SEIS CRIANÇAS QUE NASCERAM SURDAS PASSAM A ESCUTAR COM TERAPIA GENÉTICA INOVADORA; VEJA VÍDEOS

 Seis crianças que nasceram surdas passam a escutar com terapia genética inovadora.

Seis crianças que nasceram surdas passam a escutar com terapia genética inovadora; veja vídeos

Testes com tratamento que corrige defeito de um gene nas células da cóclea têm resultados promissores e abrem caminho para novas alternativas para surdez

Por 

Bernardo Yoneshigue

 — Rio de Janeiro

26/01/2024 12h49  Atualizado há um dia


Seis crianças que nasceram com surdez congênita, de idades entre 1 e 11 anos, passaram a escutar após participaram dos testes de uma terapia genética inovadora na China e nos Estados Unidos. O relato de cinco delas, que participaram do estudo no país asiático, foi publicado nesta semana na revista científica The Lancet. O sexto caso foi anunciado também há poucos dias por um hospital americano.

“Desde que os implantes cocleares foram inventados, há 60 anos, não houve um tratamento eficaz para a surdez. Este é um grande marco que simboliza uma nova era na luta contra todos os tipos de perda auditiva”, diz o professor de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade de Harvard, nos EUA, Zheng-Yi Chen, que participou do estudo na China, em comunicado.


A perda auditiva afeta mais de 1,5 bilhão de pessoas no mundo, com a surdez congênita representando cerca de 26 milhões desses indivíduos. Há uma série de doenças que podem fazer com que o bebê nasça sem a capacidade de ouvir, entre elas uma chamada DFNB9.

É uma condição hereditária, que acomete aproximadamente 200 mil pessoas pelo mundo. Ela é causada por mutações que fazem o gene OTOF deixar de ser funcional. O gene é responsável pela produção da proteína otoferlina na cóclea, necessária para a transmissão dos sinais sonoros do ouvido para o cérebro. Por isso, os pacientes nascem surdos.

Não há opções de tratamento hoje para a DFNB9. Para contornar esse problema, cientistas ao redor do mundo desenvolveram uma terapia que insere um gene OTOF funcional nas células da cóclea, retomando a produção de otoferlina e, consequentemente, restaurando a audição.

Os pesquisadores utilizam vírus inofensivos como meio de transporte do gene funcional que, ao entrarem nas células-alvo, como numa infecção natural, inserem o novo gene em seu código de DNA. Para isso, a mistura com o material é injetada no fluido do ouvido interno dos participantes.

No trabalho conduzido na China por pesquisadores da Universidade de Fudan, de Xangai, e da Universidade de Harvard, dos Estados Unidos, foram avaliadas 6 crianças, com idades entre 1 e 7 anos. Cinco delas apresentaram uma capacidade de escutar até o fim do acompanhamento de 26 semanas. O estudo foi conduzido entre o fim de 2022 e o meio de 2023.

Veja os vídeos:

Segundo os pesquisadores, foram observadas melhorias dramáticas na percepção da fala e uma capacidade restaurada de conduzir uma conversa normal. Em relação à segurança do procedimento, a maioria significativa dos efeitos adversos (96%) foi de baixo grau. O restante – uma diminuição da contagem de neutrófilos, células de defesa do organismo, em um participante – foi transitório e sem impacto a longo prazo.

Alguns bebês que participaram do estudo eram muito novos para alguns testes, mas o de 1 ano, por exemplo, foi capaz de responder a estímulos e verbalizou pela primeira vez palavras simples, como “mamãe”. Em alguns casos, os pais notaram a melhora antes mesmo do primeiro acompanhamento do estudo, na marca de 4 semanas.

“Descobrimos pela primeira vez (que funcionou) quando os pais nos contaram: ‘quando a mãe chamou ela (a bebê), ela virou’. Todos eles estão muito esperançosos. Eles ficaram muito, muito entusiasmados e todos choraram quando descobriram que seus filhos podiam ouvir”, conta Yilai Shu, pesquisador da Universidade de Fudan, que também participou do estudo.

Chen também diz ter se emocionado com os resultados do trabalho: “Isso é realmente notável. Quando contamos a história, mesmo para nossos colegas, traz lágrimas aos olhos. Trabalho nesta área há três décadas e sei como foi difícil chegar a este ponto. Também sei que estamos na conjuntura de um grande futuro”.

Já sobre o único caso dos 6 que não teve uma melhora, os pesquisadores afirmam que não é bem compreendido quais foram os motivos. No entanto, imaginam que possa ser devido a uma reação do sistema imune ao vírus utilizado como vetor do gene.

O estudo foi financiado pela Fundação Nacional de Ciências Naturais da China, pelo Programa Nacional de P&D da China, pela Comissão de Ciência e Tecnologia do Município de Xangai e pela empresa de biotecnologia Shanghai Refreshgene Therapeutics.

Se tudo correr bem, diz Chen, a expectativa é que a aprovação de um tratamento do tipo pela agência reguladora dos EUA, a Food and Drug Administration (FDA), demore de três a cinco anos.

Outros estudos pelo mundo

A equipe na China foi a primeira a iniciar os testes clínicos de uma terapia genética para a DFNB9 no mundo, mas não é a única. A doença foi escolhida como “porta de entrada” para testar tratamentos para formas de surdez genética por ser causada por apenas uma mutação e que não causa danos às células da cóclea, apenas ao gene – e, com isso, considerada mais simples.

Segundo informações do New York Times, há cerca de cinco testes em andamento nos Estados Unidos, na Europa e na China. Nesta semana, o Hospital Infantil da Filadélfia divulgou o caso de Aissam Dam, um menino de 11 anos com DFNB9 que participou do estudo feito na unidade americana.

Em outubro do ano passado, ele recebeu a injeção da terapia genética. Quase quatro meses depois, a audição de Aissam melhorou a ponto de ele ter apenas perda auditiva leve a moderada e estar “literalmente ouvindo som pela primeira vez na vida”, diz o hospital em comunicado.

O ensaio clínico é patrocinado pela Akouos, uma subsidiária da farmacêutica Eli Lilly. Os resultados de todos os estudos em andamento pelo mundo devem ser apresentados no próximo dia 3 na Reunião Anual da Associação de Pesquisa em Otorrinolaringologia.

Menino de 11 anos escuta pela primeira vez — Foto: Children's Hospital of Philadelphia/AFP
Menino de 11 anos escuta pela primeira vez — Foto: Children's Hospital of Philadelphia/AFP

Outras 150 formas de surdez congênita

Os especialistas explicam ainda que a terapia para DFNB9 é apenas o início, e a expectativa é avançar para outras formas de doenças hereditárias que causam surdez. É o que destaca o cirurgião John Germiller, diretor de pesquisa clínica da divisão de Otorrinolaringologia do hospital na Filadélfia.

“A terapia genética para perda auditiva é algo em que nós, médicos e cientistas do mundo da perda auditiva, temos trabalhado há mais de 20 anos e finalmente chegou. E, embora a terapia genética que realizamos em nosso paciente tenha sido para corrigir uma anormalidade em um gene muito raro, esses estudos podem abrir a porta para uso futuro para alguns dos mais de 150 outros genes que causam perda auditiva na infância”.

A equipe das universidades de Harvard e de Fudan, por exemplo, prevê que seus próximos passos envolvem o monitoramento dos participantes do estudo atual, mas também o início de um novo com pacientes cuja surdez tenha origens genéticas mais diversas.


Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/medicina/noticia/2024/01/26/seis-criancas-que-nasceram-surdas-passam-a-escutar-com-terapia-genetica-inovadora-veja-videos.ghtml

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