RELAÇÃO EXPLOSIVA: AQUECIMENTO GLOBAL E DOENÇAS TROPICAIS

 

Um fotógrafo é atacado por mosquitos perto de Whitehorse. Whitehorse, território de Yukon, Canadá.

Um fotógrafo é atacado por mosquitos perto de Whitehorse. Whitehorse, território de Yukon, Canadá.

FOTO DE PAUL NICKLEN

PUBLICADO 3 DE NOV. DE 2022, 10:28 BRT


Casos de doenças como Dengue e Chikungunya

Especialistas na área mostram que o aquecimento global tem impacto direto nas ocorrências de dengue, malária, chikungunya e outras enfermidades.

 

Especialistas vêm alertando: o aumento médio da temperatura e das mudanças nos regimes de chuva observadas nas últimas décadas está intimamente ligado ao aumento dos casos de doenças tropicais, em especial da dengue. 

De acordo com um boletim de setembro do Ministério da Saúde do país, em 2022 os registros dessa doença tiveram um aumento de 189% em relação ao mesmo período de 2021. Em números absolutos, neste ano estima-se que mais de 1 milhão e 300 mil casos de dengue ocorreram no país. 

“Estamos observando um clima cada vez mais quente e úmido, o que é um cenário muito propício para doenças como a dengue aumentarem sua área e grau de incidência”, afirma Christovam Barcellos, pesquisador do Laboratório de Informação em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz (Lis/Icict), que explica sobre a correlação entre crise climática e enfermidades tropicais. 

(Relacionado: Mudanças climáticas: como o aquecimento global afeta a vida no Brasil)

Segundo Barcellos, essas doenças chamadas popularmente de tropicais por serem mais comuns nas regiões localizadas entre os trópicos, são muito dependentes de condições de clima para sua disseminação. 

O alerta não se limita à dengue. Um estudo de revisão literária presente no livro “Saúde em Foco: Temas Contemporâneos” (Editora Científica, 2020), identificou uma relação entre as mudanças climáticas e o aumento de casos de doenças como a malária, a chikungunya, a doença de Chagas, a esquistossomose e a leishmaniose.

Por isso, além da alta de casos, “também é possível observar uma constância nos registros ao longo do ano, quando o esperado era uma maior transmissão durante as estações mais quentes e uma diminuição considerável durante as frias”, diz o pesquisador. 

Qual a relação das doenças tropicais com o clima

As doenças que se enquadram como tropicais são aquelas cuja incidência é mais favorecida pelo clima das zonas tropicais. O trabalho publicado em 2020 no “Saúde em Foco” explica que isso acontece porque o ciclo de vida dos vetores, reservatórios e hospedeiros dessas enfermidades estão diretamente ligados à dinâmica dos ecossistemas e variáveis de clima. 

Isso quer dizer que os mosquitos transmissores da dengue, malária e chikungunya, por exemplo, necessitam de certas condições climáticas – no caso temperaturas quentes e umidade – para sobreviverem.  O mesmo acontece com os vetores da doença de Chagas (protozoário Trypanosoma cruzi) e da esquistossomose (caramujo Schistosoma mansoni). 

Entretanto, Barcellos enfatiza que essas moléstias, apesar do nome, não estão limitadas às zonas tropicais. “Elas também ocorrem em partes do mundo em que o clima é mais frio”, diz o pesquisador. 

Na verdade, Barcellos esclarece que atualmente é mais correto usar o termo doenças negligenciadas, porque “a incidência delas também está muito ligada com as condições dos países em que elas ocorrem mais e, em sua maioria, são menos desenvolvidos”. Ele explica que são lugares onde há pesquisa insuficiente, poucos medicamentos e tratamentos: “Isso dificulta o controle”, reforça.

