JOHNNY DEPP X AMBER HEARD: RESULTADO DO JULGAMENTO PODE DESTIMULAR DENÚNCIAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA OU AUMENTAR A DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER NO MUNDO?
Johnny Depp x Amber Heard: resultado do julgamento pode desestimular denúncias de violência doméstica?
- Holly Honderich
- Da BBC News em Washington
Amber Heard se tornou vítima de ataques na internet durante a batalha judicial por difamação aberta por seu ex-marido Johnny Depp, que também envolveu alegações de violência doméstica. O caso poderia afetar negativamente vítimas de abuso que decidem denunciar uma situação semelhante?
Na última quarta-feira (01/06), um tribunal da Virgínia, nos Estados Unidos, considerou que Heard difamou Depp em um artigo publicado no jornal Washington Post de 2018 no qual ela se descreve como "uma figura pública que representa o abuso doméstico", sem nomear seu ex-marido.
O júri composto por cinco homens e duas mulheres decidiu que a atriz deveria pagar uma indenização de US$ 15 milhões (R$ 72 milhões), valor que foi reduzido para US$ 10,35 milhões (R$ 49,4 milhões), em razão de limites legais da Virgínia.
Quanto às acusações de Heard contra Depp, também por difamação, o júri condenou o ator, que não esteve na audiência, a pagar indenização de US$ 2 milhões (R$ 9,5 milhões) por difamá-la por meio de seu advogado, Adam Waldman.
O veredicto surpreendeu especialistas em Direito, especialmente porque segue a derrota de Depp em um caso semelhante no Reino Unido há quase dois anos.
Para Heard, a decisão foi uma rejeição quase total de seu testemunho.
Depp, de 58 anos, negou com firmeza as alegações de abuso emocional, físico e sexual que Heard diz terem ocorrido em várias ocasiões ao longo de seu relacionamento de cinco anos.
Comentários nas redes sociais
O júri ficou do lado de Depp e considerou as alegações de Heard como falsas.
Em um comunicado, a atriz de 36 anos disse que estava "com o coração partido" pela decisão. Sua equipe disse que vai recorrer.
Mas no tribunal da opinião pública, parecia que Heard já havia perdido mesmo antes do resultado final.
Durante as seis semanas de julgamento, muito antes de o júri dar seu veredicto, uma espécie de consenso se estabeleceu na internet de que Heard estava mentindo.
Seu testemunho foi amplamente ridicularizado, hashtags chamando-a de sociopata foram tendências no Twitter e uma petição para removê-la da próxima sequência do filme Aquaman recebeu, até sexta-feira, 3 de junho, mais de 4,4 milhões de assinaturas.
No TikTok, os casais encenaram algumas das cenas de violência que Heard denunciou no depoimento, em um aparente esforço para provar que foram inventadas.
"Acho que devemos ser muito claros sobre isso: esse julgamento gerou muito assédio contra Amber Heard", diz Nicole Bedera, socióloga especializada em violência sexual. "Foi chocante."
Especialistas em violência doméstica como Bedera temem que a resposta profundamente negativa em relação à Heard tenha repercussões muito além do julgamento.
Impacto para futuras vítimas
Muitos alertam que o abuso online sofrido por Herad terá um efeito devastador na vida de sobreviventes de violência doméstica e pode desencorajar algumas a denunciarem seus casos.
"Há muitas sobreviventes que verão sua história refletida neste julgamento. E elas também serão prejudicados por este caso", disse Bedera.
"Acho que muitas vítimas agora vão se sentir mais inseguras com a ideia de contar seu caso no futuro", disse.
Casos de violência doméstica tendem a ser resolvidos sem denúncias. Nos Estados Unidos, apenas dois em cada cinco casos são reportados à polícia, de acordo com a última pesquisa do Departamento de Justiça dos EUA.
A mesma proporção de mulheres, em torno de 40%, apresentou denúncias de violência no relacionamento.
"Acho que ficou claro que as sobreviventes estão tomando decisões racionais quando optam por não denunciar seu caso", disse Alexandra Brodsky, advogada de direitos civis e autora do livro Justiça Sexual.
"É feita uma análise de custo/benefício e, muitas vezes, esse cálculo mostra que é melhor não informar", segundo a especialista.
Na hora de colocar na balança, pesa muito o medo de uma dolorosa investigação e julgamento - e o medo de que ninguém acredite nelas.
