Se sente à vontade apenas no trabalho? Você pode estar passando pelo burn-on
Profissionais que adoram o que fazem,
mas se veem anestesiados, podem sofrer de um quadro alternativo do burnout; o
novo rótulo para estresse no trabalho, entretanto, causa controvérsia e
confusão
Por
Lílian Cunha
24/08/2024 10h13 Atualizado há uma
semana
Para o médico alemão Bert Theodorte Wildt, seu diagnóstico é de burn-on. Diferentemente do que se tem com burnout — o conjunto de sintomas reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em janeiro de 2022, como uma síndrome ocupacional crônica —, a pessoa com burn-on não se sente deprimida ou exausta. “Ela diz que está tudo bem, que a vida está em ordem. Mas, se por acaso não acordar pela manhã, sofrer um acidente e morrer, tanto faz”, afirmou o especialista, em entrevista.
Para ele, são suicidas passivos. “Trata-se de uma forma oculta de depressão. Pacientes que perderam o contato com seu emocional. Tudo é feito como se fosse trabalho: a relação com a família, com o corpo”, explica Wildt. Tudo é uma tarefa a cumprir, até o lazer, e de uma forma robotizada.
O educador físico Eduardo Marcondes sofreu com burnout em 2021, durante a pandemia. Depois que a quarentena afrouxou, começou a “maratonar” o trabalho. Suas jornadas variavam de catorze a dezesseis horas. Até que passou a sentir dores no peito e formigamento no braço; cogitou um infarto. Após exames, descobriu um esgotamento nervoso que desencadeou sintomas físicos.
Agora, três anos mais tarde, Marcondes experimentou um estado diferente. Ao abrir o próprio estúdio de pilates e funcional, em São Paulo, e dar aula em uma escolinha de futebol, além de cuidar das duas filhas, o profissional se percebeu bastante anestesiado, mesmo amando o que faz e exibindo sempre bom humor.
“Instituí várias modificações no dia a dia para evitar o burnout. Voltei a treinar e passei a trabalhar só meio período às sextas, para conseguir um tempo melhor com minha família”, conta. Seu objetivo principal era, entretanto, trabalhar melhor e fazer com que a nova empresa prosperasse. “Você fica naquela loucura de que precisa entregar. Tudo vira uma rotina obrigatória e, se sair dela por dez minutos, atrapalha a engrenagem inteira”, explica Marcondes, que deu entrevista à GQ Brasil internado com pneumonia.
Desta vez, entretanto, ele não se percebia esgotado, mas incomodado. “Antes da internação, com 39 graus de febre e em casa, sem poder dar aula, eu me senti um vagabundo. De onde vem a culpa, a vergonha por não poder trabalhar?”, questiona. Esses sentimentos fazem parte do conjunto de sinais que caracteriza o burn-on. A doença é comum àqueles que cuidam de outros, como profissionais de saúde. “A pessoa traz esse senso de altruísmo, mas se deixa de lado”, define Wildt.
A Psychosomatik Klinik, inaugurada por ele e o sócio Timo Schiele, em 2015, ocupa um monastério do século XII na região da Bavária. Há 130 funcionários para atender 100 pacientes internados, com hotelaria cinco-estrelas. Ao observar clientes que procuravam a clínica, Wildt começou a notar os sintomas do burn-on. Ele e Schiele decidiram escrever sobre o tema e lançaram, em 2021, o livro Burn-on — sempre à beira do burnout: o sofrimento não reconhecido e o que ajuda contra ele (em tradução livre), disponível em alemão.
O conceito também virou tema de uma obra assinada pela holandesa Mieke Lannoey, em 2022: Burn-on: o esgotamento funcional antes do burnout, publicado em holandês. No passado, apenas a coach alemã Sieglinde Feuerer havia utilizado o termo, em um título divulgado em 2019.
Precisamos de outro termo?
Ao contrário do burnout, uma síndrome estudada e reconhecida, o burn-on é um tema novo, pouco analisado e até combatido. Para alguns, parece papo de coach. Outros dizem que se trata de uma forma de vender livros ou - no caso de Wildt e Schiele - de faturar com pacientes em sua clínica, que cobra na faixa de R$ 30 mil por doze dias. Ali, os tratamentos envolvem terapias, medicamentos e até o cuidado de ovelhas.
“Acho benéfico receber críticas. Nosso objetivo é que se pesquise mais o tema”, atesta Wildt. Ana Maria Rossi, PhD em psicologia, polemiza. “O problema é que não dá para aprofundar o assunto porque eles partem de uma premissa errada”, acredita a presidente da International Stress Management Association no Brasil. Sua crítica se fundamenta no fato de que, segundo os alemães, a principal diferença entre o burn-on e o burnout seria que o primeiro é crônico e o último não.
Ana Maria considera a definição equivocada. Na Classificação Internacional de Doenças, a OMS oficializou o burnout como síndrome ocupacional crônica, ou seja, um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastantes, que demandam muita competitividade ou responsabilidade.
Alexandre Coimbra, psicólogo e escritor de São Paulo, vai na mesma linha de pensamento. “Esse burn-on me parece mais uma fase um pouco anterior ao burnout. Muitas vezes a pessoa procura corrida, remédios e análise para voltar a render no campo profissional. Porém, o problema está na relação que ela tem com o trabalho e as condições dele”, diz o especialista.
Por isso, criar outro termo para o esgotamento causado pela vida profissional pode mais atrapalhar do que ajudar, alega a dupla. “Não deveríamos complicar o diagnóstico, mas sim combater as causas do esgotamento”, analisa Ana Maria.
Como tratar
Descansar ou tirar férias, apenas, não adianta para dar jeito no burn-on nem no burnout. O importante é mudar a relação com o trabalho. “Aprenda a dizer não. Convença-se de que perfeição não existe e ela é diferente de perseguir a excelência. Delegue tarefas e o controle a outros e conte com um núcleo de apoio”, sugere a psicóloga Ana Maria.
Muitas vezes, terapia e remédios, prescritos por um médico, podem se mostrar necessários. Entretanto, se o seu serviço exerce uma pressão desproporcional por resultados, aí só tem um jeito: converse com os superiores, peça transferência ou mude de emprego, o que não é tarefa fácil. Coimbra dá mais um conselho valioso: procure outras formas saudáveis de prazer. “Eu, por exemplo, sou o louco das plantas”, finaliza.
Fonte:https://gq.globo.com/lifestyle/noticia/2024/08/burnout-burn-on-estresse-trabalho.ghtml?
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