Como as mudanças climáticas aumentam casos de dengue e outras doenças tropicais 

Como os transmissores das doenças prosperam no calor, o aumento da temperatura média da Terra pode favorecer sua proliferação. Segundo o “Saúde em Foco”, “ao observar a ecologia de vetores relacionados às doenças tropicais, percebe-se a forte relação com as altas temperaturas, a umidade relativa do ar elevada, o tempo de duração da estação de verão ou das condições de calor e umidade.”

Além disso, o artigo também relaciona as mudanças nos ciclos de chuva com o aumento dos casos. No caso das doenças transmitidas por mosquitos, como a dengue, chikungunya e a malária, o aumento da precipitação propicia maior pontos de água parada, que são habitats ideais para o desenvolvimento das larvas dos mosquitos. 

O maior volume de água nas chuvas também está ligado com mais casos de esquistossomose. Segundo a publicação, a presença do caramujo transmissor está associada à coleções hídricas com pouca correnteza, como lagos, lagoas e córregos. Portanto, quando ocorrem inundações e transbordamentos de lagoas com a presença do caramujo, outras fontes de água acabam contaminadas.

Dengue, doença que é preocupação mundial 

Fora a influência da temperatura, no caso específico da dengue uma pesquisa publicada em janeiro de 2022 pela revista científica Plos One identificou que a perda da vegetação nativa por conta da ação humana também está relacionada com o aumento de infecções. 

O estudo analisou especificamente o crescimento de casos de dengue entre 2001 e 2019 nas regiões de ocorrência de cerrado no Brasil. Nesse período, foram registrados pouco mais de 7 milhões e 950 mil casos de dengue nos estados que abrangem o bioma, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Minas Gerais. Enquanto isso, quase 282 mil quilômetros quadrados de área nativa foram desmatados nesta região. 

Os resultados mostraram que o aumento das infecções pelo vírus da dengue têm uma relação direta entre o desmatamento, a diminuição dos predadores naturais do Aedes aegypti – mosquito transmissor da dengue - e o crescimento das áreas urbanas. “A dengue é uma doença muito urbana, então quanto menos mata e mais cidade, mais infecções”, comenta Barcellos. 

Outro trabalho, realizado pelo Observatório de Clima e Saúde da Fiocruz, identificou um aumento massivo de casos em todo o Brasil nos últimos 20 anos, principalmente na região Centro-Oeste, onde a vegetação nativa predominante é o cerrado. 

Segundo os dados do Observatório, a taxa de casos de dengue passou de 100 por 100 mil habitantes entre 2001 a 2007, para 10 mil por 100 mil habitantes entre 2014 e 2020. 

A alta dos casos de dengue não é uma preocupação exclusiva do Brasil. A Organização Mundial de Saúde (OMS) relata que o número de casos de dengue notificados no mundo aumentou mais de oito vezes nas últimas duas décadas. 

De 505.430 casos em 2000, os números subiram para mais de 5,2 milhões em 2019. As estimativas da organização, porém, prevêem que cerca de 390 milhões de infecções pelo vírus da dengue aconteçam anualmente. 

Não só os casos estão aumentando, mas a geografia da doença também se espalha. De acordo com a OMS, antes de 1970, apenas nove países haviam registrado epidemias graves de dengue. A doença agora é endêmica em mais de 100 países da África, Américas, Mediterrâneo Oriental, Sudeste Asiático e Pacífico Ocidental. Além disso, a organização também alerta para ameaças de surtos de dengue na Europa. 

Um membro da equipa descansa na sua tenda depois de contrair malária durante a expedição ao ...

Um membro da equipa descansa na sua tenda depois de contrair malária durante a expedição ao rio Cubango. Cubango, Angola.

FOTO DE PETE MULLER

Como combater as doenças tropicais como a dengue

Segundo Barcellos, as soluções para controlar essas doenças vão de ações individuais até mudanças globais. “Usar calças compridas, sapatos fechados e instalar telas e mosquiteiros nas casas vêm se mostrando eficazes para evitar infecções, principalmente para pessoas que vivem em regiões com alta ocorrência de insetos transmissores”, afirma ele. 

