INIMIGA ÍNTIMA: VEJA ALGUNS SINAIS DE QUE VOCÊ ESTÁ DESENVOLVENDO UMA AUTORRELAÇÃO ABUSIVA

 

É preciso estar atenta aos sinais para saber quando se está desenvolvendo uma autorrelação abusiva
É preciso estar atenta aos sinais para saber quando se está desenvolvendo uma autorrelação abusiva Shutterstock

Inimiga íntima: Veja alguns sinais de que você está desenvolvendo uma autorrelação abusiva

Fique atenta: Desacreditar no próprio potencial, mascarar vulnerabilidades e validar-se apenas pelo olhar dos outros são sinais de uma relação tóxica com você mesma

Por Laís Rissato

25/04/2023 04h31  Atualizado há um dia

"Eu não gosto da Fernanda”. A frase, que alguém provavelmente pensaria ter partido de um desafeto da diretora escolar Fernanda Junqueira de Tolvo, de 50 anos, ecoa, de vez em quando, de sua própria voz. É uma história complicada, ela explica. “Sei que tenho um relacionamento tóxico comigo mesma, porque sempre preciso provar alguma coisa para alguém”, diz. À frente de uma escola estadual em Ribeirão Preto, no interior paulista, ela se dedicou a um mestrado em Educação para mostrar ao mundo suas capacidades e competências.

“Uma vez, uma pessoa próxima falou que eu, no máximo, conseguiria ser uma ‘professorinha’. Então, fiz isso para que todos vissem onde eu poderia chegar, não porque era algo que eu realmente queria. Hoje, até acreditam em mim, mas eu mesma, não”, lamenta. Outra batalha travada consigo é privar-se de suas vontades para não desagradar amigos ou familiares. “Há tempos quero fazer uma tatuagem, mas fico imaginando o que vão dizer. Espero conseguir realizar logo esse desejo”, conta.

A professora Fernanda Junqueira de Tolvo — Foto: Arquivo pessoal

A professora Fernanda Junqueira de Tolvo — Foto: Arquivo pessoal

Buscar a aprovação alheia, ter dificuldade para dizer “não”, desacreditar do próprio potencial e, por medo ou falta de confiança, deixar para depois um objetivo ou vontades latentes, são sinais de que você pode estar desenvolvendo uma autorrelação abusiva. E não é exagero dizer que as mulheres são, na maioria dos casos, seus próprios alvos. Em pesquisa realizada pelo Instituto Kantar, empresa de dados e consultoria, em 2019, 20% das brasileiras declararam ter baixa autoestima, enquanto entre os homens, o número cai pela metade. Outros dados, da Universidade da Georgia, nos Estados Unidos, apontam que 75% das entrevistadas sentiam-se uma fraude no trabalho, a famosa Síndrome da Impostora.

“Quase 80% do meu público é formado por mulheres. Elas se veem enroscadas nesse lugar do servir, no papel da boazinha, de querer agradar, ficando reféns de uma relação desigual com o outro”, comenta a professora e pesquisadora de relacionamentos e amor Carol Tilkian. Esses ensinamentos, afirma, são muitas vezes repassados de mãe para filha desde a infância, causando crenças limitantes difíceis de reverter no futuro. No caso de Fernanda, ela ouviu dos pais durante boa parte da vida que seria inferior. “Os filhos dos outros eram mais bonitos, inteligentes e educados. Então, eu pensava: ‘Se eles dizem isso, eu não presto para nada’. E ainda hoje acredito nisso”. Ainda de acordo com Carol, a idealização do amor romântico, visto atualmente de forma mais realista e prática, foi transferida para o amor-próprio, tornando-o mal-interpretado.

“O discurso vendido é que se amar é se valorizar, você precisa ser sua melhor versão. Com isso, cria-se algo na condicional: eu só vou me amar quando for menos carente, emagrecer, for diretora da minha empresa”, explica. Para nos validarmos, é preciso tirar a lógica do valor. “Todo mundo pode querer se desenvolver, mas quando você invalida o que é hoje, isso se torna um mecanismo de opressão”, destaca a pesquisadora. Outra característica que denota essa relação tóxica é suplantar a vulnerabilidade. Dedicar-se por anos, horas a fio ao trabalho, causou um burnout na contadora Michelle Timmers, de Viamão, no Rio Grande do Sul.

A contadora Michelle Timmers — Foto: Arquivo pessoal

A contadora Michelle Timmers — Foto: Arquivo pessoal

Sem coragem para colocar limites nas demandas do chefe e de outros colegas de trabalho, ela “apagou” durante uma noite e relembra ter dormido por 24 horas. “Infelizmente, não posso largar tudo. Nunca mostrei minhas vulnerabilidades porque como sou obesa, desde cedo precisei aprender a me proteger dos preconceitos, principalmente dos que aconteciam dentro de casa”, afirma. Aos 40 anos, ela muitas vezes sentia-se inferior por ser solteira e não ter filhos, transferindo toda sua energia somente para o trabalho. “Tinha um mix de sentimentos: fracasso, insegurança, negatividade constante e incompetência”. Percebendo o mal que fazia a si mesma, Michelle procurou terapia e tenta, aos poucos, tratar-se de uma forma mais gentil.

Sayonara Sarti, de 38 anos, também está em curso com a desconstrução das próprias emoções. Ao presenciar a morte da mãe, ainda criança, aos 9 anos, carregou o medo da perda para todas as esferas da vida. A empresária foi criada por uma tia e percebia a diferença que alguns familiares faziam entre ela e a prima. “Cresci em um ambiente de muitas comparações, acreditando que não era capaz de conquistar o que eu queria”, relembra. “Tenho uma autocobrança generalizada com tudo. O que sai de mim nunca é bom. No trabalho, muitas vezes duvido da minha capacidade e confio mais na opinião dos outros do que na minha”. Fazendo análise há 12 anos, ela garante estar mais atenta aos sinais, aberta a escutar sua intuição e, quando possível, dar um voto de confiança às suas atitudes.

A empresária Sayonara Sarti — Foto: Arquivo pessoal

A empresária Sayonara Sarti — Foto: Arquivo pessoal

Psicóloga dedicada ao atendimento exclusivo às mulheres, Gabriele Menezes acredita que a origem dos “maus tratos” não é oriunda do patriarcado e do machismo. “Existe essa construção social para que a gente se deprecie. Dependendo do ambiente em que estamos, é raro ouvirmos coisas positivas, e essa relação tóxica se torna comum”, analisa. Por isso, é importante termos a perspectiva de fortalecer outras mulheres, reforçar nossas qualidades e respeitar quem somos. “Quando a gente silencia e tenta agradar aos outros, esquecemos de agradarmos a nós mesmas. Dar-se a devida importância é um exercício e não egoísmo. É uma questão de sobrevivência”, conclui.


Fonte:https://oglobo.globo.com/ela/gente/noticia/2023/04/inimiga-intima-veja-alguns-sinais-de-que-voce-esta-desenvolvendo-uma-autorrelacao-abusiva.ghtml?

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