AIR FRANCE 447: O VOO QUE CAIU EM 'PONTO CEGO' DO OCEANO ATLÂNTICO: JUSTIÇA DA FRANÇA ABSOLVEU COMPANHIA AÉREA E FABRICANTE DA AEORONAVE



Air France 447: O voo que caiu em 'ponto cego' do Oceano Atlântico

Justiça na França absolveu companhia aérea e fabricante da aeronave pela tragédia que matou 228 pessoas; relembre o acidente e histórias de vidas perdidas

17/04/2023 11h48  Atualizado há 9 meses

O voo 447 da Air France decolou do Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio, às 19h30 de um domingo, 31 de maio de 2009, levando 228 almas. A aeronave, um modelo Airbus A330-203, deveria chegar na manhã seguinte ao Aeroporto Charles de Gaulles, em Paris, na França, mas, cerca de quatro horas depois da partida, o avião se espatifou no Oceano Atlântico, a 820km do arquipélago de Fernando de Noronha, no Nordeste do Brasil (veja vídeográfico no final do post).

 Aquele era o Ano da França no Brasil, que deveria ter sido marcado pelos eventos culturais em ambos os territórios. Entretanto, a queda do voo 447 foi uma das maiores tragédias já registradas nos dois países. Todas as pessoas a bordo morreram. Desde então, as famílias das vítimas atuam na Justiça para responsabilizar os culpados pelo desastre, mas, nesta segunda-feira, quase 14 anos após o acidente, um tribunal francês absolveu a Air France e a Airbus pelo ocorrido.

Quantas pessoas morreram no voo Air France?

Entre os passageiros, havia 126 homens, 82 mulheres, sete crianças e um bebê, além de 12 membros da tripulação, totalizando 228 pessoas a bordo. Após a decolagem, o avião sobrevoou o litoral brasileiro até Fernando de Noronha, onde tomou sua rota para cruzar o Oceano Atlântico. Três horas e seis minutos depois da decolagem, quando o Airbus já se aproximava do limite da área de controle do Brasil, foram enviadas mensagens de rotina pela tripulação. Esperava-se que, após 50 minutos voando numa espécie de "ponto cego" do oceano, sem monitoramento externo, a aeronave entraria na zona de cobertura de Senegal, na África, onde voltaria a ser acompanhada por radares.

Air France 447: Emoção durante missa para as vítimas na Igreja da Candelária, no Rio — Foto: Márcia Foletto/Agência O Globo
Air France 447: Emoção durante missa para as vítimas na Igreja da Candelária, no Rio — Foto: Márcia Foletto/Agência O Globo

Quando caiu o voo 447 da Air France?

Cerca de quarenta minutos mais tarde, porém, quando as bandejas do jantar haviam sido recolhidas e muitos passageiros dormiam, uma série de mensagens automáticas foi enviada indicando problemas de eletricidade e perda de pressurização na cabine. Pelo itinerário, o avião deveria ter entrado no espaço aéreo senegalês às 2h20 do horário de Grenwich (GMT) de 1º de junho, o equivalente a 23h20 de Brasília do dia 31 de maio. Como isso não ocorreu, teve início uma busca de emergência. Não demorou até o Ministério dos Transportes na França considerar a situação como "alarmante".

Após um dia inteiro de busca infrutífera, na noite de segunda-feira, o Centro de Comunicação da Aeronáutica brasileira informou que o piloto de um voo comercial da TAM Linhas Aéreas identificara "pontos laranjas" no Atlântico, cerca de 30 minutos após o Airbus da Air France ter emitido o informe automático de pane elétrica. A notícia gerou consternação no Brasil e na França. Familiares de passageiros e tripulantes se desesperavam. No entanto, uma procura efetuada por um navio francês na área indicada não encontrou nada.

Por que o avião da Air France caiu?

No dia seguinte, 2 de junho, o então ministro da defesa do Brasil, Nelson Jobim, confirmou a queda do avião no Atlântico, na área onde uma aeronave identificara objetos como uma poltrona, uma boia e um tambor, além de manchas de querosene. Imagens dos familiares das vítimas, em prantos, comoveram ambos os países. À noite, o governo brasileiro decretou luto oficial de três dias. As buscas pelos corpos e partes da aeronave continuaram até que foram encerradas em 26 de junho, quando apenas 51 corpos haviam sido encontrados, além de peças do avião e bagagens de passageiros.

De acordo com a investigação sobre o desastre, o congelamento de sensores externos da aeronave (os tubos de pitot) levou ao fornecimento de dados errados de velocidade e desencadeou o acidente. A falha teria desorientado os pilotos, e eles perderam o controle do avião. No primeiro julgamento, a Justiça não identificou culpa da Air France ou da AirBus na tragédia. Posteriormente, a Procuradoria-Geral fez uma denúncia afirmando que a Air France não forneceu treinamento adequado à tripulação e que a Airbus não aturou de maneira suficiente para corrigir as falhas das sondas de velocidade pitot.

