Pesquisa mostra que 6 a cada 10 brasileiros
convivem com algum grau de insegurança alimentar — Foto: Pixabay/Imagem ilustrativa
Brasil em fome: só 4 em cada dez brasileiros se alimentam regularmente
Em 2022, são 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer; 58,7% da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau
Conviver com a fome se tornou parte do
dia a dia de milhares de brasileiros que não têm acesso à alimentação adequada.
De acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto
da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgado nesta quarta-feira (8) pela Rede
Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede
PENSSAN), 6 a cada 10 brasileiros convivem com algum
grau de insegurança alimentar.
O levantamento mostrou que são 125,2 milhões de pessoas nesta situação, o que
representa um aumento de 7,2% desde 2020 e de 60% na comparação com 2018. Já o
número total de pessoas que não tem o que comer, em 2022, chega a 33,1 milhões.
Os dados são preocupantes e revelam
ainda que apenas 4 em cada 10 domicílios conseguem
manter acesso pleno à alimentação. Os outros 6 lares se dividem numa escala,
que vai dos que permanecem preocupados com a possibilidade de não ter alimentos
no futuro até os que já passam fome.
A edição recente da pesquisa apontou
que mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com a fome em algum
nível. O que significa que apenas 41% da população se
alimenta em quantidade e qualidade adequados.
Segundo o estudo, a segurança alimentar
pode ser definida como a situação em que há acesso pleno e estável a alimentos
qualificados e em quantidade necessária. Já a insegurança é dividida em três
categorias: leve (quando o temor de faltar comida leva a família a restringir a
qualidade dos alimentos), moderada (sem qualidade, há alimentos em quantidade
insuficiente para todos) e grave (quando ninguém acessa alimentos em quantidade
suficiente e se passa fome).
“Já não fazem mais parte da realidade
brasileira aquelas políticas públicas de combate à pobreza e à miséria que,
entre 2004 e 2013, reduziram a fome a apenas 4,2% dos lares brasileiros. As
medidas tomadas pelo governo para contenção da fome hoje são isoladas e
insuficientes, diante de um cenário de alta da inflação, sobretudo dos
alimentos, do desemprego e da queda de renda da população, com maior
intensidade nos segmentos mais vulnerabilizados”, avalia Renato Maluf,
coordenador da Rede PENSSAN.
Detalhes
da fome
A
fome é mais presente:
- Na
região Norte e Nordeste: os números chegam, respectivamente, a 71,6% e 68% – são índices expressivamente
maiores do que a média nacional de 58,7%.
- No
campo: Nas áreas rurais, a insegurança alimentar (em todos os níveis) esteve
presente em mais de 60% dos domicílios.
- Nas
casas de pessoas negras: Cerca de 65% dos lares comandados
por pessoas pretas ou pardas convivem com restrição de alimentos em
qualquer nível.
- Nos
lares chefiados por mulheres: Nas casas em que a mulher é a pessoa de
referência, a fome passou de 11,2% para 19,3%.
- Em
famílias de baixa renda: Em 67% dos
domicílios com renda maior que um salário mínimo por
pessoa, o acesso a alimentos é pleno e garantido.
- Em
domicílios com responsáveis sem escolaridade: Há fome em 22,3% dos domicílios com responsáveis
com baixa escolaridade.
A
pesquisa
As estatísticas foram coletadas entre
novembro de 2021 e abril de 2022, a partir da realização de entrevistas em
12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, distribuídos
nos 26 estados e no Distrito Federal.
Em muitos lares brasileiros, há dias em que as
panelas e os pratos estão vazios — Foto: Arquivo/Agência Brasil
Com 33 milhões de pessoas passando fome,
Brasil regride três décadas
Pesquisa mostra que 58,7% da população brasileira convive com a
insegurança alimentar em algum grau – leve, moderado ou grave (fome)
Atrelada à inflação e ao desemprego,
a fome avança no Brasil. Há ao menos 33 milhões de pessoas passando fome. É
quase o dobro do estimado em 2020. São 14 milhões de novos brasileiros em
situação de fome em pouco mais de um ano. O país regrediu quase 30 anos. Em
1993, havia 32 milhões sem ter o que comer diariamente, segundo o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Os dados mais recentes da fome foram divulgados nesta quarta-feira
(8) pelo 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no
Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, feito pelo
Instituto Vox Populi a pedido da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e
Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) – parceria das
organizações Ação da Cidadania, ActionAid Brasil, Fundação Friedrich Ebert
Brasil, Ibirapitanga, Oxfam Brasil e Sesc.
As estatísticas foram coletadas entre novembro de 2021 e abril de
2022, a partir de entrevistas em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais
de 577 municípios, nos 26 estados e no Distrito Federal. A Segurança Alimentar
e a Insegurança Alimentar foram medidas, mais uma vez, pela Escala Brasileira
de Insegurança Alimentar (Ebia), também usada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
O 1º inquérito, divulgado em abril do ano
passado, estimava em 19 milhões o total de brasileiros que não tinham nada para
comer em 2020, cerca de 9 milhões a mais que em 2018, quando eram 10,3 milhões
de pessoas nessa situação. A crise provocada pela pandemia do coronavírus está
diretamente relacionada ao avanço, ainda maior, da fome nos últimos dois anos.
