CREDIT SUISSE: COMO O BANCO CENTENÁRIO, QUE ABRIGOU AS MAIORES FORTUNAS DO MUNDO, QUASE FOI À LONA?

 

Credit Suisse: ações tiveram a maior queda diária de sua história
Credit Suisse: ações tiveram a maior queda diária de sua história Stefan Wermuth/Bloomberg

Credit Suisse: como o banco centenário, que abrigou as maiores fortunas do mundo, quase foi à lona?

Fundado em 1856, instituição se envolveu em escândalos de corrupção e espionagem. Debandada de clientes começou no fim de 2022. Planos para sanar empresa travaram com reversão de cenário global

Por O Globo; Agências Internacionais — Nova York

15/03/2023 18h48  Atualizado 16/03/2023

Os mercados financeiros tiveram um dia de alívio nesta quinta-feira após o Swiss National Bank (SNB, o banco central da Suíça) informar que dará apoio financeiro ao Credit Suisse se isso for necessárioAs ações do banco dispararam até 40% após sinalizar que poderia tomar até US$ 53,75 bilhões de empréstimos no SNB.

Na véspera, em um dia de tensão nos mercados, as ações do Credit Suisse chegaram a cair 30%. Mas como um banco centenário, com a tradição de ter abrigado algumas das maiores fortunas do mundo, quase foi à lona? Entenda, abaixo, o histórico de crises que abalaram o Credit Suisse.

Por que a reputação foi abalada?

Pessoas caminham em frente à sede do Credit Suisse em Nova York  — Foto:  Spencer Platt/Getty Images/AFP

Pessoas caminham em frente à sede do Credit Suisse em Nova York — Foto: Spencer Platt/Getty Images/AFP

O papel do Credit Suisse como o maior gestor de fortunas do mundo foi construído sobre uma reputação de discrição institucional e confiabilidade. Isso só torna a série de escândalos, batalhas jurídicas e as grandes perdas financeiras que têm marcado a história recente do banco ainda mais intrigante.

Os problemas do Credit Suisse já eram conhecidos, mas neste mês as dificuldades do banco cresceram como uma bola de neve e foram agravados pela quebra do Silicon Valley Bank. Nesta quarta-feira, suas ações fecharam com queda de mais de 24%, na maior queda diária de sua história.

Foi o estopim de uma crise que se arrasta há meses, com Credit Suisse tentando uma reestruturação complexa após polêmicas que fizeram clientes sacarem bilhões da instituição.

O que deu errado?

Lex Greensill, CEO da Greensill Capital, empresa na qual o Credit investiu e perdeu dinheiro — Foto: Chris J. Ratcliffe/Bloomberg

Lex Greensill, CEO da Greensill Capital, empresa na qual o Credit investiu e perdeu dinheiro — Foto: Chris J. Ratcliffe/Bloomberg

As agruras do Credit Suisse incluíram uma condenação por permitir que traficantes de drogas lavassem dinheiro na Bulgária, envolvimento num caso de corrupção em Moçambique, espionagem envolvendo um ex-funcionário e um executivo e um vazamento maciço de dados de clientes para a mídia.

Mas foram apostas de negócio controversas que selaram o destino do banco. Sua associação com o financista Lex Greensill e a falida firma de investimentos Archegos Capital Management, com sede em Nova York, criou no mercado a percepção de uma instituição que não tinha um controle firme sobre seus negócios.

A Greensill Capital foi ao colapso em março de 2021 e, segundo as autoridades regulatórias da Suíça, o Credit Suisse falhou em cumprir as regras do setor bancário ao investir na empresa. Na ocasião, o banco perdeu US$ 10 bilhões em fundos no Greesill.

A Archegos Capital foi outra aposta equivocada do Credit Suisse. A gestora de recursos foi acusada de fraude. As polêmicas envolvendo o banco desencadearam uma saída de clientes sem precedentes no fim de 2022.

O que desencadeou a crise mais recente?

O CEO do Credit Suisse, Ulrich Koerner — Foto: Hollie Adams/Bloomberg

O CEO do Credit Suisse, Ulrich Koerner — Foto: Hollie Adams/Bloomberg

O CEO Ulrich Koerner lançou em outubro passado uma campanha para atrair de volta os clientes e, consequentemente, seu dinheiro. O esforço parecia estar valendo a pena em janeiro, quando o banco informou ter fechado com "depósitos líquidos positivos".

No entanto, na semana passada, a Securities and Exchange Commission (SEC, órgão que regula o mercado de capitais nos EUA) questionou dados do relatório anual do banco, forçando-o atrasar sua publicação.

As preocupações aumentaram após a quebra do Silicon Valley Bank (SVB), banco americano que financia várias start-ups. Os investidores começaram a abandonar qualquer coisa que cheirasse a risco bancário e fuga de depósitos.