Histórias de vidas perdidas na catástrofe

Air France 447: Bianca e Carlos Eduardo estavam indo para lua de mel — Foto: Gilson Monteiro/Agência O GLOBO
Air France 447: Bianca e Carlos Eduardo estavam indo para lua de mel — Foto: Gilson Monteiro/Agência O GLOBO

A tragédia encerrou centenas de vidas cujas histórias, reveladas pela cobertura do acidente, comoveu o público do Brasil e do mundo. Estavam a bordo do Air France 447 gente como o casal formado pela médica recém-graduada Bianca Machado Cotta, de 25 anos, e o procurador federal Carlos Eduardo Lopes de Melo, de 33. Unidos com uma "festa dos sonhos" que levara cerca de 500 pessoas ao Iate Clube de Niterói, na véspera, eles estavam a caminho de sua lua de mel em Paris.

Já o dentista cearense José Ronnel Amorim, que morava em Londres, viera ao Brasil para visitar sua família, em Niterói, acompanhado da mulher, a francesa Isis. Ele morava na capital britânica desde que fizera um curso em Portugal para exercer sua profissão na Europa. Amorim havia passado alguns dias na casa dos pais e retornava para o Reino Unido na data em que completava 35 anos. "Que tristeza, meu filho morreu no dia do aniversário dele", desabafou a mãe, Diana, ao saber da tragédia. "Não entendo como um avião possante cai e ninguém tem nada a dizer".

No voo também estavam dez funcionários da francesa CGE, distribuidora de materiais elétricos, que haviam ganhado a viagem para o Brasil como um prêmio por desempenho de vendas. Nove desses empregados estavam acompanhados de seus cônjuges. "Foi um grande choque quando soube do desaparecimento do avião. É impossível descrever os sentimentos, disse, à época, o francês Laurent Bouveresse, diretor da companhia que tem várias agências no Sudoeste do país europeu.

Air France 447: O maestro Silvio Barbato, morto aos 50 anos — Foto: André Coelho/Agência O GLOBO
Air France 447: O maestro Silvio Barbato, morto aos 50 anos — Foto: André Coelho/Agência O GLOBO

Então um dos mais importantes nomes da música erudita brasileira, O maestro Silvio Barbato, autor do balé "Terra Brasilis"e premiado por seu trabalho como diretor musical do filme "Vila Lobos, uma vida de paixão", estava a caminho de Kiev, na Ucrânia, onde faria uma palestra e apresentaria sua ópera "Carlos Chagas" em versão integral. No dia 9 do mês seguinte, o Senado Federal realizou uma sessão especial para homenageá-lo. O então senador Cristovam Buarque chegou a apresentar um projeto de lei com o nome de Barbato para incentivar a produção de música erudita.

Descendente de Dom Pedro II, Pedro Luís de Orleans e Bragança, de 26 anos, era o quarto na linha sucessória da Família Imperial brasileira. Presidente de honra da JuventudeMonárquica do Brasil, ele mantinha uma comunidade no Orkut para defender a Monarquia Parlamentarista. Pedro Luís morava em Luxemburgo, e veio ao Brasil visitar a família, em Petrópolis. Filho de Dom Antônio de Orleans e Bragança e de Dona Christine de Ligne et Bourbon-Nassau-Weilbourg, princesa de Ligne, era formado em administração de empresas e pós-graduado em economia.

Air France 447. Membros da família real brasileira em missa na Paróquia Nossa Senhora do Carmo — Foto: Michel Filho/Agência O GLOBO
Air France 447. Membros da família real brasileira em missa na Paróquia Nossa Senhora do Carmo — Foto: Michel Filho/Agência O GLOBO

Assessora da Presidência da Petrobras, Adriana Francisco Van Sluings, de 40 anos, trabalhava com a área internacional e viajava a serviço para a Coréia do Sul. A viagem deveria ter ocorrido uma semana antes, mas fora adiada para o dia 31 de maio. “ Ela me perguntou se eu não iria ao aeroporto para me despedir dela, e eu disse que não ia conseguir chegar atempo. Disse à ela para que viajasse nos braços e nas asas de Deus” desabafou a mãe de Adriana, Vazti Esther Van Sluings, de então 70 anos.

Único tripulante brasileiro no voo 447 da Air France, Lucas Gagliano Jucá, de 24 anos, passara 15 dias no Rio. Segundo parentes, o comissário de bordo viera de Paris, onde morava, para o enterro do pai. A mãe do rapaz, que teve duas perdas em poucos dias, estava em estado de choque após saber da tragédia com o abião. "O Lucas era apaixonado pela aviação", contou Jorge Luiz Gagliano, tio do comissário, ao chegar ao Hotel Windsor, na Barra da Tijuca, onde a Air France estava reunindo os familiares brasileiros das vítimas para prestar assistência.

Aos 2 anos, o brasileiro Georg Martiner fora adotado por um casal de italianos e levado para morar na Europa. Um dos sonhos que ele acalentava há muito tempo era conhecer sua terra natal. Quando ele fez 25 anos, seus pais realizaram o desejo. "Há tempos ele queria fazer essa viagem. Era importante para ele ver a sua terra com os próprios olhos e tocar as coisas", contou a mãe, Alberta Kostner. O menino, que havia sido abandonado nas ruas sem documentos no Brasil, havia se tornado um designer gráfico e morava em Viena, capital da Áustria.

Fonte:https://oglobo.globo.com/blogs/blog-do-acervo/post/2023/04/

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