Mas essas medidas não resolvem o cenário como um todo. “Também é preciso melhores condições de trabalho e equipamentos de proteção, em especial para ocupações ao ar livre, como a agricultura. E melhores habitações”, diz Barcellos. 

Casas de alvenaria, por exemplo, evitam a proliferação do inseto vetor da doença de Chagas, que costuma habitar as fundações de casas de madeira e pau-a-pique. 

Além disso, Barcellos alerta que o meio urbano precisa se adequar para a prevenção das doenças. “Não adianta a casa das pessoas ter conforto e ser um ambiente que as protege de infecções, se elas correm riscos na rua”, diz. 

Entre as medidas que ajudariam na prevenção estão melhores infraestruturas de saneamento básico, transporte público, capacidade de drenagem para evitar enchentes e respostas mais rápidas e eficazes em caso de desastres naturais. “Quando acontece um desastre numa cidade ela tem que ser recuperada rapidamente. O fornecimento de água, coleta de esgoto e de lixo, tudo tem que voltar a funcionar rapidamente para não dar condições de proliferação de doenças”, ressalta Barcellos. 

No âmbito global, a mitigação do aquecimento global a partir da diminuição das emissões de gases de efeito estufa e do desmatamento teria um efeito direto no controle das doenças tropicais. 

“Se por um lado as mudanças climáticas aumentam os casos dessas enfermidades, diminuir o que causam essas mudanças é essencial para o controle. E isso deve ser uma vontade global, não só dos países mais afetados”, finaliza Barcellos.

Fonte:https://www.nationalgeographicbrasil.com/meio-ambiente/2022/11/mudancas-climaticas-aumentam-casos-de-doencas-como-dengue-e-chikungunya

Desmatamento está causando aumento de doenças infecciosas em humanos

Com o aumento na derrubada das florestas ao redor do mundo, os cientistas temem que a próxima pandemia mortal possa surgir de dentro desses ambientes.

POR KATARINA ZIMMER

PUBLICADO 4 DE DEZ. DE 2019, 16:30 BRT, ATUALIZADO 5 DE NOV. DE 2020, 03:22 BRT


Em 1997, nuvens de fumaça pairavam sobre as florestas tropicais da Indonésia após a queimada de uma área com tamanho aproximado ao do estado americano da Pensilvânia para expansão agrícola, queimada essa que ainda foi agravada pela seca na época. Sufocadas pela névoa, as árvores não davam frutos, forçando a população de morcegos frugívoros a voarem para outros locais em busca de alimento, levando consigo uma doença mortal.

Logo que os morcegos se assentaram nas árvores de pomares malaios, os porcos que lá habitavam começaram a adoecer — presume-se que depois de comerem frutas já mordiscadas pelos morcegos — assim como os suinocultores locais. Até 1999, 265 pessoas haviam desenvolvido uma grave inflamação cerebral, 105 delas vindo a óbito. Foi a primeira manifestação conhecida do vírus Nipah em humanos, que, desde então, vem causando uma série de surtos recorrentes em todo o sudeste asiático.

Ela é apenas uma dentre tantas doenças infecciosas que, antes confinadas à vida selvagem, agora se alastram para áreas que estão sendo rapidamente desmatadas. Nas últimas duas décadas, cada vez mais evidências científicas sugerem que o desmatamento, ao dar início a uma complexa cadeia de acontecimentos, cria condições para que se espalhe entre os humanos uma vasta gama de patógenos mortais — como os vírus Nipah e Lassa, e os parasitas causadores da malária e da doença de Lyme.

Com as amplas queimadas que ainda continuam nas florestas tropicais da região amazônica, assim como em partes da África e do sudeste asiático, especialistas expressam preocupação quanto à saúde de quem vive às margens do desmatamento. Eles também temem que as florestas do nosso planeta deem origem à próxima pandemia.

