TEORIA SA DE CONSPIRAÇÃO: LIGADAS À LITERATURA



Teorias da conspiração: ligadas à literatura


Os enredos literários há muito tempo estão ligados às teorias da conspiração, que, em essência, são criações da imaginação. No entanto, essas ideias fictícias – frequentemente criadas sob o pretexto de atribuir sentido ao mundo à nossa volta – por vezes podem ter consequências muito reais, até mesmo trágicas, em nossas vidas, como explica o autor.

Peter Knight
Professor de estudos americanos na Universidade de Manchester, no Reino Unido, e professor visitante na Universidade de Leiden, nos Países Baixos. Ele é o autor de Conspiracy Culture (2000) e The Kennedy Assassination (2007), e coeditor, com Michael Butter, do Routledge Handbook of Conspiracy Theories (2020).

Há muito tempo, a literatura tem um fascínio pelo conhecimento esotérico, por sociedades secretas e conspirações – desde As Bacantes, de Eurípides, até O Código Da Vinci, de Dan Brown. Por definição, uma boa conspiração não deixa rastros e, portanto, uma teoria da conspiração é uma especulação imaginativa sobre a existência de um grupo secreto nos bastidores, que manipula astutamente os acontecimentos. As teorias da conspiração criam uma narrativa que promete atribuir sentido a eventos que de outro modo são aleatórios, tomando-os como parte de um enredo vasto e abrangente.

Embora muitas ficções que tratam de conspirações se limitem a fornecer entretenimento, por vezes elas podem ter um efeito surpreendente no mundo real. Por exemplo, a invasão do Capitólio em Washington DC, que ocorreu em 6 de janeiro de 2021, foi em parte inspirada por The Turner Diaries, um romance de 1978 permeado por ideias conspiratórias, que imagina uma revolta apocalíptica da supremacia branca. Esse romance contra o governo também influenciou Timothy McVeigh, que explodiu uma bomba em um prédio federal em Oklahoma City, em 1995, matando 168 pessoas.

Documento forjado com consequências trágicas

Embora as teorias da conspiração sobre os Illuminati remontem à década de 1790, muitas das versões mais fantásticas dessa história que circulam atualmente na internet são derivadas de forma não intencional de The Illuminatus! Trilogy (1975), um romance excêntrico e derivado da contracultura escrito por Robert Shea e Robert Anton Wilson, dois editores da revista Playboy. Intrigados pelas inúmeras cartas enviadas à revista afirmando todo tipo de inacreditáveis teorias da conspiração, a premissa inicial do romance de Shea e Wilson consistiu em imaginar o que aconteceria se “todos esses loucos estivessem certos, e todas as conspirações das quais eles se queixam realmente fossem reais”.

O exemplo mais significativo de um texto conspiratório inventado, mas considerado real, são chamados Protocolos dos sábios de Sião. Esse documento forjado foi publicado pela primeira vez em 1903, na Rússia, e foi apresentado como o registro de uma reunião secreta de anciãos judeus que tramavam a dominação mundial. Em 1921, revelou-se que era uma falsificação, mas isso não impediu que o documento se tornasse parte da justificativa nazista para o Holocausto..

Ele ainda circula em muitos países na atualidade, e está na base de muitas teorias conspiratórias contemporâneas direcionadas contra as “elites”, os “globalistas” e os “financistas” – muitas vezes, palavras em código para designar os judeus. Pesquisas demonstraram que partes do texto foram adaptadas de um obscuro romance alemão do século XIX – Biarritz, publicado em 1868 pelo escritor antissemita alemão Hermann Goedsche – enquanto outros elementos foram retirados de Diálogo no inferno entre Maquiavel e Montesquieu, um panfleto satírico francês publicado por Maurice Joly em 1864, que atacava o regime de Napoleão III. Plagiados da ficção, os Protocolos apresentam uma conspiração fictícia que, por sua vez, passou a ser tomada como fato – com trágicas consequências.

Tramas malignas e sociedades secretas

Para os leitores, os textos de ficção – incluindo falsificações como os Protocolos – apresentam vantagens sobre as formas (como o exposé, o panfleto, o documentário) em que as teorias conspiratórias aparecem com maior frequência, porque podem dramatizar os supostos momentos de conspiração em salas cheias de fumaça. Embora há muito a literatura tenha se envolvido em conspirações e sociedades secretas, foi apenas no século XIX que elas se tornaram um elemento central do drama.

A literatura gótica e o melodrama, por exemplo, comumente apresentam histórias sinistras de vilões que secretamente manipulam suas vítimas inocentes em tramas maléficas. A Alemanha do século XIX testemunhou o surgimento do Geheimbundroman, ou “romance de sociedades secretas”, enquanto os escritores britânicos ficaram ao mesmo tempo fascinados e revoltados com o espectro das sociedades secretas maçônicas, italianas e irlandesas, que conspiravam contra o governo.

Porém, foi com as histórias de detetives e de suspense que a ficção de conspiração realmente ganhou força, por volta da virada do século XX. Esses gêneros se fundamentavam na suspeita de que existe uma realidade mais profunda, oculta sob a confusão dos detalhes superficiais.