Ambos os temores foram demonstrados na resposta recebida por Heard, disse Kelly Sundberg, professora da Ashland University e autora de Goodbye Sweet Girl, um livro de memórias sobre sua experiência em um relacionamento abusivo.
"Há uma razão pela qual a maioria das pessoas mantém seus abusos privados", disse ele.
"Mesmo se ela [Heard] tivesse vencido, isso teria um efeito assustador nas vítimas, porque ninguém quer ser desacreditado como ela foi", disse Sundberg.
"Se eu tivesse recebido esse tipo de resposta antes de escrever meu livro, acho que não me sentiria segura em publicá-lo", disse ela.
"Foi horrível", acrescentou Bedera. "As pessoas a chamavam de psicopata, mentirosa, diziam que ela era louca, que era manipuladora, diziam que ela merecia o que aconteceu."
Padrões duplos
Na última semana do julgamento, Heard, mãe solteira de uma filha de 1 ano, falou sobre o assédio durante o julgamento, dizendo que recebeu "centenas de ameaças de morte regularmente, se não diariamente".
"As pessoas querem me matar, me dizem todos os dias. As pessoas querem colocar meu bebê no micro-ondas e me dizem", disse ele. "Tem sido uma agonia."
Durante o julgamento, o tribunal ouviu gravações de Heard em que ela parecia zombar e intimidar seu ex-parceiro. Em um vídeo, a atriz admite ter "batido" em Depp antes de pedir para ele não ser um "bebê".
"Diga ao mundo, Johnny", ela exige dele em outras imagens, gravadas em 2016. "Diga a eles: 'Eu, Johnny Depp, um homem, também sou vítima de violência doméstica'".
Essas gravações eram frequentemente usadas como prova nas mídias sociais de que Heard estava mentindo e que ela era a agressora "real" em seu relacionamento.
Mas esse mesmo escrutínio não parecia se aplicar a Depp.
O tribunal ouviu várias testemunhas - incluindo uma de suas ex-namoradas, a atriz Ellen Barkin - descrever o suposto abuso de drogas e álcool e tendências violentas do ator.
Em áudio gravado, o júri ouviu Depp gritando insultos e obscenidades para Heard, e viu mensagens dizendo que desejava que sua ex-mulher morresse.
"Houve um duplo padrão, com certeza", disse Bedera.
"Johnny Depp também disse algumas coisas realmente horríveis. Mensagens de texto sobre a ideia de estuprar e assassinar Amber Heard me vêm à mente", disse a especialista. "Muitas pessoas foram rápidas em dizer 'foi apenas uma piada' na época."
Possíveis repetições
Especialistas também temem que o caminho legal seguido por Depp, abrindo um processo de difamação, possa ser usado por autores de abusos.
"Uma coisa que realmente faltou na cobertura é que Heard não processou Depp por abuso", disse a advogada Alexandra Brodsky. "Foi Depp quem processou Heard por dizer que ela foi abusada, e nem mesmo por ele."
Brodsky descreveu uma "horda" crescente de advogados e consultores de relações públicas aconselhando jovens sobre como limpar seus nomes depois de serem acusados de agressão sexual na faculdade.
"Muito disso são processos por difamação, ou pelo menos ameaças de processos por difamação. Vimos essa estratégia se espalhar", confirmou.
Neste caso, após seis semanas de depoimentos, o júri decidiu por unanimidade que Heard havia difamado Depp no texto no jornal. "O júri me deu minha vida de volta", disse o ator em um comunicado após o veredicto.
Mas buscar indenização por difamação se torna "alarmante" quando os perpetradores a usam como estratégia de relações públicas, disse Brodsky.
"A verdade é que, não importa o que acontecesse no final do julgamento, Depp teria se tornado, pelo menos para algumas pessoas, o herói", disse ela. "Estou realmente preocupado com o efeito 'copiador'."
Ao mesmo tempo, esses casos atuam como um impedimento para as vítimas em geral, disse ela.
"Alguém vê seu amigo, colega de classe ou uma celebridade enfrentando um processo de difamação e diz: 'Não quero lidar com isso'."
Fonte:https://www.bbc.com/portuguese/geral-61693336
Por que Johnny Depp perdeu julgamento no Reino Unido, mas teve vitória nos EUA
- Robin Levinson-King
- BBC News
Em 2020, o ator Johnny Depp perdeu um processo no Reino Unido que ele moveu contra o jornal Sun.
Mas, na quarta-feira, ele venceu um processo similar contra sua ex-mulher Amber Heard numa corte dos Estados Unidos.