“Já é algo bem estabelecido que o desmatamento pode ser um grande fator de transmissão de doenças infecciosas”, diz Andy MacDonald, ecologista especializado em doenças do Instituto de Geociências da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara. “Trata-se de um jogo numérico: quanto mais degradarmos e retirarmos os habitats florestais, mais expostos estaremos a situações de epidemias infecciosas.”

101 | DESMATAMENTO
Entenda porque este é um dos maiores problemas ambientais da atualidade.

Conexão direta

Há suspeitas de que a malária — que mata mais de um milhão de pessoas por ano pela infecção causada pelo parasita Plasmodium, transmitido por mosquitos — ande de braços dados com o desmatamento. No Brasil, embora os esforços de controle tenham reduzido drasticamente a transmissão de malária no passado — de 6 milhões de casos por ano na década de 1940 para apenas 50 mil até a década de 1960 —, há novamente um aumento constante nos casos, simultâneo ao rápido desmatamento e à expansão agrícola. Na virada do século, havia mais de 600 mil casos por ano na bacia amazônica.

Um trabalho realizado no fim da década de 1990 por Amy Vittor, epidemiologista do Instituto de Patógenos Emergentes da Universidade da Flórida, e outros, sugeria um motivo. A retirada de partes da mata parece criar um habitat ideal nas bordas da floresta para a proliferação do Anopheles darlingi — o mais importante transmissor de malária na Amazônia. Após cuidadosas pesquisas na Amazônia peruana, ela descobriu a existência de números maiores de larvas em poças d'água morna parcialmente abrigadas do sol, como as que se formam na beira de estradas abertas no meio da mata, e em água acumulada em meio a detritos, que não é consumida pelas árvores.

“Era nesses [lugares] que o Anopheles darlingi realmente gostava de ficar”, relembra Vittor.

Numa complexa análise de imagens de satélite e dados sanitários publicada recentemente no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences, MacDonald, em conjunto com Erin Mordecai, da Universidade de Stanford, relatou um impacto significativo na transmissão de malária, causado pelo desmatamento em toda a bacia amazônica, alinhado ao previsto em pesquisa anterior.

Entre 2003 e 2015, os pesquisadores estimaram que, em média, um aumento na perda florestal de 10% ao ano tenha causado um aumento de 3% nos casos de malária. Por exemplo, em um ano do estudo, o desmatamento de uma área florestal de 1,6 mil km2 — o equivalente a quase 300 mil campos de futebol — teve relação com um aumento de 10 mil casos de malária. Esse efeito foi ainda mais acentuado no interior da floresta, onde ainda restam trechos florestais intactos, proporcionando o habitat úmido na borda da mata que os mosquitos apreciam.

Com as contínuas queimadas da Amazônia, esses resultados são um mau presságio. Os dados mais recentes, anunciados nesta semana, revelam que, só neste ano, já se destruiu uma área equivalente a 12 vezes o tamanho da cidade de Nova York.

“Estou preocupado com o que vai acontecer com a transmissão da doença após o fim das queimadas”, diz MacDonald.

É difícil fazer generalizações sobre a ecologia dos mosquitos, que varia de espécie para espécie e de região para região, enfatiza Vittor. Na África, os estudos revelaram pouca relação entre a malária e o desmatamento — talvez porque as espécies de mosquitos daquela região preferem acasalar em corpos d'água expostos ao sol e priorizam os campos abertos em vez da sombra das áreas florestais. Mas em Sabah, na parte malaia da ilha de Bornéu, os surtos de malária também ocorrem simultaneamente aos picos de devastação florestal para cultivo de óleo de palma e outros produtos.

Um homem pulveriza para matar o mosquito Aedes, que carrega o vírus da febre amarela, em ...
Um homem pulveriza para matar o mosquito Aedes, que carrega o vírus da febre amarela, em Matadi, República Democrática do Congo.
FOTO DE WILLIAM DANIELSNAT GEO IMAGE COLLECTION

Febre da selva

Os mosquitos não são os únicos animais capazes de transmitir flagelos mortais aos humanos. Na verdade 60% das novas doenças infecciosas manifestadas em seres humanos — como o HIV, o Ebola e o Nipah, todas originadas em animais florestais — são transmitidas por uma gama de outros animais, sendo, em sua maioria, animais silvestres.

