SEM A OBRIGAÇÃO DE TER QUE SER O MELHOR

 Não é preciso sempre querer ser o melhor

Sem a obrigação de ter que ser o melhor

Psiquiatra resgata quatro princípios do Arcadismo, escola literária do século XVIII que valorizava o comedimento, a simplicidade, a moderação e a reflexão.

Por 

Angélica Banhara

26/12/2023 04h30  Atualizado há 3 dias

As pessoas estão exaustas. Talvez porque seja o primeiro final de ano sem pensar em vacina ou pandemia e o trânsito de dezembro voltou a ser infernal, os eventos das escolas e do trabalho se multiplicaram. Nessa época, as pessoas também se cobram mais e se sentem mais cobradas, potencializando a sensação de que não vamos dar conta.

Essa sensação generalizada me inspirou a escrever a última coluna do ano sobre um livro que acabo de ler: "Viver É Melhor Sem Ter Que Ser o Melhor" (editora Sextante), do psiquiatra Daniel Martins de Barros, autor de "O Lado Bom do Lado Ruim".

Descobri Daniel recentemente, numa palestra no Mind Summit São Paulo, congresso sobre saúde mental. Ele é professor colaborador do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e médico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, além de doutor em Ciências e bacharel em filosofia.

A questão proposta por Daniel é mais do que pertinente: será que nossa obsessão pela perfeição, pela excelência e pela alta performance não está ofuscando outras coisas importantes na vida, como cooperação, moderação, empatia, e gerando frustração e infelicidade?

No livro, o psiquiatra resgata quatro princípios do Arcadismo, escola literária do século XVIII que valorizava o comedimento, a simplicidade, a moderação e a reflexão. São eles:

Carpe diem: O lema mais conhecido dos poetas árcades significa “aproveitar o dia” e nos estimula a prestar atenção ao que realmente importa, relembrando o poder do agora. Mais do que uma apologia ao prazer, é um lembrete de que cada momento é único. Se amanhã você estiver no mesmo lugar, no mesmo horário, com as mesmas pessoas, sua vivência será diferente porque uma infinidade de coisas, emoções e sensações podem acontecer em 24 horas.

Inutilia truncat: “livrar-se do que é inútil” é um dos conselhos mais valiosos e difíceis de seguir nos dias de hoje, quando somos inundados o tempo todo com novas oportunidades de consumo — de produtos, informações ou experiências.

Aurea mediocritas: A “mediocridade de ouro” valoriza a moderação, o meio-termo, e nos lembra que o termo “medíocre” originalmente significa “o que está no meio”.

Fugere urbem: “fugir da cidade” já era visto como uma alternativa positiva muito antes do surgimento das megalópoles. Hoje, vivemos uma revalorização do desacelerar, da vida no campo, do respeito aos ciclos naturais de dia e noite e do contato com a natureza, que trazem benefícios cientificamente comprovados.

“Depois de décadas de excessos, de estímulos ao consumismo e urbanização crescente, num momento em que nos vemos engolfados pela tecnologia e distantes do mundo real, pressionados ao mesmo tempo para sermos produtivos e sermos felizes, chegou a hora de repensar o que queremos para o século XXI. Sugiro que espiemos nas fontes testadas e aprovadas pelo tempo”, diz Daniel.

A permanência de princípios e valores ao longo da história não acontece por acaso, mas quando eles se mostram atemporais e universais, relevantes e essenciais em qualquer tempo e lugar. Podemos encontrar esses princípios na filosofia, nas artes, nas religiões orientais e ocidentais, antigas e modernas.

Isso acontece, por exemplo, com a redescoberta do estoicismo, escola filosófica da Grécia Antiga que enfatiza a aceitação serena das circunstâncias da vida a partir da distinção do que está ou não sob nosso controle. “Para os estoicos, a única coisa que realmente podemos controlar é como reagimos aos eventos externos, pois neles pouco podemos interferir.”

O estoicismo parece tão atual porque é comum a cada geração achar que pode resolver os problemas do mundo e nos frustramos quando percebemos que não vamos conseguir. Daí esses ensinamentos tão antigos parecem ter sido escritos para os nossos dias.

Eis o desafio: como se livrar dos excessos, focando o essencial (inutilia truncat), sem abraçar a moderação, nos contentando com um meio-termo satisfatório (aurea mediocritas)? Se quisermos sempre o máximo não haverá limite e nos perderemos do que realmente importa. Mas, descoberto o que importa, como desacelerar e aproveitar (carpe diem) os momentos sem nos livrar dos excessos e distrações? Aliás, para desacelerar, ajuda muito sair da rotina frenética das cidades (fugere urbem) e encontrar um lugar tranquilo, mesmo que não mudemos fisicamente de casa.

Daniel sugere juntar todos os lemas em um único pensamento: “Sabendo que a vida é finita, devemos dar atenção a cada momento e assim desfrutá-la, tranquilos e sem pressa, sem nos distrair pelos excessos, dos quais só nos livramos ao abraçar a moderação”.

Que 2024 seja leve, sem grandes cobranças ou excesso de expectativas.


Fonte:https://oglobo.globo.com/blogs/espiritualidade-e-bem-estar/post/2023/12/sem-a-obrigacao-de-ter-que-ser-o-melhor.ghtml

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