ESTUDO SUGERE QUE AQUECIMENTO PODE DEIXAR FENÔMENO EL NINO MAIS LONGO

 

Mapa tomado por satélite mostra pluma de alta em temperatura ocêanica saindo na costa do Peru, que caracteriza o El Niño de 2023.
Mapa tomado por satélite mostra pluma de alta em temperatura ocêanica saindo na costa do Peru, que caracteriza o El Niño de 2023. NOAA

Estudo sugere que aquecimento pode deixar fenômeno El Niño mais longo

Cientistas reconstruíram condições atmosféricas dos últimos oito séculos para entender como temperatura influenciou circulação de ar e água no Pacífico


Por Rafael Garcia, do Um Só Planeta

25/08/2023 08h00  Atualizado há 11 horas


Cientistas não sabem dizer ainda como, e se, o aquecimento global vai afetar a ocorrência do fenômeno El Niño — o superaquecimento das águas do Oceano Pacífico, que mesmo sem a crise do clima já perturba o tempo no mundo todo. O estudo mais recente sobre o tema, porém, sugere que os El Niños podem ficar mais longos à medida que o aquecimento global avança, ainda que não necessariamente mais fortes.

O trabalho, conduzido por cientistas americanos e australianos, se baseou na reconstrução de como foi o clima dos últimos oito séculos, avaliando períodos em que o planeta oscilou de temperatura naturalmente. Para reconstruir o contexto que procuravam, os pesquisadores inferiram calor e outras variáveis meteorológicas do passado analisando registros como anéis de crescimento de árvores antigas, colunas escavadas no gelo acumulado por séculos, camadas recifes de corais e sedimentos em cavernas.

Usando essas técnicas para reconstruir o estado da atmosfera entre os anos 1200 e 2000, o grupo buscou entender um componente essencial do El Niño, a corrente de Walker, um ciclo de circulação de ar e água no Pacífico equatorial que influencia o fenômeno. A ideia era saber se essa corrente se alterou após a revolução industrial, quando humanos começaram a emitir mais gases de efeito estufa.

O resultado da pesquisa, descrito em um artigo liderado pela climatóloga Georgina Falster, da Universidade Washington de St. Louis (EUA), está na edição de hoje da revista científica Nature. O trabalho concluiu que, em tempos mais recentes, o intervalo com que o Pacífico entra e sai do estado de El Niño se alongou um pouco. O mesmo aconteceu com o La Niña, o resfriamento excessivo das águas do Pacífico.

Segundo os autores isso aconteceu porque, com o aquecimento do planeta em relação ao seu nível de base, que hoje já supera 1,1°C, a circulação de Walker se enfraqueceu um pouco no Pacífico. Como é esse fluxo atmosférico que contribui para a mudança de estado na oscilação El Niño-La Niña, isso provocou em média o alongamento dos fenômenos, que muitas vezes se repetiram ou se emendaram por dois a três anos, em vez de durar um ano só.

Um dado que os pesquisadores colheram que reforça a conclusão é que em anos passados nos quais ocorreram grandes erupções vulcânicas, alternâncias entre El Niño e La Niña ocorreram com maior frequência. Como a poeira vulcânica bloqueia radiação solar e esfria o planeta, os pesquisadores acreditam que essa redução de temperatura esteja associada com uma corrente de Walker mais forte, garantindo a oscilação do sistema.

Os pesquisadores reconhecem no estudo, porém, que os resultados do trabalho está longe ainda de encerrar o debate sobre a influência da crise do clima sobre o El Niño.

"Nós não encontramos uma tendência significativa de alteração para a corrente de Walker no Pacífico durante a era industria, o que contrasta com o enfraquecimento simulado pela maioria dos modelos climáticos. Contudo, uma alteração durante a era industrial para uma variabilidade de menor frequência sugere uma influência antropogênica sutil", escreveram Falster e colegas.

Segundo o climatólogo Caio Coelho, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), estudos na área ainda têm conclusões conflitantes, e cientistas não querem bater o martelo sobre essa questão.

O cientista afirma que para o El Niño que teve inicio neste ano em junho, por exemplo, as simulações não apontam que ele deva ser especialmente longo ou forte.

— No momento não há nenhuma previsão de uma grande anormalidade em termos de duração. Os El Niños normalmente começam no início de Julho, na metade do ano,têm o ápice lá em dezembro ou janeiro, depois começam a decair. Em algumas situações eles até voltam num segundo ano, mas ainda não dá para dizer que o cenário de 2023 é esse de durar muito além do segundo ano — diz o pesquisador. — Alguns modelos indicam que existe a possibilidade de se manter nesse padrão, outros apontam para outro lado, dizendo que ele pode ficar superforte. Mas ainda não dá para pôr a mão no fogo por isso e dizer quem está certo.

Fonte:https://umsoplaneta.globo.com/clima/noticia/2023/08/25/estudo-sugere-que-aquecimento-pode-deixar-fenomeno-el-nino-mais-longo.ghtm

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