Num estudo de 2015, pesquisadores da Ecohealth Alliance, organização sem fins lucrativos de Nova York que acompanha as doenças infecciosas no mundo todo, junto a outros pesquisadores, descobriram que “aproximadamente um em cada três surtos de doença(s) nova(s) e emergente(s) está ligado à mudança no uso da terra, como o desmatamento”, afirmou o presidente da organização, Peter Daszak, em tuíte publicado neste ano.

Muitos vírus habitam seus hospedeiros florestais de forma inócua, porque esses animais evoluíram junto com tais vírus. Os seres humanos, porém, podem transformar-se em hospedeiros involuntários de patógenos ao se aventurarem ou alterarem o habitat florestal.

“Estamos mudando completamente a estrutura da floresta”, observa Carlos Zambrana-Torrelio, ecologista especializado em doenças da Ecohealth Alliance.

Atração fatal

Também podem ocorrer doenças nos casos em que os novos habitats atraem espécies hospedeiras de doenças.

Por exemplo, na Libéria, desmatamentos destinados ao cultivo de óleo de palma atraem hordas de camundongos tipicamente florestais, que vêm pela abundância do fruto da palmeira nos arredores das plantações e assentamentos humanos. O ser humano pode contrair o vírus de Lassa ao entrar em contato com alimentos ou objetos contaminados por fezes ou urina de roedores portadores desse vírus ou com os fluidos corporais de pessoas infectadas. Nos humanos, o vírus causa febre hemorrágica — o mesmo tipo de enfermidade causada pelo vírus do Ebola —, tendo levado à morte 36% dos infectados na Libéria.

Já foram avistados roedores portadores desse vírus em áreas desmatadas do Panamá, da Bolívia e do Brasil. Alfonso Rodriguez-Morales, pesquisador médico e especialista em doenças tropicais da Universidad Tecnológica de Pereira, da Colômbia, teme um aumento na disseminação desses animais após o ressurgimento dos incêndios na Amazônia neste ano.

Esses processos não se limitam a doenças tropicais. Parte da pesquisa de MacDonald revela uma curiosa relação entre o desmatamento e a doença de Lyme na região nordeste dos Estados Unidos.

Borrelia burgdorferi, bactéria que causa a doença de Lyme, é transmitida por carrapatos que dependem do cervo florestal para se reproduzirem e obterem sangue suficiente à sua sobrevivência. A bactéria, contudo, também é encontrada no camundongo-de-patas-brancas, que, por acaso, prolifera-se nas florestas fragmentadas por assentamentos humanos, afirma MacDonald.

O alastramento de doenças infecciosas para os humanos é mais provável nos trópicos porque a diversidade geral da fauna e dos patógenos é maior, acrescenta. Nessas regiões, já se estabeleceu a relação entre o desmatamento e diversas doenças transmitidas por uma vasta gama de animais — desde insetos hematófagos a caracóis. Além das doenças conhecidas, os cientistas temem que diversas doenças mortais ainda desconhecidas estejam à espreita nas florestas, expostas com a invasão do homem.

Zambrana-Torrelio observa que a probabilidade de alastramento dessas doenças para os seres humanos pode aumentar com o aquecimento climático, empurrando os animais, juntamente com os vírus que eles carregam, a regiões nunca antes habitadas por eles, afirma.

Vittor diz que, se essas doenças ficarão confinadas à periferia das florestas ou se conquistarão um espaço entre os humanos, desencadeando uma possível pandemia, tudo depende da transmissão. Alguns vírus, como o Ebola ou o Nipah, podem ser transmitidos diretamente entre humanos, o que teoricamente lhes permite viajar o mundo enquanto o homem existir.

vírus da Zika, descoberto em florestas de Uganda no século 20, só pôde cruzar o mundo e infectar milhões de pessoas porque encontrou no Aedes aegpti, mosquito abundante em áreas urbanas, um hospedeiro.

