DE VILAREJO DE PESCADORES A DESTINO DE LUXO: COMO A ARTE AJUDOU A TRANSFORMAR JOSÉ INÁCIO, NO URUGUAI

 Turista caminha pela praia em José Ignacio, no Uruguai: cidade à beira-mar passou de vilarejo de pescadores a destino sofisticado em algumas décadas

De vilarejo de pescadores a destino de luxo: como a arte ajudou a transformar José Ignacio, no Uruguai

Cidade à beira-mar combina galerias, museus, ótimos restaurantes, hotéis sofisticados e vinícolas

Por 

Fran Blandy

 Em AFP

05/02/2024 03h00  Atualizado há 12 horas

Em um vilarejo à beira-mar no leste do Uruguai, turistas abastados passeiam por uma feira de arte lotada, bebendo vinho rosé local enquanto se maravilham com a crescente cena criativa da região. Entre as aparentemente intermináveis praias douradas do Atlântico e as pradarias ondulantes, esse canto remoto da América do Sul se tornou um centro improvável de arte, cultura e gastronomia.


Esta bucólica zona rural abriga alguns dos principais museus de arte contemporânea, galerias e festivais de cinema e fotografia do Uruguai. E em meados de janeiro, o vilarejo de José Ignacio sediou a décima edição da feira internacional de arte Este Arte.


— Quando começamos, a maioria das pessoas com quem eu conversava pensava: "No Uruguai não se pode fazer isso. Não somos como a Argentina ou o Brasil. Não haverá compradores suficientes" — disse a curadora de arte uruguaia Laura Bardier.

Um dos menores países da América do Sul, o Uruguai tem três vezes mais vacas do que pessoas, e metade de sua população de 3,5 milhões vive na capital, Montevidéu, a três horas de carro de José Ignacio. Mesmo assim, a Este Arte recebe milhares de visitantes todos os anos, incluindo amadores e grandes colecionadores de arte. As obras de arte têm preços que variam de US$ 300 a US$ 2,5 milhões cada uma. A maioria custa em torno de US$ 20 mil a US$ 50 mil.

Vindos de Nova York e visitando a feira pela primeira vez, o neurocirurgião Rafael Ortiz e sua esposa, a dentista pediátrica Emille Agrait, adquiriram uma peça para sua casa nos Hamptons — um local de veraneio com o qual José Ignacio é às vezes comparado. Agrait disse que "mal pode esperar" para contar a seus amigos colecionadores de arte sobre a cidade.

— É discreta, descontraída, mas chique e divertida. Todos são lindos — disse ela com entusiasmo.

'Deserto de arte'

Vista aérea do farol de José Ignacio, um dos cartões-postais deste antigo vilarejo de pescadores que se tornou o destino mais sofisticado do Uruguai — Foto: Santiago Mazzarovich / AFP
Vista aérea do farol de José Ignacio, um dos cartões-postais deste antigo vilarejo de pescadores que se tornou o destino mais sofisticado do Uruguai — Foto: Santiago Mazzarovich / AFP

Durante décadas, a cidade de Punta del Este, no leste do Uruguai, tem sido o local de verão preferido da elite da América do Sul — sua vida noturna frenética e os arranha-céus à beira-mar atraem comparações com Miami ou Monte Carlo.

No entanto, nos últimos anos, aqueles que buscam uma sofisticação mais discreta fugiram para vilarejos pacatos mais ao leste. Como José Ignacio, que agora ostenta propriedades extremamente caras em uma cidade composta por algumas estradas de terra, com excelentes restaurantes e vinhedos nas proximidades.

Nos anos 1980, "José Ignacio estava vazia... apenas pescadores e moradores locais" viviam lá, contou o galerista Renos Xippas. Até uma década atrás, a região era "um deserto de arte".

Renos Xippas, diretor da Xippas Galleries, galerias em Manantiales, no Uruguai — Foto: Santiago Mazzarovich / AFP
Renos Xippas, diretor da Xippas Galleries, galerias em Manantiales, no Uruguai — Foto: Santiago Mazzarovich / AFP

De acordo com ele, as pessoas se reuniram para viver no interior do Uruguai durante a pandemia de Covid-19, buscando sua relativa tranquilidade. Isso ajudou a alimentar um boom artístico que ele descreve como o renascimento de "uma tradição muito longa", que morreu durante a ditadura do país de 1973 a 1985.

