POR QUE ESTAMOS TODOS TÃO CANSADOS?

  

Dormir (Foto: Peter Ash Lee/Art Partner)

(Foto: Peter Ash Lee/Art Partner)

Por que estamos todos tão cansados?

Sonhos induzidos por estresse, insônia intermitente e fadiga do Zoom são comuns para muitos durante a pandemia. Aqui, confira dicas de especialistas para ter uma boa noite de sono, além de aprender a tirar uma soneca power

  • EMILY ZAK
 ATUALIZADO EM 

A pandemia bagunçou nossas rotinas, incluindo o modo como dormimos. Sonhos induzidos por estresse, insônia intermitente e fadiga do Zoom tornaram-se características do nosso novo normal. Mas, à medida que almejamos a vida pós-pandemia, aprender a tirar uma soneca power é habilidade essencial.

Apesar de passar grande parte do ano passado de pijama, o isolamento fez pouco para nos ajudar a dormir. A falta de distinção entre trabalho, escola e casa, além de um nível alto de incerteza, nos deixaram exaustos. Mas também teve alguns aspectos positivos, incluindo repensar o equívoco de que viver à beira do burnout é um pré-requisito para o sucesso.

Algumas pessoas se mudaram para o campo, outras adotaram a meditação, aperfeiçoaram a caminhada e aprenderam a tirar uma soneca. Estudos científicos mostram que dormir durante o dia, mesmo por curtos períodos de tempo, nos permite reiniciar e ser mais produtivos, impactando positivamente a saúde física e mental. No entanto, o "machismo do sono", ou a ideia de que dormir é uma fraqueza, pode estar impedindo muitos de nós de realmente dormir o suficiente.

Por que nos sentimos tão cansados?
Embora não seja exclusivo da pandemia, o burnout atingiu seu pico no ano passado. Antes da Covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definia o burnout como “estresse crônico no local de trabalho que não foi administrado com sucesso”, caracterizado por perda de energia, desligamento e redução da produtividade. Desde março de 2020, esse fenômeno se estendeu às nossas casas.

A OMS registrou um aumento de 60% na demanda por serviços de saúde mental nos últimos 12 meses, com o aumento das pressões exacerbando os problemas existentes e criando novos, à medida que as pessoas experimentavam vários gatilhos, incluindo tristeza, isolamento social, estresse e renda instável. De acordo com uma pesquisa recente do Gallup Poll, empresa de pesquisa de opinião estadunidense, a porcentagem de adultos norte-americanos que se consideram 'prósperos' caiu para 48,8%, o nível mais baixo desde a recessão econômica de 2008. Enquanto no Reino Unido, uma pesquisa recente da Ipsos Mori, empresa de pesquisa de mercado com sede em Londres, aponta que 60% dizem que acham mais difícil permanecer positivo.

O impacto da nossa dependência tecnológica desempenhou um grande papel em nosso burnout coletivo. Embora não seja específica para uma única plataforma, em nenhum momento da história a conferência virtual foi tão onipresente. Quase da noite para o dia, tornou-se o único método de socialização, trabalho e educação em casa, tornando suas falhas, quadrados sem rosto e lembretes de botão mudo ainda mais desgastantes.

A pesquisa de Jeremy Bailenson, diretor fundador do Laboratório de Interação Humana Virtual da Universidade de Stanford, concentra-se na redução da sobrecarga visual e mental causada por muito contato visual "anormalmente intenso" e a falta de mobilidade durante a conferência virtual. O estudo recomenda minimizar o tamanho e o número de rostos na tela e optar por ver a si mesmo, enquanto faz pausas regulares e descansa o suficiente.

Cochilos diários podem ajudar a prevenir o burnout?
Um estudo de 2002 da Universidade de Harvard por Sara Mednick e Ken Nakayama intitulado The Restorative Effect of Naps on Perceptual Deterioration concluiu que os cochilos podem ser a solução para o burnout. Quando o córtex visual se cansa, nossa capacidade de captar novas informações é reduzida. O descanso então, mesmo por curtos períodos, permite que a mente se reinicie e funcione de uma forma mais produtiva.

Mednick, professor de ciência cognitiva da Universidade da Califórnia e co-autor de Take a Nap! Change Your Life (Workman, 2006) observa: “É difícil apontar como perdemos contato com o conceito de equilíbrio entre nosso modo ativo (acordado) e nosso modo restaurativo (dormindo).” Ela explica que enquanto estamos dormindo, nós reabastecemos e processamos nossas experiências antes do próximo modo. Ignorar esse processo vital tem um impacto direto em nossa saúde e capacidade de concentração.

O que é ‘machismo do sono’?
Na raiz da resistência a dormir o suficiente está o ‘machismo do sono’. O termo foi cunhado pelo cronobiologista e professor de medicina do sono da Harvard Medical School, Dr. Charles Czeisler, para encapsular a crença equivocada de que descansar é uma perda de tempo, equiparando o sacrifício do tempo ocioso à dedicação ou mesmo ao gênio. Considere o CEO elogiado por trabalhar 100 horas por semana e viajar sem parar, que na verdade está modelando um mau comportamento que sua equipe se sentirá pressionada a imitar. Outro exemplo é o polímata Leonardo da Vinci, que notoriamente dormia em intervalos polifásicos de 20 minutos a cada quatro horas.