“Não gosto de pensar que exista um ou mais patógenos capazes da mesma coisa, mas seríamos ingênuos se não nos prepararmos para essa possibilidade”, diz Vittor.

Um novo serviço

Os pesquisadores da Ecohealth Alliance propuseram que a contenção de doenças seja considerada um novo serviço ecossistêmico, ou seja, um benefício que os humanos recebem de graça dos ecossistemas naturais, como o armazenamento de carbono e a polinização.

Para sustentar essa hipótese, a equipe vem trabalhando na parte malaia da ilha de Bornéu para avaliar o custo exato da malária, item a item, colocando na ponta do lápis cada leito hospitalar e cada seringa utilizada pelos médicos. Descobriram que, em média, o governo malaio gasta cerca de US$5 mil para tratar cada novo paciente com malária na região — em algumas áreas, isso é muito superior ao que gastam com o controle da malária, afirma Zambrana-Torrelio.

Esse prejuízo se acumula com o tempo, superando os lucros que seriam obtidos com o corte de florestas e representando um argumento financeiro convincente para que algumas florestas continuem de pé, afirma Daszak.

Ele e seus colegas estão começando um projeto com o governo malaio para incorporar essa ideia ao planejamento do uso da terra, realizando um projeto similar com o governo da Libéria para calcular o custo com os surtos de febre de Lassa naquele país.

MacDonald vê valor nessa ideia: “Se conseguirmos conservar o meio ambiente, talvez possamos, de quebra, proteger a saúde”, afirma. “Acho que esse é o lado positivo que precisamos ter em mente.”

Fonte:https://www.nationalgeographicbrasil.com/meio-ambiente/2019/12/desmatamento-esta-causando-aumento-de-doencas-infecciosas-em-humanos

Relação explosiva: aquecimento global e doenças tropicais

Por meio de modelos matemáticos, cientistas estimam como será, até o fim do século, a área de distribuição de quatro arbovírus: Oropouche, Mayaro, Rocio e vírus da encefalite de Saint Louis

06/11/2019

 

O maior aumento na área de distribuição do Rocio foi previsto para Porto Alegre (RS). Atualmente, menos de 9% do município é considerado área de risco. Em 2100, no cenário de alta emissão, o índice chegaria a 57,3%

Pode parecer assustador, mas as evidências científicas indicam que se não forem tomadas medidas drásticas vamos enfrentar um dano irreversível do Planeta e o colapso das sociedades nos próximos anos. Foi o que advertiu o naturalista britânico David Attenborough no documentário “Mudança Climática” Mas o alerta não é recente. Há 18 anos, a relação entre as mudanças climáticas e a saúde foi declarada um consenso científico pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Há anos as mudanças climáticas estão diante de nossos olhos em tempo real.

Com o aumento da população e a globalização, os agentes causadores de doenças passaram a circular muito mais rapidamente, trocando de continente do dia para a noite e com isso a Europa ficou à mercê de epidemias até então típicas das regiões tropicais. Pesquisador notório do tema, Dr. Ulisses Confalonieri acredita que o aquecimento global pode alterar as doenças tropicais. “Possivelmente isso deve ocorrer em algumas regiões, se mais umidade e temperatura acelerarem o desenvolvimento dos agentes biológicos, especialmente vetores”, ressalta.

O aumento da temperatura média do planeta, induzido principalmente pela emissão de gases de efeito estufa, deve contribuir para ampliar, no Brasil, a área de distribuição de quatro vírus transmitidos por mosquitos: o Oropouche (OROV), o Mayaro (MAYV), o Rocio (ROCV) e o vírus da encefalite de Saint Louis (SLEV). A conclusão é do estudo de Camila Lorenz, Thiago S. Azevedo, Flávia Virginio, Breno S. Aguiar, Francisco Chiaravalloti-Neto e Lincoln Suesdek, publicado em setembro de 2017, na revista PLoS Neglected Tropical Diseases intitulado Impact of environmental factors on neglected emerging arboviral diseases.

