MUDANÇAS CLIMÁTICAS SOMADAS AO EL NIÑO SÃO 'COMBINAÇÃO MORTAL', DIZ ERIN SIKORSKY

 Erin Sikorsky, diretora do Center for Climate and Security, comenta sobre a situação do RS

Mudanças climáticas somadas ao El Niño são 'combinação mortal', diz Erin Sikorsky

Em entrevista, diretora do Center for Climate and Security destaca a vulnerabilidade de países como o Brasil diante de tragédias ambientais, como a do Rio Grande do Sul

Por 

Rafaela Gama

04/06/2024 15h11  Atualizado há um mês


A diretora do Center for Climate and Security, Erin Sikorsky, afirmou que as chuvas torrenciais que atingem o estado do Rio Grande do Sul são um lembrete de que as mudanças climáticas, somadas a fenômenos como El Niño, configuram uma "combinação mortal". Em entrevista ao GLOBO, Sikorsky destacou a diferença entre a implementação de políticas públicas de mitigação e resiliência climática em áreas suscetíveis a riscos ambientais.


Ao comentar sobre a tragédia gaúcha, Sikorsky relembrou casos de inundações que causaram efeitos similares em países como o Quênia, o Afeganistão e a Índia, destacando a vulnerabilidade do Sul Global diante de catástrofes ambientais. De acordo com a especialista, nações em desenvolvimento permanecem na linha de frente dos perigos climáticos e vivem riscos de segurança com mais regularidade, apesar de não registrarem as maiores emissões mundiais de poluentes atmosféricos.

Segundo Sikorsky, investimentos em sistemas de alertas e estudos para a determinação de locais mais vulneráveis a riscos climáticos também são apenas os primeiros passos a serem tomados por governantes desses países.

A especialista está no Brasil para o Climate Solutions Forum (CSF), evento anual da Foundations 20 (F20), que é realizado entre 4 e 5 de junho no Rio de Janeiro no contexto da presidência brasileira do G20. O evento tem como tema a “Responsabilidade em Ação: Construindo Pontes para Parcerias Norte-Sul”.

No Brasil, estamos vivenciando uma tragédia social sem precedentes no estado do Rio Grande do Sul. Você diria que um evento como esse acende um alerta suficiente para provocar novas atitudes em relação a mudanças climáticas?

Primeiro, eu gostaria de expressar a solidariedade em relação às situações vivenciadas pelas vítimas. Essas inundações no Brasil nos lembram que as condições extremas alimentadas pelas alterações climáticas, combinadas com um intenso El Niño, são uma combinação mortal.

É simplesmente terrível observar que os mesmos acontecimentos se repetem em tantos lugares, como no Quênia, no Afeganistão e na Índia. Acho que esse é um sinal de alerta de que não temos mais tempo, de que os perigos já estão aqui. Essas grandes tragédias nos lembram que é sim fundamental cortar as nossas emissões e transicionar para energia limpa. Essas estratégias são absolutamente críticas para evitar os piores impactos do clima.

No entanto, ao mesmo tempo, precisamos ser realistas e investir na adaptação e na resiliência, porque esses perigos estão acontecendo hoje e levarão um longo tempo antes de serem mitigados de maneira verdadeiramente efetiva.

Então, como é possível convencer as forças governamentais que é melhor investir na prevenção dessas tragédias do que na reparação dos danos causados?

É difícil porque os políticos estão apenas preocupados com o amanhã. Eles estão focados em políticas mais imediatas, e pensar até mesmo sobre momentos daqui a alguns anos pode ser um desafio. Mas diversos estudos mostram que investir hoje, por exemplo, um dólar em adaptação e prevenção equivale a uma economia de sete dólares no futuro, dependendo de qual setor você está falando. Dessa forma, o potencial para economizar é enorme. Além disso, como todos sabem, os governos não podem arcar com desastres de bilhões de dólares regularmente. Então, simplesmente o melhor a se fazer é investir nessas áreas.

