Agora, na era digital, plataformas como Instagram, Twitter, YouTube e TikTok, são muito usadas para esse trabalho. “Eu sabia que a divulgação científica existia, mas esse termo ainda é pouco conhecido. No YouTube, alguns canais falam sobre isso, como o Manual do Mundo, mas se trata de um homem branco, que não aborda as questões das mulheres e dos negros.”
“Quando comecei com os meus vídeos, muitas pessoas se sentiram abraçadas. Na minha época, ninguém me ensinou sobre gênero e raça, então, essa não era apenas uma necessidade minha, mas de muitas pessoas. Por isso decidi encarar a divulgação científica dessa forma política”, revela.
O maior desafio que Kananda encontra na profissão, ainda hoje, é a busca por referências. “É um caminho de muita liberdade, posso construir o meu conteúdo como bem entender. Óbvio que com responsabilidade e embasamento, mas a estrutura se torna mais maleável. Dentro dessa área, em que ainda falo sobre mulheres e negros, encontro dificuldade em fazer essas fusões pelo fato de não ter muitas pesquisas que contemplem [esse recorte], mas sempre divulgo o material que encontro. Outra dificuldade é o crescimento nas redes. Muitas mulheres que trabalham com divulgação científica não têm o mesmo reconhecimento que os homens.”
Se no Instagram ela já conta com um grande público, no TikTok os números impressionam. Alguns vídeos da divulgadora científica têm por volta de 1 milhão de visualizações. O mais famoso é sobre a vacina Pfizer, no qual Kananda conta que um homem negro foi quem liderou os estudos clínicos da vacina nos Estados Unidos: o médico nigeriano Onyema Ogbuagu.
A sede por ensinar fez com que Kananda Eller fosse uma das indicadas ao prêmio Aprendendo no TikTok, no TikTok Awards.
“Fico muito feliz com o que a internet me deu, são muitos presentes. Vejo muitas pessoas falando dos problemas, mas é um lugar importante, onde me conecto com muitas histórias. Hoje tenho conquistado liberdade financeira, a internet me permite também fazer o meu mestrado e continuar a minha carreira acadêmica, que é também o meu sonho”, conta a química, que hoje faz parte do time de influenciadores da Play9, agência comandada por Felipe Neto.
Kananda Eller em Brasília: 'Na posse de ministério mais diversa na História do Brasil', disse ela — Foto: Reprodução / Instagram
'Produzir ciência é para quem pode, ou para quem acredita'
De acordo com um relatório na Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), de 2012 para 2021, a redução do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações foi de 84% —de R$ 11,5 bilhões para R$ 1,8 bilhão, em valores atualizados pela inflação. Nos últimos anos, um dos assuntos em alta foi o ‘apagão da ciência’.
As barreiras enfrentadas por cientistas no Brasil são muitas. Em especial quando se é uma mulher negra.
O lado bom da profissão, para Kananda, é a transformação pessoal e social, como ver o país se transformando através da ciência.
“Não tem como um país viver e se desenvolver sem ciência. Nós fornecemos os dados, as respostas, os caminhos que podemos trilhar enquanto nação e sociedade”. - Kananda Eller
Para esse novo governo, o que fica é a esperança de tempos mais leves para a ciência. Neste ano, Luciano Santos se tornou a primeira mulher negra a assumir o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. “É um lugar de maior sensibilidade. O discurso da ministra é muito alinhado com as questões de raça e gênero, ela se propõe a falar da importância da ciência e da tecnologia para esses grupos, fazendo com que eles se sintam protagonistas. Outra questão é o aumento das bolsas, porque nos últimos anos muitas pessoas deixaram de estudar por falta de verba. Pelo o que estou entendendo, as coisas estão acontecendo. Espero que a ciência chegue para todos”.
'É preciso acreditar na periferia'
A periferia pode --e deve-- fazer ciência. Para isso, é preciso acreditar. “Precisamos de políticas públicas, de incentivos e projetos. Pensar em feiras de ciência, competições científicas. Trabalhei em uma escola por dois anos e tínhamos um clube de ciências, sem laboratórios, sem nada. E as meninas e os meninos tinham muita vontade de transformar a própria comunidade”, começa Kananda.
Não existe valorização. Vou passar dez anos estudando e trabalhando, mas não tem reconhecimento, não tem os direitos mínimos de um trabalhador. Produzir ciência é para quem pode, ou para quem acredita, sonha e se sacrifica. Fazer mestrado e doutorado só com uma bolsa é acreditar muito no desenvolvimento do país, é amar o que faz. É um espaço que, para uma mulher negra, mexe muito com a autoestima, tem muitas questões psicológicas envolvidas.
— Kananda Eller
“Quero me tornar uma divulgadora científica de muita relevância no Brasil. Acredito que, para além de ciência, que é o comprometimento que eu tenho, é ter uma luta dentro desse espaço. A luta pela diversidade. A luta por aproximar a ciência de todos”.
Fonte:https://revistamarieclaire.globo.com/cultura/noticia/2023/02/deusa-cientista-kananda-eller-bomba-no-tiktok-falando-de-ciencia-e-mulheres-negras.ghtml
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