ESTUDO DESAFIA NARRATIVAS SOBRE CIRURGIAS DE AFIRMAÇÃO DE GÊNERO

 Estudos abalam ideias sobre cirurgias de afirmação de gênero e arrependimento

Estudo desafia narrativas sobre cirurgias de afirmação de gênero

Novo estudo de pesquisadores norte-americanos indica que menos de 1% das pessoas trans relatam arrependimento após procedimentos em relação à sua identidade de gênero; saiba mais


Por Harry Barbee, Bashar Hassan e Fan Liang* | The Conversation

27/01/2024 09h07  Atualizado há 3 dias


Os cuidados de afirmação de gênero podem incluir procedimentos cirúrgicos como reconstrução facial, cirurgia torácica (ou "superior") e cirurgia genital (ou "inferior"). Porém, em um artigo que publicamos recentemente no JAMA Surgery, contestamos a noção de que as pessoas trans geralmente se arrependem dessas cirurgias.

As evidências sugerem que menos de 1% das pessoas trans que se submetem à operação de afirmação de gênero relatam arrependimento. Essa proporção é ainda mais impressionante quando comparada ao fato de que 14,4% da população em geral relata pesar após cirurgias semelhantes.

Por exemplo, estudos descobriram que entre 5% e 14% de todas as mulheres que se submetem a mastectomias para reduzir o risco de desenvolver câncer de mama dizem que se arrependeram. No entanto, menos de 1% dos homens transgêneros que recebem o mesmo procedimento relatam esse sentimento.

Essas estatísticas se baseiam em revisões de estudos existentes que investigaram o arrependimento entre 7.928 indivíduos trans que fizeram cirurgias de afirmação de gênero. Embora algumas dessas pesquisas anteriores tenham sido criticadas por ignorarem o fato de que o arrependimento pode, às vezes, levar anos para se desenvolver, elas se alinham com o crescente número de estudos que mostram resultados positivos de saúde entre pessoas trans que recebem cuidados de afirmação de gênero.

Por que o acesso à cirurgia de afirmação de gênero é importante

Cerca de 1,6 milhão de pessoas nos EUA se identificam como trans. Embora apenas cerca de 25% desses indivíduos tenham feito cirurgias de afirmação de gênero, esses procedimentos se tornaram mais comuns. De 2016 a 2020, cerca de 48 mil pessoas trans nos EUA fizeram tais cirurgias.

Essas operações proporcionam às pessoas trans a oportunidade de alinhar seus corpos físicos com sua identidade de gênero, o que pode afetar positivamente a saúde mental. Pesquisas mostram que o acesso a cirurgias de afirmação de gênero pode reduzir os níveis de depressão, ansiedade e ideação suicida entre pessoas trans.

 

É comum ouvir legisladores, ativistas e comentaristas argumentarem que muitas pessoas transgêneros se arrependem de sua decisão quanto a fazer cirurgias de afirmação de gênero – uma crença que tem alimentado uma onda de legislações que restringem o acesso a cuidados de saúde no ramo de afirmação de gênero.


Os benefícios para a saúde mental podem explicar os baixos níveis de arrependimento. Pessoas transgênero têm taxas muito mais altas de preocupações com a saúde mental do que cisgêneros, ou pessoas cuja identidade de gênero se alinha com o sexo de nascimento. Isso se deve, em grande parte, ao fato de que as pessoas trans têm mais dificuldade para viver autenticamente sem sofrer discriminação, assédio e violência.

A cirurgia de afirmação de gênero geralmente envolve passar por uma série de etapas: períodos de espera, terapia hormonal e aprendizado sobre os possíveis riscos e benefícios dos procedimentos. Embora a maioria das cirurgias seja reservada para adultos, as principais diretrizes recomendam que os pacientes tenham pelo menos 15 anos de idade.

Esse processo minucioso pelo qual as pessoas trans passam antes de serem operadas também pode explicar os níveis mais baixos de arrependimento. Além disso, muitas pessoas cisgênero fazem cirurgias que, em seu mundo ideal, não fariam. Mas elas fazem a cirurgia para evitar um problema de saúde.

Por exemplo, uma mulher cisgênero que faz uma mastectomia para evitar o câncer de mama pode acabar se arrependendo da decisão se não gostar de sua nova aparência. Enquanto isso, um homem transgênero que se submete ao mesmo procedimento tem mais chances de ficar satisfeito com um peito de aparência masculina.

Aprimoramento da pesquisa e das políticas públicas

É importante observar que essa pesquisa não é conclusiva. As opiniões sobre as cirurgias podem mudar com o tempo, e os pacientes podem se sentir muito diferentes sobre seus resultados oito anos após a cirurgia, em comparação com um ano depois dela.

No entanto, o consenso entre os especialistas, inclusive na Associação Médica Americana, é que a cirurgia de afirmação de gênero pode melhorar a saúde das pessoas trans e não deve ser proibida.

Estados americanos, como Oklahoma e Dakota do Norte, ignoraram esse consenso e restringiram o acesso a esses procedimentos. Em resposta, 12 estados se autodenominaram "santuários" para atendimento de afirmação de gênero.

Embora nossas estatísticas sobre arrependimento cirúrgico possam mudar ao passo que os pesquisadores aprendem mais, elas são os melhores dados que os prestadores de serviços de saúde têm. E as políticas públicas que se baseiam nas melhores evidências disponíveis têm o maior potencial de melhorar a vida das pessoas.

* Harry Barbee é professor assistente de saúde, comportamento e sociedade; Bashar Hassam é pesquisador de pós-doutorado em cirurgia plástica e reconstrutiva; e Fan Liang é professora assistente de cirurgia plástica e reconstrutiva na Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. Este texto foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation.


Fonte:https://revistagalileu.globo.com/sociedade/comportamento/noticia/2024/01/estudo-desafia-narrativas-sobre-cirurgias-de-afirmacao-de-genero.ghtml

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