No início do julgamento mais recente, muitos analistas do direito afirmaram que Depp tinha uma chance de ganhar menor do que no caso do Reino Unido, porque os EUA têm fortes proteções à liberdade de expressão.
O fato de que o júri considerou Heard culpada por difamação por conta de um artigo em que ela disse ter sido vítima de violência doméstica significa que eles não acreditaram no depoimento dela.
Mark Stephens, um advogado especializado em mídia, disse à BBC que é "muito raro" que um mesmo caso julgado nos dois países tenha resultados diferentes.
Ele acredita que o principal fator a influenciar a vitória de Depp nos EUA foi o fato de que seu julgamento no país foi decidido por um júri. Já o julgamento no Reino Unido, por causa de um artigo no qual ele foi chamado de "agressor de esposa", foi decidido por um juiz.
"Amber Heard foi fortemente derrotada no tribunal da opinião pública e no júri", ele disse.
Tanto no julgamento no Reino Unido quanto nos EUA, os advogados de Depp afirmaram que Heard havia mentido - para defender esse ponto, eles atacaram sua personalidade e disseram que ela, na verdade, era a pessoa abusiva da relação.
Essa é uma tática de defesa comum em julgamentos sobre assédio sexual e violência doméstica, conhecida como "negar, atacar e inverter vítima e agressor" ou "Davo" (iniciais das palavras em inglês), diz Stephens.
A estratégia tenta virar o jogo em cima da suposta vítima, mudando o debate de "o acusado cometeu abusos" para "a suposta vítima é credível?".
"Eles negam ter feito qualquer coisa, eles negam terem sido os perpetradores, e eles atacam a credibilidade do indivíduo que denunciou o abuso, e então eles invertem os papéis de vítima e agressor", diz Stephens.
No julgamento do Reino Unido, Stephens diz que o juiz reconheceu a estratégia e rejeitou várias provas que não respondiam diretamente se Depp tinha cometido a violência ou não.
"Advogados e juízes não costumam cair, mas é muito, muito eficiente contra júris", ele disse. Homens tendem a acreditar mais nos argumentos da estratégia, mas juradas também são suscetíveis.
"Pessoas têm um modelo na cabeça de como uma vítima de abusos pode ser e se comportar, e claro que nós sabemos que isso muitas vezes é falso."
Hadley Freeman, uma jornalista do jornal Guardian que cobriu ambos os casos, disse à BBC que outra grande diferença foi o fato de que o julgamento nos EUA foi transmitido na TV, o que transformou o caso "quase num jogo esportivo".
Cada reviravolta do julgamento foi assistida por milhões de pessoas - muitas das quais foram às redes sociais expressar apoio a Depp.
No TikTok, a hashtag #justiceforjohnnydepp (justiça para Johnny Depp) teve cerca de 19 bilhões de visualizações. O júri foi instruído a não ler sobre o caso na internet, mas eles não estavam isolados e puderam manter seus celulares.
Freeman pensa ainda que as críticas do público geral contra Heard foram um efeito colateral do "#MeToo" (movimento pelo qual mulheres relataram ter sofrido abusos).
"'Acredite nas mulheres' (lema divulgado pelo movimento "#MeToo") parece algo muito antigo quando se trata de Amber Heard", ela diz.
Fonte:https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61677816
Amber Heard: 'É fácil esquecer que sou um ser humano'
- Bernd Debusmann Jr
- BBC News, Washington
Amber Heard diz que se sentiu humilhada e enfrentou centenas de ameaças de morte diárias depois de testemunhar no julgamento do processo de difamação movido pelo ex-marido, o ator Johnny Depp, contra ela.
Na quinta-feira (26/05), último dia de julgamento antes das considerações finais, a atriz declarou: "Talvez seja fácil esquecer, mas eu sou um ser humano".
Depp, de 58 anos, está processando Heard, de 36, por causa de um artigo que ela escreveu em que dizia ter sido vítima de abuso doméstico. A atriz apresentou uma reconvenção — ou seja, processa Depp de volta. Eles negam repetidamente as acusações.
Ao longo de mais de um mês de depoimentos, os jurados foram apresentados a versões totalmente diferentes de incidentes que ocorreram ao longo dos dois anos conturbados em que o casal viveu junto.
Os atores acusam um ao outro de ser o agressor no relacionamento e convocaram testemunhas para depor em seu nome. Várias testemunhas chamadas pela equipe de Depp contradizem diretamente as alegações de Heard.