— Os uruguaios são pessoas muito cultas e muito legais — disse, sobre o que se tornou um dos países mais estáveis política e economicamente da América Latina.

'Nada e silêncio'

O escultor uruguaio Pablo Atchugarry em seu ateliê no Museu de Arte Contemporânea Atchugarry (MACA), o maior do tipo no Uruguai, nos arredores de José Ignacio — Foto: Santiago Mazzarovich / AFP
O escultor uruguaio Pablo Atchugarry em seu ateliê no Museu de Arte Contemporânea Atchugarry (MACA), o maior do tipo no Uruguai, nos arredores de José Ignacio — Foto: Santiago Mazzarovich / AFP

— Houve uma espécie de revolução — afirmou o escultor uruguaio Pablo Atchugarry, 69 anos, coberto de poeira do mármore que está moldando.

Em 2022, Atchugarry abriu o principal museu de arte contemporânea do Uruguai, o MACA, mais a oeste de José Ignacio: uma enorme estrutura semelhante a um navio cercada por um parque de esculturas de 40 hectares no meio do nada.

Ele descreve a área como uma espécie de Cote d'Azur uruguaia, atraindo um público com "um poder aquisitivo muito alto e um interesse cultural em arte". Ele e outros artistas também falam muito sobre sua energia inspiradora.

O Museu de Arte Contemporânea Atchugarry (MACA), o único do gênero no Uruguai, fica em Manantiales, perto de José Ignacio — Foto: Santiago Mazzarovich / AFP
O Museu de Arte Contemporânea Atchugarry (MACA), o único do gênero no Uruguai, fica em Manantiales, perto de José Ignacio — Foto: Santiago Mazzarovich / AFP

— O que me atraiu foi a luz, o espaço, o nada e a tranquilidade. Acho que é o lugar perfeito para criar — revela a fotógrafa americana Heidi Lender, que vive ainda mais no interior do país, em Pueblo Garzón, uma pequena cidade ferroviária antiga, 35 quilômetros ao norte de José Ignacio.

Lá, ela dirige uma organização sem fins lucrativos, Campo, que oferece residências para artistas de todo o mundo. Com menos de 200 residentes permanentes, Garzón agora abriga algumas galerias e um restaurante administrado pelo chef argentino Francis Mallmann, obcecado por fogo, que participou do programa "Chef's Table" da Netflix.

No entanto, alguns, como o colecionador de arte austríaco Robert Kofler, estão preocupados com a possibilidade de a especulação imobiliária arruinar sua fatia de paraíso.

Visitantes em frente à instalação 'Ta Khut', um dos 'skyspaces' criados por James Turrell, na Posada Ayana em José Ignacio, no litoral do Uruguai — Foto: Santiago Mazzarovich / AFP
Visitantes em frente à instalação 'Ta Khut', um dos 'skyspaces' criados por James Turrell, na Posada Ayana em José Ignacio, no litoral do Uruguai — Foto: Santiago Mazzarovich / AFP

Kofler é proprietário de um hotel butique onde construiu uma instalação de arte que, segundo ele, ajudou a colocar José Ignacio "no mapa mundial". Ele convenceu o artista americano James Turrell a trazer para o vilarejo um de seus Skyspaces — uma cúpula de puro mármore branco por meio da qual os visitantes observam o céu no crepúsculo, enquanto a luz artificial distorce a percepção de suas cores.

Kofler diz que está sempre lutando contra as tentativas de construir clubes de praia ou arranha-céus.

— O que leva as pessoas a voar 12 ou 14 horas para vir aqui? É essa beleza e energia, essa tranquilidade e lentidão. É fugir do que se conhece em Saint-Tropez, Mônaco ou Malibu — defendeu. — É por isso que é tão importante preservar isso.


Fonte:https://oglobo.globo.com/boa-viagem/noticia/2024/02/05/de-vilarejo-de-pescadores-a-destino-de-luxo-como-a-arte-ajudou-a-transformar-jose-ignacio-no-uruguai.ghtml

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