No entanto, há muitos gênios conhecidos por favorecer o cochilo. Albert Einstein dormia mais de 10 horas por dia, com cochilos regulares -— ele supostamente surgiu com sua teoria da relatividade em um sonho. Vários presidentes americanos também desfrutaram de cochilos à tarde, incluindo Bill Clinton, John F. Kennedy e Ronald Reagan. O jogador de basquete da NBA, LeBron James, supostamente dorme 12 horas por dia, incluindo vários cochilos para aumentar sua recuperação e desempenho.

Então, quais são os benefícios de tirar uma soneca?
A ideia de que tirar uma soneca é preguiça está fora de moda. É comprovado que muitos países com culturas de cochilo estabelecidas têm maior produtividade, maior expectativa de vida e melhor qualidade de vida. No Japão, inemuri (cochilo vigoroso no trabalho) é considerado respeitoso. Na China, os empregadores incentivam o cochilo ou o wu jiao no trabalho para promover a produtividade. Para países com climas mais quentes, como Grécia, Espanha e Itália, tirar um cochilo à tarde após um intervalo mais longo para o almoço é prático, para evitar a parte mais quente do dia.

Nos últimos anos, grandes corporações de tecnologia, incluindo Uber, Google e Facebook, também incentivaram o cochilo, com horários flexíveis e sleep pods para ajudar a melhorar a produtividade. Para Mednick, uma das vantagens de trabalhar em casa tem sido a flexibilidade de “explorar os ritmos circadianos e as necessidades de sono sem julgamento”. Sim, pode haver um foco maior no trabalho, mas também há mais flexibilidade sobre quando ele é feito, abrindo possibilidades para tirar uma soneca e descansar quando necessário.

O sono adequado ajuda o corpo a manter uma resposta imunológica saudável. A cientista do sono da Harvard Medical School, Dra. Rebecca Robbins, vê “uma correlação entre a duração do sono e a imunidade saudável. O papel criticamente importante do sono na imunidade é duplo. Primeiro, o sono aumenta nossa capacidade de lutar contra a exposição a patógenos virais. A simples redução do sono em uma ou duas horas nos indivíduos os torna mais propensos a pegar patógenos virais e menos capazes de montar uma resposta de anticorpos. E, em segundo lugar, o sono adequado ajuda na eficácia de vacinas e na produção de anticorpos.” Cochilar pode ajudar a resolver os déficits de sono e prevenir infecções virais.

Os benefícios econômicos são claros. Burnout custa às empresas bilhões de dólares a cada ano em rotatividade de funcionários, saúde e perda de produtividade. Em contraste, na Noruega, embora os funcionários trabalhem um total de horas mais baixas em todo o mundo (26 a 38 horas por semana), em 2021 eles ocupavam o segundo lugar em uma lista dos países mais produtivos do mundo. Na França, a semana de trabalho diminuiu de 39 para 35 horas semanais em 2002 e manteve um dos maiores PIBs da Europa.

As novas medidas de sucesso
Talvez a melhor maneira de adotarmos melhores hábitos de sono seja imitar os países que priorizam o bem-estar do sono. De acordo com o economista ganhador do Prêmio Nobel que desenvolveu o conceito moderno de PIB, Simon Kuznets, ele não mede adequadamente o bem-estar dos cidadãos. Ele observou em 1934: “O bem-estar de uma nação dificilmente pode ser inferido a partir de uma medição da renda nacional.” Implícito na declaração de Kuznets está o entendimento de que há acesso desigual à riqueza e recursos, mesmo nos países de melhor desempenho.

É promissor, então, que alguns países começaram a deixar de usar o PIB como a única medida do sucesso de uma nação. O Butão estava à frente do jogo, introduzindo o Índice Nacional de Felicidade em 1972, para medir o bem-estar mais amplo de seus cidadãos e do ambiente natural como um indicador do sucesso nacional. Seguindo o exemplo em 2018, a Nova Zelândia diminuiu o PIB em favor de indicadores de qualidade de vida, como saúde mental, pobreza infantil, desigualdade indígena, prosperando na era digital e construindo uma economia sustentável.

Conforme emergimos de um ano que definiu uma geração — múltiplos lockdowns, violência policial, racismo sistêmico, perda de entes queridos, carreiras em pausa, trabalho em casa, educação em casa, auto-isolamento, fadiga do Zoom e ansiedade de Covid-19 — talvez a melhor coisa que podemos fazer agora é começar a cuidar de nós mesmos e aprender a tirar uma soneca.

Fonte:https://vogue.globo.com/Wellness/noticia/2021/05/por-que-estamos-todos-tao-cansados.html


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