SERÁ QUE VIVEMOS EM UMA SIMULAÇÃO? FÍSICO EXPLICA O QUE DIZ A CIÊNCIA

 

Será que vivemos em uma simulação? Físico explica o que diz a ciência (Foto: Darlene Alderson/Pexels)

Será que vivemos em uma simulação? Físico explica o que diz a ciência (Foto: Darlene Alderson/Pexels)

Será que vivemos em uma simulação? Físico explica o que diz a ciência

Estamos em uma imensa e poderosa “Matrix”? Na coluna "Quânticas", Marcelo Lapola conta como, pela primeira vez na história, a física tem se ocupado em responder essa questão

  • MARCELO LAPOLA*

04 MAI 2022 - 17H25 ATUALIZADO EM 04 MAI 2022 - 17H25

 

Depois de uma longa caminhada num dia de sol, mestre Zhuangzi caiu em profundo sono deitado embaixo de uma amoreira. Tão logo dormiu, começou a sonhar que era uma borboleta, voando pelos campos que tinha acabado de percorrer minutos antes de adormecer e vendo as mesmas coisas que tinha visto.

Ao acordar de repente, disse a si mesmo, meio assustado: “Estou diante do problema filosófico mais complicado da minha vida. Quem sou eu? Sou um homem que sonhou que era uma borboleta? Ou sou uma borboleta sonhando que se transformou em um homem?”
Provocadora, a pergunta inaugurou lá no século 4 o ramo da filosofia que muitos anos mais tarde seria adotado pela ciência: o ceticismo.

O relato do sábio chinês inspirou, entre tantas coisas, o filme Matrix, talvez o maior expoente na cultura pop da tal “hipótese da simulação”.

Pare um instante. Veja a hora e a data aí no seu celular ou computador. Certo. Não sei em que dia do futuro você possa estar lendo esse texto. Talvez esse lugar e esse tempo em que você está pode ser apenas uma simulação. Isso está realmente acontecendo? Será que é um sonho? São perguntas que sempre fazemos quando vivenciamos algo maravilhoso (ou ruim), ou mesmo quando lemos as notícias do dia.

Essa questão nos cerca há milhares de anos e, por mais louca que possa parecer, ainda nos coloca em dúvida se o Universo em que vivemos com nossos cinco sentidos pode não ser real.

Antigas tradições e religiões milenares já discorreram sobre o nosso mundo não passar de uma ilusão. Nos primórdios da filosofia ocidental, com os gregos, muito se perguntou se nós, humanos, somos capazes de responder a essa pergunta — com provas, é claro. Platão dizia que, por trás da nossa realidade material, existe uma realidade abstrata, mais perfeita, o “mundo das ideias”.

Uma das ideias centrais do budismo é que tudo o que vivenciamos não passa de um sonho, do qual temos de acordar para uma realidade verdadeira, o nirvana. “Estou acordado e todos dormem”, é a mais conhecida das muitas frases de Buda.

Saindo do campo religioso, surpreendentemente, a questão sobre se nosso Universo é real ou não é algo que atualmente a física moderna começou a se perguntar. Será que o Universo realmente existe, e todas as coisas estão realmente acontecendo? Pela primeira vez na história, passamos a considerar seriamente, do ponto de vista científico, se há alguma possibilidade de aquilo o que nós experimentamos seja apenas uma simulação elaborada de um universo construído em um computador impossivelmente poderoso. E como podemos saber?

À primeira vista, parece impossível. Um mundo com tantos detalhes como o nosso, com tantas leis físicas que valem em todo o Universo, a riqueza de informações e detalhes que há, por exemplo, numa singela flor… tudo isso é construído a partir de um imenso programa de computador? Impossível não, mas improvável, talvez.

Para os defensores mais radicais da ideia de simulação, tudo o que vivenciamos não passa de códigos de computador feitos por um ser inteligente, orgânico ou não. Vivemos e fazemos parte desse código sem ter nenhuma consciência do “nível acima” de nós, ou seja, a "verdadeira" realidade, como na trilogia Matrix. Tal ideia, no entanto, é amplamente rejeitada pois descamba mais para a crença do que ciência, baseada em provas.