Futuro das doenças tropicais perante o aquecimento global

As doenças transmitidas por mosquitos causam uma grande carga de doenças em todo o mundo. As taxas vitais desses vetores ectotérmicos e parasitas respondem forte e não linearmente à temperatura e, portanto, às mudanças climáticas. A Dra. Erin A. Mordecai, uma das autoras do artigo Thermal biology of mosquito-borne disease ressalta que as doenças transmitidas por vetores são uma grande preocupação com mudança climática, pois os mosquitos, carrapatos e outros artrópodes que transmitem as doenças são realmente sensíveis à temperatura. “Uma vez que esses vetores têm limites superiores e inferiores de temperatura, o aquecimento climático não apenas aumenta a transmissão em todo lugar, ao contrário, o aquecimento global tem mais probabilidade de causar mudanças nos alcances geográficos e sazonais de doenças como malária, dengue ou Zika. Por exemplo, em climas frios e grandes latitudes e altitudes (como grande parte dos EUA e Europa), espera-se que o aquecimento global crie condições mais propícias para doenças como febre do Nilo Ocidental, malária, dengue, Zika, entre outras. Ao mesmo tempo, o aquecimento dos Trópicos deve tornar o ambiente mais propício para dengue, Zika, chikungunya e outros patógenos”, alerta a pesquisadora.

Seus estudos demonstram que diferentes vetores e patógenos têm temperaturas ideais de transmissão distintas: a transmissão da malária pelo mosquito africano Anopheles gambiae tem seu pico em torno de 25ºC, enquanto a transmissão da dengue pelo Aedes aegypti tem seu pico em torno de 29ºC. “Isso quer dizer que algumas regiões que hoje tem altas taxas de malária podem sofrer mudanças causadas pela temperatura no sentido de doenças transmitidas pelo Aedes, como dengue e outras viroses, em consonância com a urbanização e outros fatores que afetam a dinâmica das doenças”, explica. Ainda segundo ela, isso deve ser uma grande preocupação com a saúde global porque as medidas de controle da dengue são completamente diferentes daquelas da malária, e porque muitas pessoas nunca tiveram nenhuma exposição prévia ou imunidade para essas viroses emergentes.

A Dra. Jamie Melissa Caldwell, também uma das autoras do artigo, complementa. “Espera-se que a mudança climática alterem onde as doenças ocorrem, os tipos de doenças mais prevalentes assim como a carga das doenças. Muitas doenças transmitidas por vetores são afetadas pelo clima porque a fisiologia dos próprios vetores e sua habilidade de transmissão estão ligadas à temperatura, umidade e pluviosidade. Diferentes vetores estão otimizados para diferentes condições, logo, esperamos que algumas doenças se espalhem com a mudança climática enquanto outras podem se restringir”, esclarece. Ainda de acordo com ela, espera-se que as mudanças sejam mais proeminentes nos Trópicos onde existem condições ao longo do ano inteiro para muitas doenças transmitidas por vetores. “Obviamente, existem muitos outros fatores que determinam como e se essas mudanças ocorrerão, como a dimensão da urbanização, crescimento demográfico, que também afetam a transmissão de doenças e estão em mudança rápida nos trópicos”, acrescenta.

População exposta às doenças tropicais

Especialistas ressaltaram no Congresso Europeu de Microbiologia Clínica e Doenças Infecciosas, realizado em Amsterdã no primeiro semestre deste ano, que encorajados pelas mudanças climáticas, viagens e comércio internacional, as epidemias de doenças vetoriais vão se desenvolver para alcançar uma grande parte da Europa nas próximas décadas. “Esta questão da Europa foi muito discutida no âmbito do IPCC. Os modelos mostram estas possibilidades, especialmente em relação à migração de infecções do Norte Africano”, lembra o Dr. Confalonieri. Estudo do Instituto de Patógenos Emergentes, na Flórida (EUA), também chama atenção. De acordo com o documento, quase um bilhão de pessoas podem ficar expostas às doenças tropicais, uma vez que as mudanças climáticas estão aumentando a variedade de mosquitos dispersos no mundo. Os cientistas estão preocupados em como os mosquitos podem se dispersar à medida que o mundo continua a se aquecer.