Qual foi o gatilho para queda das ações esta semana?

O estopim para a queda histórica das ações do Credit Suisse a última quarta-feira - quando as ações chegaram a cair mais de 30% - foi a sinalização, dada pelo Saudi National Bank, de que não faria novo aporte de capital no banco, alegando questões regulatórias.

Em dezembro do ano passado, os principais acionistas do Credit Suisse já tinham feito um aporte de US$ 4,2 bilhões no banco, para tentar estancar sua crise.

Após o fechamento das Bolsas europeias, o banco central suíço soltou comunicado informando que iria prover liquidez para o Credit Suisse se isso fosse necessário.

Este é outro momento Lehman Brothers?

O gigante de Wall Street, cuja falência em 2008 desencadeou a crise financeira global, sucumbiu quando o financiamento secou e vários outros bancos enfrentavam problemas similares. Ao contrário do Lehman e do SVB, o Credit Suisse possui ativos líquidos substanciais para recorrer e acesso a facilidades de empréstimos do banco central. Além disso, é menos sensível do que muitos rivais a movimentos bruscos nas taxas de juros.

O Credit Suisse tem ativos líquidos suficientes para pagar metade de todos os seus passivos em depósitos e empréstimos de outros bancos, de acordo com estimativas da Bloomberg, e estaria apto para lidar com fortes resgates em um período de estresse.

Qual é a estratégia do banco?

O plano estratégico do CEO do banco, Ulrich Körner, lançado em outubro do ano passado, prevê que a instituição se recupera em três anos e envolve o corte de 9 mil vagas e, também, deixar suas operações de banco de investimento.

A estratégia é resgatar suas origens e voltar a ser o banco dos ultra-ricos do mundo. O First Boston, um banco de investimento americano que o Credit Suisse adquiriu em 1990, seria listado em Bolsa de Valores para que fosse vendido a outros investidores. A Apollo Global Magenement, outra gestora que se mostrou uma aposta equivocada do Credit Suisse, também seria vendida. Mas esta estratégia agora, está em risco diante de um contexto financeiro mais desafiador após a quebra do SVB.

Como o banco se envolveu em escândalos?

Fundado em 1856 para financiar a expansão de rodovias na Suíça, o Credit Suisse tem hoje duas principais unidades – um banco de investimentos e uma empresa de gestão de fortunas. Mas o banco nem sempre conseguiu manter sua reputação intocada.

Ao longo da História, recebeu depósitos e investimentos de executivos que estavam sob sanção, de agentes de inteligência e espionagem e também de muitos acusados de abusos de direitos humanos.

O banco já foi multado pelo governo americano por seu papel em ajudar contribuintes dos EUA a falsear dados para receber restituições de imposto de renda, por não ter sido claro nos anúncios sobre hipotecas imobiliárias que estiveram no centro da crise financeira de 2008 e por ajudar clientes de Irã e Sudão a burlar sanções dos EUA.

Os problemas mais recentes do banco começaram em 2021, quando a Archegos Capital Management, empresa de investimentos fundada anos antes pela então celebridade das finanças Bill Hwang, foi ao colapso.

O Credit Suisse foi um dos muitos bancos a operarem com a Archegos, mas suas perdas chegaram a US$ 5,5 bilhões, quantia muito superior ao prejuízo dos rivais. O banco depois reconheceu que houve “falhas fundamentais de gestão e controle” no episódio.

Por que o banco teve tantos CEOS?

O Credit Suisse também tem sofrido com uma frequente troca de comando, atípica para bancos com esse perfil. Em 2020, o então CEO Tidjane Thiam, que estava no cargo há apenas cinco anos, foi substituído após um escândalo envolvendo a supervisão de executivos sob o seu comando direto.

Ele foi substituído por Thomas Gottstein, executivo de carreira do banco. Quando o Archegos Capital quebrou, Gottstei seguiu no cargo. Mas o banco iniciou um processo de sucessão, preparando António Horta-Osório para ser o futuro CEO.

Em janeiro deste ano, Horta-Osório renunciou de forma abrupta em meio a investigações internas de se o executivo teria descumprido regras de quarentena durante a pandemia.

Em julho, após o terceiro trimestre seguido de prejuízos no banco, Gottstein foi substituído por Ulrich Körner, um veterano do banco suíço rival UBS. Körner anunciou seu plano para reestruturar o Credit Suisse, numa tentativa de recuperar a confiança de investidores e acionistas.


Fonte:https://oglobo.globo.com/economia/financas/noticia/2023/03/credit-suisse-como-o-banco-centenario-que-abrigou-as-maiores-fortunas-do-mundo-foi-a-lona.ghtml?


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