Desde o início da crise sanitária, somos lembrados o tempo todo de que ninguém dura para sempre. E, pior: a morte chega sem avisar. O medo de morrer é a primeira onda do self na pandemia, segundo explica a psiquiatra Carmita Abdo, em entrevista recente ao jornalista Morris Kachani. Depois vem a preocupação com a falta de recursos e a incerteza generalizada se instala, enquanto mortes são contabilizadas diariamente e ninguém sabe onde a curva de contágio vai parar. Na quarta onda, já estamos frágeis, ansiosos, agitados, menos concentrados e desanimados (alguém se identifica?). E, enfim, na quinta onda, quando a pandemia acabar, seremos ainda assombrados por um estresse pós-traumático.
Se por um lado a iminência da morte é desalentadora, por outro ela nos apressa a aproveitar o tempo que temos. É curioso assistir à ressurreição da moda dos anos 1990 e à estética esquálida da época, com modelos apáticas, com olhar perdido, revelando um enorme vazio existencial. Hoje, no entanto, essa moda volta diferente, sem espaço para o culto à anorexia, com diversidade de corpos e de raças e uma postura mais ativa e enérgica.
Outro movimento atual da moda flerta com o gótico, o dark e o sagrado, evocando a era vitoriana. Durante o século XIX, com o fortalecimento da classe média na Inglaterra e o avanço da medicina, as mortes ganharam rituais sofisticados, com o uso do preto podendo durar até quatro anos. A própria rainha Vitória entrou em luto rigoroso, no qual permaneceu por 20 anos após a morte de seu marido. Depois da Primeira Guerra, o costume foi sendo deixado de lado já que, de certa forma, todos estavam de luto por alguém.
Em termos figurativos, é possível dizer que hoje a moda vive um luto. Com distanciamento inibindo a vida social e o colapso econômico iminente, o ciclo acelerado de expansão e democratização da moda parece estar em fase terminal. Entre as incertezas que rondam o setor, há dúvidas sobre a sobrevivência das redes de fast fashion nos antigos moldes e também sobre o destino das semanas de desfiles de Paris, Milão, Nova York, São Paulo.
Enquanto a Dior e a Burberry confirmaram que vão manter os desfiles físicos do ano, por enquanto sem público, a Chanel preferiu uma apresentação digital. Já Saint Laurent e Gucci anunciaram que vão seguir um novo caminho, longe dos calendários consolidados. O italiano Giorgio Armani também afirmou que os lançamentos de sua grife não serão mais definidos por estações, a partir de 2021. “Precisamos de tanta roupa assim? Acho que não”, disse.
No livro O Império do Efêmero, Gilles Lipovetsky explica como a reverência ao novo e a crescente rede de ofertas de moda acabaram levando em conta os mecanismos da democracia e a liberdade de expressão para se estabelecerem. Examina, ainda, como a incessante busca por sensações agradáveis e efêmeras (tipo comprar uma roupa nova) acaba muitas vezes sendo inútil, já que a felicidade e a satisfação são estados passageiros.
Atualmente, quase todo mundo concorda que é preciso introduzir práticas mais sustentáveis em toda a cadeia. Por outro lado, o consumidor pode e deve se mobilizar. A degradação do meio ambiente, com sua produção de poluentes e excedentes descartados como lixo, ou a baixa remuneração da mão de obra em alguns países não é culpa só das empresas. O mundo ficará melhor quando houver, coletivamente, uma demanda mais consciente. Precisamos querer consumir roupas com mais qualidade e pagar adequadamente por elas. É a velha máxima do menos é mais.
Maria Rita Alonso é jornalista e consultora de moda. Para ela, falar de moda é falar de como as pessoas vivem, se posicionam, se reúnem e se expressam.
(@mariaritaalonso)
Fonte:https://revistamarieclaire.globo.com/Moda/noticia/2020/08/maria-rita-alonso-vida-e-tao-efemera-quanto-moda.html
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