Cogumelos
mágicos: ciência explica os efeitos clínicos da psilocibina
Droga produzida por fungos do gênero
Psybe, psilocibina teve sucesso em testes pioneiros com humanos; experimentos
em animais revelam por que a substância combate depressão e outros males
Por
Rafael
Garcia
—
São Paulo
12/11/2023 04h31 Atualizado há 12
horas
O encontro da Sociedade de Neurociência dos EUA deste ano tem como um dos destaques uma droga que há pouco tempo quase não mobilizava a área. A psilocibina, derivada de cogumelos, gerou agora uma onda de estudos clínicos e pré-clínicos, e cientistas começam a entender melhor o funcionamento e as sutilezas dessa droga.
No congresso, que começou ontem em Washington, serão apresentados três estudos novos de experimentos com animais, que se juntam a um crescente corpo de literatura acadêmica. Na última década, o número anual de artigos sobre a psilocibina saltou de 41 para 431, segundo o portal Dimensions, que mede produção científica. Testes clínicos com a droga registrados por ano no portal ClinicalTrials.gov saltaram de quatro para 52 no período.
Os males psiquiátricos que médicos buscam tratar com a droga são depressão, transtornos de ansiedade e dependência química e outros. Produzida por fungos do gênero Psybe, os “cogumelos mágicos”, a psilocibina ainda é uma substância de uso controlado na maioria dos países, apesar de o uso recreativo ser comum.
A onda de pesquisa atual se deu após a FDA, a autoridade de vigilância sanitária dos EUA, mudar a política para a substância. O sucesso em testes iniciais precipitou a agência a dar status de “breakthrough drug” (droga de inovação radical) à psilocibina em 2018, priorizando a avaliação de ensaios clínicos.
Muitos estudos com cobaias também começaram após isso. Atrasados por causa da pandemia de Covid-19, porém, alguns trabalhos só agora estão mostrando seus frutos.
Um deles, listado no encontro deste fim de semana, mostra por que a droga consegue tratar vício em nicotina em alguns pacientes. Estudos pequenos já tinham sugerido eficácia em humanos, e dando um passo atrás, cientistas usam agora animais para entender o mecanismo de ação.
Mudança de receptor
Belle Buzzi, da Universidade Commonwealth da Virgínia (EUA), autora do trabalho, estudou o efeito da psilocibina sobre a molécula 5HT2A, um “receptor” específico que neurônios usam para processar o neurotransmissor serotonina. Usando animais geneticamente modificados, ela mostrou que essa proteína é uma via de ação da psilocibina para tratar dependência química. No estudo, os animais também demonstraram sinais clínicos de melhora.
“A psilocibina reverteu os sinais corporais decorrentes da abstinência de nicotina em camundongos”, escreveu a cientista. “Esse estudo sugere que psicodélicos clássicos como a psilocibina podem ser um tratamento efetivo para parar de fumar.”
Pode ser um atraso essa frase ser proferida quase dez anos depois de um grupo da Universidade Johns Hopkins ter mostrado a mesma coisa, mas num estudo pioneiro com humanos. A comprovação de mecanismos moleculares do fármaco, porém, está ajudando reduzir um antigo estigma da droga.
— O preconceito ainda existe, mas é incomparavelmente menor do que há vinte anos — diz o psiquiatra Dartiu Xavier, pioneiro no uso médico de psicodélicos do Brasil, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). — Quando montei um centro de pesquisa de psicodélicos em 1994, eu era olhado como um extraterrestre.
Xavier, que já trabalhou com uso médico de Cannabis, planeja agora um dos primeiros testes clínicos de psilocibina do Brasil, e deve começar em breve a recrutar voluntários. Ele destaca que a comprovação do 5HT2A como receptor de serotonina afetado pela psilocibina abre potencial de ação diferente do de outro receptor, o 5HT1A, alvejado por antidepressivos convencionais.
— É por essa diferença de receptor que, para os antidepressivos comuns é preciso administrar a droga diariamente. Com os psicodélicos a administração pode ser feita a cada seis semanas — diz, lembrando que a aplicação deve ser acompanhada de um psicoterapeuta.
Experiência mística
Parte do preconceito com o uso médico da substância vem de sua reputação como droga recreativa. Algo que agrava isso é que psiquiatras defendem que a experiência psicodélica no controle da depressão faz parte da terapia. Não é só efeito colateral.
— O tratamento envolve questões psicológicas introspectivas. Em uma pessoa que entrou em depressão por um luto mais traumático, por exemplo, o efeitos do psicodélico leva a novos pensamentos, novas visões do mesmo problema, e a pessoa se sugestiona a algo como se fosse uma intensa psicoterapia — explica Francisney Nascimento, da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), de Foz do Iguaçu, que é outro psiquiatra planejando teste clínico da droga no Brasil.
Apesar de a dose para efeito psicodélico ser relativamente alta, há estudos que investigam efeitos de doses menores de psilocibina.
Um outro trabalho apresentado no encontro em Washington viu efeito razoável de doses pequenas em camundongos para tratar estresse pós-traumático, um tipo de transtorno de ansiedade. A eficácia em camundongos machos, porém, foi maior do que em fêmeas. Os autores, liderados por Phillip Zoladz, da Universidade do Norte de Ohio, sugerem investigação desse fenômeno em humanos.
O efeito de dose pequena, dizem os autores, pode estar ligado a um fator de proteção neuronal. Segundo Nascimento, a literatura recente mostra papel importante da proteína BDNF no mecanismo de ação dos psicodélicos.
— A BDNF é um tipo de “nutriente” neuronal, e sabemos que muito do processo de depressão envolve morte neuronal — diz o cientista.
As novas pesquisas, dizem os cientistas, podem inspirar órgãos reguladores e agências de fomento para estimular mais estudos com a droga.
Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/ciencia/noticia/2023/11/12/cogumelos-magicos-ciencia-explica-os-efeitos-clinicos-da-psilocibina.ghtml
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