EXPLOSÃO DE PAGERS DEIXA NOVE MORTOS E MAIS DE 2,7 MIL FERIDOS NO LÍBANO; GOVERNO LIBANÊS E HEZBOLLAH ACUSAM ISRAEL
Explosão de
pagers deixa nove mortos e mais de 2,7 mil feridos no Líbano; governo libanês e
Hezbollah acusam Israel
Aparelhos explodiram de forma quase
simultânea pelo país; menina de oito anos morreu e o embaixador do Irã ficou
levemente ferido
Por O Globo e agências internacionais — Beirute
17/09/2024 12h29 Atualizado há 3 dias
Uma série de explosões quase simultâneas de pagers, um dispositivo eletrônico usado para a recepção de alertas e mensagens curtas, deixou nove mortos e 2.750 feridos no Líbano, afirmou o Ministério da Saúde local. Entre as vítimas estão uma menina de oito anos e centenas de integrantes do grupo xiita libanês Hezbollah. A organização político-militar e integrantes do próprio governo do Líbano acusaram Israel pelo ataque — o país ainda não se pronunciou, mas fontes do governo israelense confirmam que a ordem veio do premier, Benjamin Netanyahu.
Em entrevista coletiva, o ministro da Saúde, Firas Abiad, afirmou que salas de emergência estão lotadas, e foi feito um apelo à população para que doe sangue. Quatrocentas pessoas estão internadas em estado grave. Em dois comunicados, o Hezbollah afirmou que por volta das 15h30 (9h30 em Brasília), “equipamentos de recepção de mensagens conhecidos como pagers explodiram", apontando diretamente para Israel.
Explosões de pagers deixam mortos e feridos no Líbano
"Depois de examinar todos os fatos atuais, dados e informações disponíveis sobre o ataque pecaminoso que ocorreu esta tarde, consideramos o inimigo israelense totalmente responsável por esta agressão criminosa", disse comunicado do ministério. O grupo confirmou que seu líder, Hassan Nasrallah, não se feriu. Já o embaixador do Irã no país, Mojtaba Amani, sofreu ferimentos leves.
As explosões ocorreram no sul do Líbano, no Vale do Bekaa e em Dahyeh, um subúrbio da capital. Segundo relatos de médicos e testemunhas, as vítimas têm cortes profundos em pernas, braços e tórax, além de amputações de dedos e há pelo menos 500 casos de pessoas que perderam a visão — entre os mortos estão os filhos de dois deputados do Hezbollah e uma menina de oito anos, filha de um integrante do grupo. O Observatório Sírio dos Direitos Humanos também relatou explosões na Síria, onde o Hezbollah opera abertamente, com 14 feridos.
Em declaração conjunta, o Conselho de Ministros do Líbano "denunciou veementemente a (agressão) criminosa israelense que representa uma violação significativa da segurança e soberania libanesa". A Chancelaria condenou, em nota, o que chamou de "grave e deliberada escalada israelense, que acompanhou ameaças de expansão da guerra”, e prometeu levar o incidente ao Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Para o porta-voz da ONU, Stephane Dujarric, tratou-se de um episódio "muito preocupante" e que aconteceu em um momento "muito volátil". Os governos do Iraque e Jordânia ofereceram enviar ajuda médica ao Líbano, e o Irã chamou o incidente de "exemplo de assassinato em massa".
— A operação terrorista de hoje no Líbano foi realizada como uma continuação das operações combinadas do regime sionista e dos seus agentes mercenários, e é contrária a todos os princípios morais e princípios humanitários, o direito internacional, especialmente o humanitário e merece processo criminal internacional, julgamento e punição — afirmou Nasser Kanani, porta-voz da Chancelaria iraniana, citado pela agência Isna.
Em entrevista coletiva, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Matthew Miller, disse que seu governo "não está envolvido e não soube desse incidente com antecedência", e que ainda "está coletando informações" sobre o ocorrido. Miller ainda fez um alerta ao Irã, principal aliado do Hezbollah.
— Pedimos ao Irã que não se aproveite do incidente para tentar criar mais instabilidade e aumentar ainda mais as tensões na região — afirmou.
Ao Wall Street Journal, um integrante do Hezbollah afirmou que os aparelhos que explodiram provavelmente faziam parte de um mesmo carregamento recebido pelo grupo nos últimos meses. E que, pouco antes das explosões, os equipamentos esquentaram rapidamente.
— As explosões dos pagers pareciam tiros. Um jovem caiu na minha rua, pensamos que alguém havia atirado nele, não sabemos se houve alguma morte, mas centenas de pessoas foram afetadas. Ainda há feridos que não foram resgatados — disse ao jornal L’Orient Le Jour um morador de Haret Hreik, um subúrbio ao sul de Beirute.
