a mineração desses minerais, considerado relativamente simples.
Liderança chinesa
A China responde por cerca de 60% da produção mundial de terras raras – e detém cerca de 90% da capacidade global de separação e refino. Pequim usou essa posição estratégica nos últimos anos à medida que as tensões com os Estados Unidos aumentaram, especialmente no acesso a semicondutores. Para Thomas, do CRU Group, qualquer acordo com a Ucrânia não resolve esse problema, já que os EUA ainda precisariam desenvolver uma “cadeia de valor majoritariamente fora da China”.
— [Essa cadeia precisa abranger] desde a separação dos minerais até a fabricação dos ímãs, e isso é algo que simplesmente não existe neste momento — disse o especialista.
Os mineradores ocidentais não conseguiram, até hoje, estabelecer suas próprias cadeias de produção de terras raras. Eles enfrentam desafios que vão desde questões ambientais e dificuldades no processamento até a extrema volatilidade nos preços e a concorrência dos produtores chineses. Nos EUA, a Molycorp Inc. dominava o setor antes de entrar em colapso. Sua sucessora, a MP Materials Corp., foi criticada no passado por enviar matéria-prima para ser processada na China.
Assim como muitos minerais críticos, os elementos de terras raras são relativamente abundantes globalmente, mas raramente são encontrados em concentrações suficientemente altas para viabilizar sua extração e refino de forma econômica. Fora da China, as maiores reservas conhecidas estão no Brasil, Índia, Austrália, Rússia, Vietnã e nos próprios EUA, segundo o Serviço Geológico americano.
As terras raras desempenham um papel fundamental na defesa e em setores de alta tecnologia, sendo usadas desde iPhones até mísseis guiados a laser. Um caça F-35, por exemplo, requer mais de 410 kg de elementos de terras raras, enquanto cada submarino nuclear da classe Virginia contém 4.170 kg, segundo o Departamento de Defesa dos EUA.
O interesse de Trump
Antes da invasão em larga escala pela Rússia, as maiores empresas mineradoras do mundo não demonstravam muito interesse na Ucrânia, tendo passado as últimas duas décadas explorando depósitos de metais inexplorados ao redor do mundo. Agora, porém, Trump tem feito uma busca por recursos estratégicos para os Estados Unidos – e tentado combater a supremacia chinesa em certas matérias-primas.
O presidente americano já mirou no Panamá pelo acesso ao seu canal, tentou explorar as riquezas minerais da Groenlândia – chegando a cogitar a compra do território da Dinamarca – e agora vincula a obtenção dos recursos da Ucrânia ao apoio militar contínuo contra a Rússia. Enquanto isso, a Ucrânia tem ativamente promovido suas reservas de lítio, grafite e titânio, afirmando ter o maior depósito de lítio da Europa – ainda que o material seja encontrado em abundância no mundo todo.
No caso do titânio, a Ucrânia não produz necessariamente a forma do metal que a indústria de defesa dos EUA precisa. O país está entre os dez maiores produtores de dois minerais que contêm titânio – ilmenita e rutilo –, mas, nos EUA, 95% desses materiais são usados para fabricar pigmentos brancos comuns. A Ucrânia não tem capacidade para produzir esponja de titânio, a forma do metal usada em motores de jatos, blindagens e outras aplicações militares, segundo dados do USGS.
No entanto, há precedentes para que a Ucrânia misture segurança e negócios em negociações com os EUA sob Trump. No primeiro mandato do republicano, em 2017, ele fechou um acordo para que a Ucrânia comprasse carvão da Pensilvânia para substituir o carvão perdido em minas sob ocupação russa desde a invasão de 2014. Kostiantyn Yelisieiev, ex-diplomata ucraniano, lembrou que o pacto permitiu que Trump alegasse ter salvado empregos no estado, decisivo nas eleições.
Para Kiev, por outro lado, o acordo abriu caminho para que Trump fornecesse ajuda militar à Ucrânia, incluindo a venda de mísseis antitanque Javelin. Na época, autoridades ucranianas consideraram o acordo um sucesso, disse Yelisieiev. Agora, no entanto, ele avalia que essa abordagem foi levada a um nível que pode favorecer a propaganda russa, uma vez que retrata a guerra como uma disputa por recursos naturais – e não como uma luta pela independência e democracia na Ucrânia.
— Isso confirmou que Trump não é uma pessoa guiada por valores, mas por interesses e dinheiro — disse. — Agora, é importante destacar que isso se trata de proteger democracias e derrotar [o presidente russo,] Vladimir Putin. (Com Bloomberg e New York Times)
Fonte:https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2025/02/21/o-que-exatamente-trump-quer-em-terras-raras-e-outros-recursos-minerais-trilionarios-da-ucrania.ghtml
Comentários
Postar um comentário