'EXAUSTOS, ESGOTADOS': COMO A AUTOCOBRANÇA DE SEREM MAIS PRESENTES COMOS FILHOS TEM AFETADO A SAÚDE MENTAL DOS PAIS
'Exaustos,
esgotados': como a autocobrança de serem mais presentes com os filhos tem
afetado a saúde mental dos pais
Médico alerta sobre o estresse dos
pais, sinal de que a criação intensiva dos filhos pode ter se tornado intensa
demais para eles
Por
Claire Cain
Miller
, Em The New
York Times
17/09/2024 04h30 Atualizado há 9
horas
Então, por que o estresse parental subiu ao nível de um raro aviso do cirurgião geral sobre um problema urgente de saúde pública — colocando-o na mesma categoria de cigarros e AIDS?
Isso acontece porque os pais de hoje enfrentam algo diferente e mais exigente: a expectativa de que eles gastem cada vez mais tempo e dinheiro educando e enriquecendo os filhos. Essas pressões, dizem os pesquisadores, são impulsionadas em parte por temores sobre a economia moderna — que, se os pais não equiparem seus filhos com todas as possíveis vantagens, eles poderão não alcançar uma vida segura e de classe média.
Esse estilo de criação é conhecido como “parentalidade intensiva”, como a socióloga Sharon Hays descreveu no final dos anos 1990. Envolve “cultivar meticulosamente e metodicamente os talentos, o acadêmico e o futuro das crianças através de interações e atividades diárias”, escreveram as sociólogas Melissa Milkie e Kei Nomaguchi.
Mas podemos ter alcançado um ponto, sugerem o cirurgião geral e outros especialistas, em que a parentalidade intensiva se tornou excessivamente intensa para os pais.
Os pais gastam uma parcela maior de seu dinheiro com os filhos do que faziam há uma geração, especialmente em atividades extracurriculares como esportes ou tutorias. Passam mais tempo envolvidos ativamente com eles, lendo ou brincando no chão.
Embora pais ricos estejam mais aptos a fazer esses investimentos, a pressão para criar os filhos dessa maneira atinge todas as classes sociais, mostraram pesquisas.
Os pais se culpam quando temem não estar à altura. A maioria diz que sente que os sucessos ou fracassos dos filhos refletem sobre eles, e uma parcela significativa se sente julgada pela criação, descobriu o Centro de Pesquisa Pew, em Washington. O cirurgião destacou uma intensa cultura de comparação, exacerbada pela internet.
"Perseguir essas expectativas irrealistas deixou muitas famílias se sentindo exaustas, esgotadas e perpetuamente atrasadas" escreveu Murthy no documento, divulgado no final de agosto.
Como a criação de filhos se tornou tão intensiva
Vários fatores levaram os pais a se sentirem assim. Cientistas aprenderam mais sobre como as experiências na primeira infância podem afetar os resultados a longo prazo das crianças, e alguns pais foram além, ao concluir que as vidas das crianças pequenas devem ser constantemente otimizadas e estimuladas.
Muitos pais, mesmo de crianças muito pequenas, foram impulsionados pela ansiedade sobre a faculdade, à medida que um diploma se tornou mais essencial para obter um salário de classe média, e as admissões se tornaram mais competitivas.
Nos últimos anos, a pressão piorou, disseram os Professores Milkie e Nomaguchi, que escreveram uma revisão das pesquisas sobre a intensidade e o estresse da parentalidade desde 2010. Os pais sentem que precisam compensar o que os filhos perderam durante a pandemia. As redes sociais tornaram as comparações com outras famílias inevitáveis. Poe outro lado, a mudança tecnológica tornou mais difícil preparar as crianças para o trabalho futuro. Os americanos têm menos fé de que o sistema político possa resolver os problemas familiares.
Embora as mães sintam grande parte da pressão para criar filhos intensivamente, os pais também estão sentindo cada vez mais isso. Embora estejam passando mais tempo com os filhos do que antes, são mais propensos a dizer que não é suficiente.
Por trás, está a crença americana de que a criação é uma tarefa individual, não uma responsabilidade social. Apesar de muitos americanos experimentem solidão, os pais são mais propensos do que os não pais a dizer que se sentem assim e que ninguém entende a extensão de seu estresse.