Identificação com uma figura heroica

No entanto, a ficção conspiratória não mostra apenas os mecanismos internos da conspiração. Muitas vezes, ela também incentiva os leitores a se identificarem com um personagem individual – geralmente uma figura detetivesca, heroica e solitária. Na ficção policial e nos suspenses de conspiração existem, na verdade, duas histórias que fazem força em direções opostas. Uma narrativa é a jornada de descoberta do detetive, a história instigante que avança de forma cada vez mais rápida – desde a percepção inicial de que tudo em que ele ou ela acreditava era uma mentira, até uma exposição final da trama e a esperada restauração da ordem no presente.

Muitas vezes, na ficção conspiratória, quanto mais o detetive descobre sobre a conspiração, mais o enredo imaginado se amplia. A tensão entre essas duas estruturas narrativas ajuda a explicar por que o caminho rumo à descoberta final na ficção de conspiração é infinitamente postergado, à medida em que descobrimos de forma repetida que o que pensávamos ser a verdade era apenas uma pista falsa plantada pelos conspiradores maléficos. Muito do prazer da ficção conspiratória vem de se querer chegar à grande revelação, mas também de se querer nunca chegar a esse destino.

O foco literário na suspeita e na interpretação tem suas raízes na obra de escritores do século XIX, como Edgar Allan Poe e Henry James, e se tornou um dos pilares da escrita modernista no século XX. No entanto, a ficção de conspiração atingiu seu pleno florescimento na literatura norte-americana do pós-Segunda Guerra Mundial. A conspiração como tema é uma preocupação central de alguns dos mais proeminentes escritores norte-americanos do pós-guerra, incluindo William S. Burroughs, Don DeLillo, Joseph Heller, Ken Kesey e Thomas Pynchon.

“Paranoia criativa”

De forma reiterada, eles criam enredos em que o herói (quase sempre um homem branco) sente que sua liberdade, sua identidade e sua capacidade de ação – e até mesmo seu corpo – correm o risco de serem controlados por forças vastas e sombrias. A fim de compreender o que realmente está acontecendo, essas ficções abraçam voluntariamente uma forma a que Pynchon chamou de “paranoia criativa”. Elas apresentam a teoria da conspiração como um modo de compreender os sistemas impessoais na era do poder estatal, do capitalismo corporativo e dos meios de comunicação de massa. A conspiração não é mais uma trama estrangeira para se infiltrar no país, trama essa facilmente detectável, mas, sim, uma ameaça mais ambígua e generalizada que parte de dentro do próprio país.

Dada essa situação, não é surpreendente que grande parte dessa ficção se concentre de forma consciente na questão de como nós sabemos o que pensamos saber. Ocorreu uma mudança de narrativas conspiratórias que dramatizam enredos para narrativas de teorias da conspiração que consideram a possível existência de tais enredos. Essas ficções mais recentes costumam ter finais ambíguos e inconclusivos, uma vez que o suposto detetive nunca está totalmente certo se os indícios eram meras pistas falsas.

Se a escrita modernista convida a uma forma de leitura paranoica – pois incentiva os leitores a descobrirem significados e alusões ocultas –, então, a escrita pós-modernista exige o que foi chamado de “metaparanoia”, um foco autorreflexivo em questões de suspeita radical. Como sugerem as narrativas conspiratórias de escritores de ficção científica como Philip K. Dick ou filmes como Matrix, o que presumimos ser a realidade pode ser uma construção enganosa, concebida por uma conspiração maléfica. “Não confie em ninguém”, como diz a série de TV Arquivo X

O foco da literatura de conspiração pós-moderna sobre a incerteza do conhecimento também guarda afinidade com o modo dominante da crítica literária e cultural das últimas décadas – alimentada pelo que o crítico literário francês Paul Ricoeur chamou de “hermenêutica da suspeita”. Essa tradição crítica começou com Marx, Nietzsche e Freud, que procuraram revelar as forças econômicas, morais e psicológicas ocultas que determinam o comportamento humano e o desenrolar da história.

Nada é o que parece ser

Esse modo de interpretação parte do pressuposto de que existe uma realidade mais profunda que se encontra sob as enganosas aparências superficiais, e a tarefa do crítico consiste em detectá-la. De forma semelhante, as teorias conspiratórias partem do pressuposto de que nada é o que parece ser, nada acontece por acidente e tudo está conectado. Com frequência, as teorias da conspiração envolvem ilusões perigosas e, por vezes, a literatura conspiratória tem contribuído para causar esses danos.

Contudo, na melhor das hipóteses, a ficção de conspiração explora de forma criativa a fronteira confusa entre a interpretação justificada e a superinterpretação paranoica. Ela obriga os leitores a pensarem sobre a natureza do livre-arbítrio, especialmente em uma economia mundial cada vez mais complexa, deixando-nos fazer uma escolha impossível entre um mundo de aleatoriedade pura, em que nada faz sentido, e um mundo de conspiração total, em que tudo foi planejado com antecedência.

Ao colocar o leitor na posição de detetive, a literatura de conspiração pode nos ajudar a entender os sedutores atrativos do pensamento conspiratório, ao mesmo tempo em que oferece uma reflexão ponderada sobre os problemas da conspiração como forma de dar sentido ao mundo.

Leia mais:

Coming to terms with time, by Paul RicoeurThe UNESCO Courier, Apr. 1991


Fonte:https://pt.unesco.org/courier/2021-2/teorias-da-conspiracao-ligadas-literatura


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