A evidência mostra que as redes sociais estão reduzindo a matéria cinzenta, encurtando a capacidade de atenção, enfraquecendo a memória e distorcendo processos cognitivos fundamentais, segundo uma série de pesquisas acadêmicas de instituições como a Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, a Universidade de Oxford e o King's College de Londres.
Uma dessas pesquisas foi publicada no ano passado e mostrou que o vício na internet provoca mudanças estruturais no cérebro, afetando diretamente o comportamento e as capacidades de um indivíduo.
Michoel Moshel, pesquisador da Escola de Ciências Psicológicas da Universidade de Macquarie, na Austrália, e coautor do estudo, explica que o consumo compulsivo de conteúdos nas redes sociais, o famoso "doomscrolling", "explora a tendência natural do nosso cérebro de buscar novidades, especialmente quando se trata de informações potencialmente prejudiciais ou alarmantes, um traço que, no passado, nos ajudou a sobreviver".
Moshel destaca que com algumas funções, como a 'rolagem infinita' dos feeds, projetadas para manter as pessoas viciadas no celular, os indivíduos, especialmente os mais jovens, podem ficar presos em um ciclo de consumo de conteúdo por horas. — Isso pode afetar gravemente a atenção e as funções executivas, saturando nosso foco e alterando a forma como percebemos e reagimos ao mundo — afirma.
Eduardo Fernández Jiménez, psicólogo clínico no Hospital La Paz de Madrid, na Espanha, explica que o cérebro ativa diferentes redes neurais para configurar tipos de atenção distintos. E que o uso problemático de celulares e da internet está gerando problemas na chamada atenção sustentada:
— Esse tipo de atenção permite que você se concentre em uma única tarefa por um período de tempo mais ou menos longo. É a que está ligada aos processos de aprendizado acadêmico — afirma.
O problema, observa ele, está no fato de que os usuários de redes sociais estão frequentemente expostos a estímulos muito variáveis e com potencial aditivo (uma notificação do Instagram, uma mensagem do WhatsApp, um alerta de notícias). Isso faz com que o foco de atenção fique pulando de um lugar para outro, afetando a capacidade de sustentá-la.
Primeiro alerta foi o e-mail
Alguns especialistas vêm alertando sobre esse tema praticamente desde o início do século, quando o e-mail se tornou uma ferramenta de uso frequente. Em 2005, o jornal britânico The Guardian publicou uma matéria intitulada: "Os e-mails 'são uma ameaça ao QI'".
A história dizia que uma equipe de cientistas da Universidade de Londres se perguntou qual impacto o bombardeio incessante de informações poderia ter no cérebro. Após 80 ensaios clínicos, descobriram que o QI dos participantes que usavam e-mail e celular diariamente caía, em média, 10 pontos. Os pesquisadores mediram que essa demanda constante de atenção tinha efeitos mais negativos do que o consumo de cannabis.
Isso aconteceu antes da chegada dos tweets, dos reels do Instagram, dos desafios do TikTok e das notificações instantâneas. O panorama atual é ainda mais desanimador. Pesquisas recentes encontraram que o uso excessivo da internet está associado à diminuição da matéria cinzenta nas regiões pré-frontais do cérebro. É a área que intervém na resolução de problemas, regulação emocional, memória e controle de impulsos.
O trabalho de Moshel e seus colegas segue nessa linha. Seu último estudo revisou 27 pesquisas de neuroimagem e encontrou que o consumo excessivo de internet está relacionado à redução do volume de matéria cinzenta nas regiões do cérebro envolvidas no processamento de recompensas, controle de impulsos e tomada de decisões.
— Essas mudanças refletem padrões observados em dependências de substâncias — afirma o cientista, como metanfetaminas e álcool.
Isso não é tudo. A pesquisa também descobriu que "essas mudanças neuroanatômicas em adolescentes coincidem com a interrupção de processos como a formação de identidade e a cognição social, aspectos críticos durante essa fase do desenvolvimento".
Funciona quase como um ciclo, onde os mais vulneráveis podem ser os mais afetados. De acordo com uma pesquisa publicada na revista científica Nature, em novembro, pessoas com pior saúde mental têm mais propensão a navegar por conteúdos superficiais, o que agrava ainda mais seus sintomas.
Em dezembro, o psicólogo Carlos Losada compartilhou com o El País algumas recomendações para evitar cair no "doomscrolling" ou, em outras palavras, evitar ser absorvido pelo buraco negro do conteúdo lixo alimentado pelos algoritmos: reconhecer o problema, esforçar-se para desconectar e realizar atividades que exigem presença física, como sair com amigos ou praticar esportes, são algumas de suas sugestões.
— Essas atividades são fundamentais para a saúde cerebral e o bem-estar geral, ajudando a equilibrar os efeitos potencialmente prejudiciais do uso prolongado de telas — avalia Moshel.
Ele enfatiza que o tipo de conteúdo consumido é um fator chave para modular as mudanças anatômicas no cérebro.:
— Concentre-se tanto na qualidade quanto na quantidade do tempo em frente à tela. Dê prioridade ao conteúdo educativo que evite características viciantes. Estabeleça limites claros e apropriados à idade sobre o uso diário de telas e incentive pausas regulares.
Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2025/01/01/brain-rot-como-o-conteudo-online-de-baixa-qualidade-apodrece-o-cerebro.ghtml
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