De acordo com o Dr. Confalonieri, ainda temos tempo de evitar que isso ocorra. “O que se pode fazer é combater os vetores no ambiente construído, como as cidades, já que nas florestas e outros ecossistemas naturais é difícil ou impraticável”, enfatiza ao destacar que os mosquitos dispersam rápido por meio do transporte humano (aviões etc), mas a migração estimulada pelo clima demora. Questionado se a incidência de doenças tropicais em regiões quentes como Caribe, África Ocidental e Sudeste Asiático, pode diminuir à medida que o clima se torne tão quente que exceda os limites térmicos superiores de transmissão, o especialista diz ser pouco provável já que os patógenos e vetores têm amplas faixas de temperatura e umidade nas quais podem se desenvolver.

Saúde, poluição do ar e aquecimento global

Nove em cada dez pessoas respiram ar poluído todos os dias. Em 2019, a poluição do ar (um dos principais contribuintes para a mudança climática) foi considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o maior risco ambiental para a saúde e a OMS estima que as mudanças climáticas causem 250 mil mortes adicionais por ano devido à desnutrição, malária, diarreia e estresse por calor. “Mais prováveis são o estresse pelo calor e a exacerbação da poluição, pelos efeitos mais diretos. Para os demais agravos citados há vários fatores não climáticos que interferem e fica difícil prever”, assinala o Dr. Confalonieri.

O aumento da incidência de desastres naturais que tem provocado inundações, tempestades, enchentes e secas, que provocam mais danos à saúde pública e risco de redução da produção agrícola, é outra consequência da mudança climática, que segundo o Dr. Confalonieri, são os chamados eventos extremos, difíceis de se prever, mesmo com modelos matemáticos e estatísticos complexos. Ondas de calor mais intensas e incêndios; aumento da prevalência de doenças causadas por alimentos e água contaminados e de doenças transmitidas por vetores; aumento da probabilidade de desnutrição resultante da redução da produção de alimentos em regiões pobres e perda da capacidade de trabalho em populações vulneráveis são os principais riscos à saúde. Riscos incertos, mas potencialmente mais graves incluem: colapso em sistemas alimentares, conflitos violentos associados a escassez de recursos e movimentos de população, e exacerbação da pobreza, minando a saúde.

Independentemente das alterações esperadas na dinâmica das doenças tropicais ou de suas áreas de ocorrência, o fato é que a Mudança climática deve exigir novas maneiras de se pensar o controle e a prevenção das doenças tropicais em um futuro próximo. Assim, o monitoramento da incidência e da expansão geográfica destas doenças deve fazer parte da vigilância epidemiológica, com foco sobre as populações que já sofrem ou que poderão sofrer os impactos da variação climática. Ecossistemas alterados pela ação do homem não só potencializam a transmissão de doenças emergentes, mas contribuem também para a instalação de outras doenças associadas à ecotoxicologia que afetam o sistema imunológico e agridem a saúde de um modo geral, mesmo não sendo infecciosas.

Embora o tema mereça grande destaque, especialistas se preocupam com o fato de a saúde ainda não ser uma vertente importante da cobertura da mídia sobre o aquecimento global. Para mudar isso, algumas ações foram desenvolvidas. Em 2016, foi lançado o Lancet Countdown. O projeto tem como objetivo monitorar as evidências que relacionam mudanças climáticas e saúde humana até 2030

Fonte: https://sbmt.org.br/relacao-explosiva-aquecimento-global-e-doencas-tropicais/

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