E que relação existe entre os perigos climáticos e o aumento da polarização política, a ameaça à democracia e a soberania de um país?

Vemos que sempre que um desastre como esse acontece, há uma oportunidade para desinformação e para o ambiente fragmentado das redes sociais. Observamos isso nos Estados Unidos com os incêndios florestais no Havaí no verão passado, onde houve a circulação desenfreada da fake news que culpava os militares pelos incêndios. Também vimos nos Emirados Árabes Unidos, e agora no Brasil, algumas acusações de que grupos sociais específicos teriam utilizado técnicas para mudar o padrão de precipitação. Na Turquia, a mesma situação se repetiu e o governo tentou até mesmo culpabilizar o curdos.

Por que você considera que esses contextos favorecem tanto a propagação de desinformação?

Acho que as comunidades estão vulneráveis ​​e procuram alguém para culpar pelo que lhes aconteceu. Os governos, quando já estão pressionados por uma série de outros desafios, podem recorrer à desinformação também.

E quais são as principais estratégias usadas para a desinformação diante desses cenários?

O modus operandi varia, mas geralmente inclui a utilização de bodes expiatórios para as catástrofes climáticas em minorias ou grupos marginalizados, o incitamento de preconceitos contra os deslocados pelas alterações climáticas e esforços do Estado de evitar sua devida responsabilização diante de tragédias.

Como lidar com essas e outras consequências das tragédias climáticas? O que é possível ser feito a curto, médio e longo prazo?

Nós temos monitorado centros de resposta militares a essas catástrofes e percebemos que eles ainda precisam aprender algumas lições sobre como agir nesses momentos. É preciso entender como usar as habilidades e ferramentas certas para fazer isso, porque em muitos países as forças de segurança são a única instituição com capacidade e logística para responder a esses grandes desastres. Acredito que os governos precisam pensar cuidadosamente sobre como estão usando as Forças Armadas nesses momentos.

No entanto, nem sempre as respostas dadas pelos governantes diante de situações de emergência bastam, sendo necessário um planejamento a médio e longo prazo que inclui, por exemplo, noções sobre as rotas de deslocamento de pessoas potencialmente afetadas pelas mudanças climáticas.

Você poderia me contar um pouco mais sobre o trabalho desenvolvido pelo Center for Climate and Security?

Nós somos um instituto de pesquisa sem fins lucrativos e apartidário. Nossas análises incluem a compreensão de como as alterações climáticas moldam as questões de segurança nacional, tanto nos Estados Unidos como a nível global. Definimos segurança de forma bastante ampla, não nos restringindo a apenas o impacto sentido pelas instituições de um país, mas também em relação a aspectos humanos, como a segurança alimentar e hídrica, além dos riscos secundários de instabilidade e conflito em diferentes locais.

Mas fazemos essa investigação tendo em vista as recomendações políticas, para saber o que atores políticos e os profissionais podem fazer para gerir esses riscos. Temos uma grande interface nos EUA, mas também com governos estrangeiros, no enfrentamento de alguns desses desafios.

É mais difícil conversar com instituições dos EUA, por exemplo, ou com governos de nações que estão em desenvolvimento? Você vê alguma diferença em como eles lidam com problemas associados às mudanças climáticas?

Não sei se é mais difícil falar com um ou com outro, mas há diferentes mensagens e desafios que eles enfrentam. Obviamente, os países que estão no Sul Global enfrentam diretamente os perigos climáticos, mesmo não sendo responsáveis ​​por uma grande proporção das emissões. Então, acho que é uma conversa diferente com os Estados Unidos, Europa, China ou com os países que emitem muito dióxido de carbono e falamos com eles sobre segurança nacional. Os riscos que as suas próprias instituições correm para investir nas alterações climáticas variam bastante.

*Estagiária sob supervisão de Alfredo Mergulhão


Fonte:https://oglobo.globo.com/brasil/sos-rio-grande-do-sul/noticia/2024/06/04/mudancas-climaticas-somadas-ao-el-nino-sao-combinacao-mortal-diz-erin-sikorsky.ghtml

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