"Eu sei quantas pessoas vão aparecer e dizer qualquer coisa por ele", disse Heard no tribunal na quinta-feira. "Esse é o poder dele. É por isso que escrevi o artigo. Eu estava falando desse fenômeno."
O depoimento de Heard na quarta-feira também levou a um diálogo tenso com Camille Vasquez — a advogada de Depp que virou celebridade nas redes sociais — sobre uma imagem de vinho derramado. É uma das várias fotos que Heard apresentou, supostamente de uma grande briga que o casal teve em 2016, que teria terminado com Depp a agredindo.
A certa altura, Heard se virou para os jurados e alegou que as fotos haviam sido editadas pelos advogados de Depp em prol do caso do ex-marido.
"Eu agradeceria se você não estivesse argumentando com o júri", disse Vasquez severamente. "Não te perguntei sobre nada."
Ao longo de seu depoimento, Heard negou repetidamente as acusações de que estava mentindo ou enganando os jurados durante o julgamento.
Seu testemunho, ela acrescentou, havia levado a "centenas" de ameaças de morte diárias e a forçou a "reviver o trauma" de seu casamento.
"Isso é horrível... é humilhante para qualquer ser humano passar por isso e talvez seja fácil de esquecer, mas eu sou um ser humano", ela disse.
"Como estou aqui hoje, não posso ter uma carreira. Não posso nem ter pessoas associadas a mim por causa das ameaças e dos ataques que terão de suportar."
Depp está pedindo US$ 50 milhões em danos morais pelo artigo de 2018 que Heard escreveu no jornal americano The Washington Post, no qual disse ter sido vítima de abuso doméstico. Os advogados do ator alegam que prejudicou "incalculavelmente" sua carreira.
Heard está processando Depp também, numa ação em que pede US$ 100 milhões.
Os argumentos finais vão começar nesta sexta-feira (27/5), seguidos pelas deliberações do júri.
Fonte:https://www.bbc.com/portuguese/geral-61603584
Johnny Depp e Amber Heard: 'As pessoas tendem a acreditar em homens poderosos, principalmente alguém com a popularidade do ator'
- Ronald Ávila-Claudio - @ronaldavilapr
- BBC News Mundo
O processo de difamação entre Johnny Depp e Amber Heard não é apenas debatido nos tribunais dos Estados Unidos, mas também no "tribunal da opinião pública".
As imagens de ambos os atores viralizaram nas redes sociais. Centenas de milhares de pessoas assistem a audiências transmitidas no YouTube ou canais de televisão.
O julgamento, que acontece no Estado americano da Virgínia, começou em 11 de abril, depois que Depp processou a atriz por uma suposta acusação falsa de violência doméstica.
Ao longo de três semanas, uma série de testemunhas — incluindo os dois artistas — revelaram detalhes íntimos do relacionamento. O júri, o juiz e o público ouviram diversas histórias do casal sobre brigas, insultos e ciúmes.
Heard afirmou, entre outras coisas, que seu ex-marido, com quem se casou em 2015, abusou sexualmente dela. Enquanto o protagonista de "Piratas do Caribe" insistiu que nunca cometeu tais atos e que, pelo contrário, foi vítima de abuso verbal e físico por parte dela.
Algumas vozes sugerem que a opinião pública está do lado do ator e que isso é demonstrado pelos comentários e milhões de hashtags a seu favor nas redes sociais. Outros alertam que o caso pode ter impacto nas vítimas de violência doméstica.
As audiências judiciais estão em recesso e recomeçam no próximo dia 16 de maio.
A BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC, falou sobre essas questões com a professora Carrie N. Baker, que leciona no Smith College e tem doutorado em Estudos da Mulher pela Emory University, nos Estados Unidos.
Baker também é advogada especializada em assédio sexual.
BBC News Mundo: Como a Sra. descreve o processo entre Amber Heard e Johnny Depp?
Carrie N. Baker: Trata-se de um processo por difamação. É comum que uma pessoa acusada de abuso entre com esses tipos de ações judiciais. Mas ao contrário de outros lugares, como em algumas partes da Europa, nos EUA temos fortes proteções à liberdade de expressão garantidas pela Primeira Emenda da Constituição.
É muito difícil ganhar um processo por difamação, principalmente se você for uma figura pública como Johnny Depp. No entanto, o público reagiu muito positivamente em relação a ele. Ainda assim, ficaria muito surpresa se ele acabar ganhando o caso.
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