— Nos EUA, é esse sentimento de individualismo: você escolheu ter filhos, então vá criá-los — avalia a professora Milkie, que trabalha na Universidade de Toronto, no Canadá. — Os pais precisam da comunidade, mas as pessoas não estão tão disponíveis quanto antes.
Ao contrário de outros países ricos, os Estados Unidos têm poucas políticas federais universais para a família, como licença remunerada ou subsídios para cuidados infantis. Durante o movimento das mulheres dos anos 1970, o país considerou a ideia de que políticas governamentais e de empregadores poderiam ajudar os pais a trabalhar e cuidar de suas famílias, como Kirsten Swinth, professora de história em Fordham, escreveu. Mas a Era Reagan trouxe uma ideia diferente: o governo não deveria interferir na vida familiar.
— Isso foi muito atraente. "Quero controle sobre como crio meus filhos" — pontua a professora Swinth, que estuda a história econômica e das mulheres. — Mas, na prática, significou que os sistemas que ajudariam os pais, especialmente com a entrada das mulheres no mercado de trabalho, como cuidados pós-escola e de verão, não foram financiados.
Os conservadores ainda preferem, em geral, que em vez de programas governamentais financiados pelos contribuintes, as lacunas sejam preenchidas principalmente por pessoas nas comunidades das famílias — parentes, vizinhos, membros da igreja.
Mas houve uma diminuição nas redes comunitárias informais que ajudam a criar os filhos. A frequência a locais de encontro comunitários, como igrejas, diminuiu. As mães são mais propensas a trabalhar por um salário, em vez de ficar em casa cuidando dos filhos — próprios e dos vizinhos. Pais com maior nível de educação são mais propensos a se mudar para longe dos avós para buscar carreiras.
Reimaginando como criamos os filhos
Grande parte da conversa sobre criação de filhos nos últimos anos tem sido sobre se a parentalidade intensiva prejudica ou ajuda as crianças. Há temores de que ela possa ir longe demais, ao privar as crianças de chances de desenvolver independência e resiliência, embora especialistas em desenvolvimento infantil digam que as crianças geralmente se beneficiam de um maior envolvimento parental.
Mas o alerta do cirurgião geral muda o foco para o bem-estar dos pais — que, por sua vez, afeta a saúde mental das crianças. As demandas aumentadas de criar filhos, combinadas com responsabilidades como trabalho remunerado e cuidado com os idosos, têm sacrificado a saúde mental, o tempo de lazer, o sono e o tempo sozinho ou com um cônjuge.
— Estamos esmagando os pais sob um enorme fardo, para o benefício da sociedade, e estamos meio que "carregando nas costas" deles — disse a professora Swinth.
O parecer convocou os formuladores de políticas, empregadores e prestadores de cuidados a apoiar melhor os pais, inclusive por meio de políticas familiares como licença remunerada e créditos fiscais para filhos. Essas são ideias que historicamente foram apoiadas pelos democratas, incluindo a vice-presidente Kamala Harris, embora certos republicanos também concordem com algumas delas. Donald J. Trump disse que, como presidente, expandiria o crédito fiscal para filhos.
Porém Murthy afirmou que uma América mais amiga da família também exigiria uma mudança cultural — uma que visse a criação de filhos como um bem social e, portanto, a responsabilidade de toda a sociedade, tão importante quanto empregos remunerados. Ele descreveu a criação de filhos como “trabalho sagrado.”
Isso poderia significar criar os filhos de maneira um pouco menos intensiva, sugeriu. Amigos, parentes e programas pós-escola poderiam ajudar a cuidar das crianças. Os pais deveriam reservar um tempo para si mesmos, sugeriu ele, para fazer atividades que lhes tragam alegria ou melhorem a saúde, sem sentir culpa por passar tempo longe dos filhos.
E, destacou ele, falar mais abertamente sobre as demandas da parentalidade poderia eventualmente mudar as expectativas culturais sobre se todo esse tempo e dinheiro são necessários para que as crianças tenham sucesso.
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