UM ANO DE GUERRA NA UCRÂNIA: O QUE A RÚSSIA CALCULOU DE ERRADO, E O QUE CALCULOU CERTO, NA INVASÃO


Um ano de guerra na Ucrânia: O que a Rússia calculou errado, e o que calculou certo, na invasão

Russos se dividem entre resiliência para buscar alternativas às carências geradas pelas sanções e a sensação de isolamento sem prazo para acabar

Por André Duchiade

19/02/2023 04h30  Atualizado há 4 dias

 Ao invadir a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, Vladimir Putin esperava uma ação rápida. Segundo as informações disponíveis, o presidente russo acreditava que sua autodenominada “operação militar especial” fosse dominar o território ucraniano e tirar de forma veloz Volodymyr Zelensky do poder. Nada mais distante da realidade. No aniversário da guerra, especialistas fazem um balanço dos erros e acertos de Putin nas principais publicações de Relações Internacionais.

Para eles, entre as principais falhas do Kremlin estão cometer erros de estratégia militar, subestimar o socorro da Otan ao país invadido e minimizar a mobilização ucraniana. Por outro lado, o governo russo acertou nas previsões da resiliência econômica às sanções do Ocidente, na manutenção do apoio popular e na aposta de que Putin não ficaria totalmente isolado no cenário internacional.

Na Foreign Affairs, um texto da especialista em assuntos de Defesa ligados à Rússia da RAND Corporation, Dara Massicot, intitulado “O que Putin pensou errado” lista os equívocos do presidente russo, centrados na estratégia militar. E, segundo a autora, eles começaram com o planejamento da operação, mantida sob sigilo mesmo para a cúpula de seu governo, em uma espécie de “ação secreta”.

De acordo com diversas fontes, apenas Putin e seus confidentes mais próximos no Kremlin, nos serviços de inteligência e nas Forças Armadas planejaram a operação. Um relatório recente do Royal United Services Institute (RUSI), instituto de Londres, diz que mesmo altos membros do Estado-Maior russo não foram informados dos planos.

Isto, segundo ela, levou a Rússia a ignorar a sua própria doutrina militar, segundo a qual ataques aéreos e com mísseis ao longo de semanas devem constituir a primeira etapa de uma ofensiva, num período chamado por estrategistas de “período inicial de guerra”. Essa etapa é considerada decisiva, pois destroça a capacidade de resistência do adversário. As tropas terrestres chegam depois, quando a capacidade de defesa e estradas já estão limpos.


Em vez disso, as forças terrestres de Putin estavam no campo desde o primeiro dia. Se espalharam por quatro frentes ao mesmo tempo no território ucraniano, avançando apressadamente em vez de concentrar fogo. Houve ataques aéreos contra algumas posições, mas não de modo decisivo. Provavelmente porque queriam evitar tornar o país uma terra arrasada, já que o plano era colocar um aliado para governar após o assassinato ou prisão de Zelensky. Ou seja, a infraestrutura foi poupada.

“O resultado foi catastrófico. As forças russas, correndo para atender o que acreditavam ser ordens para chegar a certas áreas em prazos determinados, violaram a sua logística e se viram encurraladas em rotas específicas por unidades ucranianas. Elas foram então implacavelmente bombardeadas por artilharia e armas antiblindados”, escreveu Massicot.

Em reportagem do New York Times, a preparação logística no terreno foi descrita como desastrosa. Os militares russos chegaram a usar mapas da era soviética, e faltava alimento para os soldados.

A aposta do Kremlin de fuga do governo do país — composta, segundo Putin nos primeiros dias, por “drogados e nazistas” — e de acolhida dos russos pelos ucranianos não se confirmou. De acordo com uma reportagem do Washington Post, os serviços de inteligência russos tinham conduzido uma pesquisa secreta pré-guerra sugerindo que apenas 48% da população estavam “prontos para defender” a Ucrânia, e só 30% apoiavam Zelensky.

A mesma pesquisa, no entanto, apontava que 84% da população considerariam soldados russos “ocupantes, não libertadores”, e isso foi negligenciado. Em vez da rendição, “os ucranianos se uniram para defender sua soberania, alistando-se nas Forças Armadas e criando unidades de defesa territorial que resistiram ao ataque russo”, analisa Massicot.

Apoio interno

Finalmente, Putin também não esperava pela união do Ocidente em apoio à Ucrânia. Em suas análises, a Europa com forte dependência dos combustíveis fósseis russos não estaria disposta a pagar o preço de se voltar diretamente contra Moscou. Mas os países da Otan cerraram fileiras, buscaram alternativas energéticas e fizeram doações de armas numa escala não vista desde a Segunda Guerra Mundial.

Contudo, também houve acertos da parte do presidente da Rússia, listados em um artigo da revista Foreign Policy intitulado “O que a Rússia pensou certo”, de Stephen Walt, professor de Relações Internacionais em Harvard.

Em primeiro lugar, Putin partiu para a guerra convencido de que a economia russa seria capaz de sobreviver a possíveis sanções do Ocidente. A despeito de duros embargos econômicos, em 2022, a queda no PIB foi estimada em 2,5%, contrariando quem previa uma contração de mais de 10%. No início de fevereiro, Putin disse esperar um pequeno crescimento neste ano:

— Para muitos daqueles que tentaram e estão tentando criar problemas para nós, foi uma surpresa a eficácia com que estamos combatendo as ameaças na economia e em certos setores da produção — disse o presidente em um evento televisionado.

Em segundo lugar, lista Walt, Putin avaliou corretamente que o povo russo estaria disposto a pagar altos preços, e que reveses militares não levariam à sua queda. “Ele pode ter começado a guerra esperando que fosse rápido e barato, mas sua decisão de continuar após os contratempos iniciais — e eventualmente mobilizar reservas e lutar — refletiu sua crença de que a maior parte do povo russo concordaria com sua decisão, e ele poderia suprimir qualquer oposição que surgisse”, escreveu Walt.

Além disso, segundo o pesquisador, Putin sabia que a guerra não danificaria a imagem russa de modo universal. Embora nas potências ocidentais hoje seja visto como uma figura maligna, em outros países de peso, como Índia, Árabia Saudita e Israel — e também o Brasil até semana passada, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva condenou a invasão de forma enfática —, as relações diplomáticas seguem normais. “A guerra não ajudou a imagem global da Rússia (...), mas uma oposição tangível limitou-se a um subgrupo das nações do mundo”, disse.

Finalmente, Putin acertou ao entender que a Otan não se envolveria diretamente no conflito. A cada dia há novas remessas de armas, mas não há tropas no terreno — ao menos por enquanto. “Estamos tentando deter a Rússia sem que as tropas americanas se envolvam diretamente. Ainda não se sabe se essa abordagem funcionará”, escreveu Walt.


Fonte:https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/02/um-ano-de-guerra-na-ucrania-o-que-a-russia-calculou-errado-e-o-que-calculou-certo-na-invasao.ghtml



Comentários