Populares até os anos 2000 no Brasil (e em boa parte do mundo), os pagers são pequenos aparelhos que usam sinais de rádio para receber alertas e pequenas mensagens, transmitidas por uma central de chamadas. Apesar de considerados obsoletos, eles ainda são utilizados por profissionais da saúde, de serviços de emergência, não apenas no Líbano, e pelo Hezbollah, mas por questões estratégicas. Ao contrário de celulares, os pagers são considerados mais seguros e mais difíceis de serem rastreados. O seu uso foi expandido desde o início da guerra em Gaza, em 7 de outubro do ano passado, a pedido do líder da organização, Hassan Nasrallah.
Explosões de aparelhos eletrônicos não são exatamente raras, mas um incidente como o desta terça-feira no Líbano não soou como algo aleatório para especialistas e para o próprio Hezbollah: falando à rede al-Jazeera, um integrante do grupo disse que essa foi a maior "falha de segurança" da organização desde o início dos confrontos quase diários com Israel na fronteira. E os últimos movimentos das forças israelenses aumentaram a suspeita de que as explosões poderiam ter sido provocadas deliberadamente.
Fontes da rede Sky News Arabia afirmam que as explosões foram obra do Mossad, o serviço de inteligência israelense: de acordo com o relato de uma delas, a agência "conseguiu acessar os dispositivos de comunicação do Hezbollah antes de entregá-los ao grupo", inseriu uma quantidade de PETN, ou tetranitrato de pentaeritritol, um explosivo altamente eficaz, nos pagers "e o detonou aumentando a temperatura da bateria". Um integrante dos serviços de segurança libaneses disse à al-Jazeera que cada equipamento poderia ter até 20 gramas de explosivo.
Em comentários à rede catari, Elijah Magnier, analista militar, disse que um ataque do tipo, com a explosão simultânea de centenas de pagers, é possível, mas os aparelhos precisariam ter sido modificados na sua origem. Magnier afirma que, pela forma das detonações, os pagers tinham ao menos alguma quantidade de explosivos. Ele levantou um ponto que preocupa não apenas o Hezbollah: o Irã fornece quase todos os itens eletrônicos usados pelo grupo libanês, e uma sabotagem desse tipo sugere uma infiltração de alto nível nas cadeias de suprimentos locais.
Michael Horowitz, chefe de inteligência da empresa de segurança Le Beck International, disse ao Wall Street Journal que as explosões podem ter sido provocadas por um malware, um código ou programa instalado em equipamentos eletrônicos destinado a prejudicar o sistema ou seus usuários. Para o especialista, isso pode ter provocado o superaquecimento da bateria, levando à explosão, mas ele concorda com Magnier sobre a provável infiltração na linha de montagem.
— A complexidade necessária para fazer isso é incrível. Teria exigido muitos componentes de inteligência e execução diferentes. A inteligência humana seria o principal método usado para fazer isso, juntamente com a interceptação da cadeia de suprimentos para fazer modificações nos pagers — declarou à CNN David Kennedy, ex-analista da Agência de Segurança Nacional dos EUA.
Até o momento, Israel não se pronunciou, mas segundo o site Axios, a operação envolvendo os pagers foi autorizada pelo premier, Benjamin Netanyahu, com o objetivo de "levar a luta contra o Hezbollah a uma nova fase", minando a confiança do grupo e passando a ideia de que os serviços de inteligência infiltraram todo o aparato da milícia. Ao mesmo tempo, afirma o site, citando fontes do Gabinete israelense, Netanyahu não tem a intenção de entrar em uma guerra total.
Horas antes das explosões, o premier anunciou uma expansão de seus objetivos na guerra em Gaza, travada contra o grupo terrorista Hamas: agora, a meta é o retorno dos moradores do norte do país, na divisa com o Líbano, que deixaram suas casas após o início das hostilidades, em outubro de 2023. Um dia antes, o ministro da Defesa, Yoav Gallant, afirmou que a "ação militar" era a "única maneira para garantir o retorno das comunidades".
Após as explosões, segundo a imprensa local, Netanyahu, Gallant e outros responsáveis pela defesa do país foram chamados às pressas para uma base que abriga o Ministério da Defesa, em Tel Aviv. O objetivo seria discutir como reagir a uma potencial escalada com o Hezbollah. Ainda não há orientações para a população civil sobre eventuais riscos adicionais, mas portos e aeroportos tiveram a segurança reforçada desde as explosões, e veículos israelenses apontam para um reforço de posições no norte, como nos arredores de Haifa.
ERRATA: Antes, uma fonte do Ministério da Saúde libanês havia alertado que o número de vítimas fatais tinha subido para 11, e o de feridos para 4 mil, mas o gabinete voltou atrás horas depois. A informação foi corrigida às 20h16 do dia 17/9/2024.
Fonte:https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2024/09/17/centenas-de-integrantes-do-hezbollah-ficam-feridos-apos-explosao-de-pagers-no-libano-grupo-acusa-israel.ghtml
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