Realidade em pixels

Como tudo na ciência, precisamos detectar alguma evidência direta ou indireta da tal “hipótese da simulação”. E algumas pistas para evoluir nesse conhecimento nós já temos. Como a teoria da gravidade em “loop”, em inglês, a loop quantum gravity. A teoria é um dos modelos mais bem-sucedidos em apresentar um modelo quântico para a força gravitacional. Uma das quatro forças fundamentais da natureza, a gravidade é descrita pela Teoria da Relatividade Geral, criada por Einstein em 1917. Por se tratar de uma teoria clássica, não há compatibilidade com a teoria quântica, que descreve com sucesso as outras três forças (são elas a eletromagnética, a nuclear fraca e a nuclear forte), por meio do modelo padrão de partículas.

Entre outras soluções para o problema da unificação das forças, a loop quantum gravity nos dá um volume mínimo, construído a partir da constante de Planck, que é uma das constantes fundamentais da natureza. A partir da constante de Planck, desenvolve-se a mecânica quântica. Níveis de energia, por exemplo, no mundo subatômico, não são mais contínuos, mas, sim, aparecem como múltiplos da constante de Planck — um número muito pequeno, com cerca de 34 zeros depois da vírgula. E esse volume compõe o tecido do espaço-tempo.

Se podemos deduzir um volume mínimo para o espaço e tudo que nele existe, então podemos dizer em linhas gerais que é como se tudo fosse composto por esses “pixels” de realidade, fazendo um paralelo com os pixels de computador — a menor unidade de uma imagem computadorizada.

Para se ter uma ideia o volume de Planck, em metros cúbicos, é aproximadamente 4,224x10-105. Inimaginavelmente pequeno, indetectável, mas matematicamente possível.

Outra grande questão é se o tempo pode ser dividido indefinidamente ou se ele é quantizado a partir de múltiplos da constante de Planck. Bem, se a loop quantum gravity, nessa sua formulação, estiver certa, o próprio espaço-tempo é algo quântico, sugerindo, então, as menores unidades a partir das quais os volumes e tempos de tudo o que existe são seus múltiplos.

E se tudo, todas as estruturas em nosso universo se manifestam a partir da escala de Planck, é bem possível pensar que isso possa ser um argumento a favor da hipótese de que vivemos em uma simulação, mas nada conclusivo. Há pesquisadores trabalhando no assunto e outros provocando discussões acaloradas se é de fato útil investir tempo, inteligência e dinheiro em projetos que tentam provar essa hipótese. E há muitas outras hipóteses e modelos, além da ideia da escala de Planck, para abordar a questão. E outras novas surgindo para, quem sabe, termos uma resposta definitiva em breve.

O astrofísico Neil deGrasse Tyson afirma que as chances de que o Universo seja apenas uma simulação podem ser bastante altas e que ele “não ficaria surpreso se descobrisse que alguém é responsável por sua criação”.

Tyson afirma que é bastante comum que os seres humanos se julguem superiores como espécie inteligente. Mas, de fato, “ninguém garante que não existam entidades infinitamente superiores em outros mundos, que poderiam ter criado o nosso Universo inclusive como forma de entretenimento”, argumenta o astrofísico.

Talvez seja possível simular um Universo por meio de um supercomputador, por exemplo, principalmente se a física evoluir ao ponto de conhecer todo o funcionamento e todas as leis que nos regem. Parece improvável, mas impossível talvez não.

Muitas descobertas na ciência surgem a partir de perguntas infantis. Isso. Aquelas perguntas que nós fazemos sem parar diante de um mundo inédito. Fazer ciência muitas vezes é manter essa sensação do mundo como novidade, só assim enxergamos o diferente onde parece ser óbvio. E vai saber se esse óbvio não é apenas um sonho de algo maior ainda a ser descoberto. Será?

*Marcelo Lapola é pesquisador, doutorando em Física pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA)

Fonte:https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2022/05/sera-que-vivemos-em-uma-simulacao-fisico-explica-o-que-diz-ciencia.html


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