Mais da metade da população convive com a insegurança alimentar
A edição recente da pesquisa mostra que mais da metade (58,7%) da
população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau – leve,
moderado ou grave (fome).
O país regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990.
A pesquisa anterior, de 2020, mostrava que a fome no Brasil tinha voltado a
patamares equivalentes aos de 2004.
“A continuidade do desmonte de políticas públicas, a piora no
cenário econômico, o acirramento das desigualdades sociais e o segundo ano da
pandemia da Covid-19 tornaram o quadro desta segunda pesquisa ainda mais “A
pandemia surge neste contexto de aumento da pobreza e da miséria, e traz ainda
mais desamparo e sofrimento. Os caminhos escolhidos para a política econômica e
a gestão inconsequente da pandemia só poderiam levar ao aumento ainda mais
escandaloso da desigualdade social e da fome no nosso país”, aponta Ana Maria
Segall, médica epidemiologista e pesquisadora da Rede Penssan.
Confira outros
destaques da pesquisa
Norte e Nordeste mais
impactados novamente
A insegurança alimentar segue como uma questão que atinge as
regiões do Brasil de forma desigual. No Norte e no Nordeste, os números chegam,
respectivamente, a 71,6% e 68% – são índices expressivamente maiores do que a
média nacional de 58,7%. A fome fez parte do dia a dia de 25,7% das famílias na
região Norte e de 21% no Nordeste. A média nacional é de aproximadamente 15%,
e, do Sul, de 10%.
O campo passa mais fome
O mesmo agravamento é percebido quando se compara o campo e a
cidade. Nas áreas rurais, a insegurança alimentar (em todos os níveis) esteve
presente em mais de 60% dos domicílios. Destes, 18,6% das famílias convivem com
a insegurança alimentar grave (fome), valor maior do que a média nacional. E
até quem produz alimento está pagando um preço alto: a fome atingiu 21,8% dos
lares de agricultores familiares e pequenos produtores. A pobreza das
populações rurais associada ao desmonte das políticas de apoio às populações do
campo, da floresta e das águas, seguem impondo escassez.
perverso”, segundo a Rede Penssan.
A fome atinge mais as
pessoas pretas e pardas
Neste segundo inquérito, fica evidente, mais uma vez, que a fome
tem cor. Enquanto a segurança alimentar está presente em 53,2% dos domicílios
onde a pessoa de referência se autodeclara branca, nos lares com responsáveis
de raça/cor preta ou parda ela cai para 35%. Em outras palavras, 65% dos lares
comandados por pessoas pretas ou pardas convivem com restrição de alimentos em
qualquer nível. Comparando com o 1º Inquérito Nacional da Rede Penssan, de 2020,
em 2021/2022, a fome saltou de 10,4% para 18,1% entre os lares comandados por
pretos e pardos.
A fome atinge mais as as
mulheres
As diferenças são expressivas na comparação entre os lares
chefiados por homens e os lares chefiados por mulheres no período dos dois
Inquéritos da Rede Penssan. Nas casas em que a mulher é a pessoa de referência,
a fome passou de 11,2% para 19,3%. Nos lares que têm homens como responsáveis,
a fome passou de 7,0% para 11,9%. Isso ocorre, entre outros fatores, pela
desigualdade salarial entre os gêneros.
Fome dobrada nos lares com
crianças
Em pouco mais de um ano, a fome dobrou nas famílias com crianças
menores de 10 anos – de 9,4% em 2020 para 18,1% em 2022. Na presença de três ou
mais pessoas com até 18 anos de idade no grupo familiar, a fome atingiu 25,7%
dos lares. Já nos domicílios apenas com moradores adultos a segurança alimentar
chegou a 47,4%, número maior do que a média nacional.
Para a fome sumir, é preciso
ter renda
A fome quase desaparece nos lares com renda superior a um salário
mínimo por pessoa. Em 67% dos domicílios com renda maior que um salário mínimo
por pessoa, o acesso a alimentos (segurança alimentar) é pleno e garantido.
Porém, se em 2020 não havia domicílios com renda maior que um salário mínimo
por pessoa em situação de fome, no início de 2022 essa deixou de ser uma garantia
contra a privação do consumo de alimentos – consequência da crise econômica e
dos reajustes do salário mínimo abaixo da inflação. Agora, 3% dos lares nesta
faixa de renda tem seus moradores em situação de fome, e 6% convivem com algum
grau de restrição quantitativa de alimentos (insegurança alimentar moderada) e
24% não conseguem manter a qualidade adequada de sua alimentação (insegurança
alimentar leve).
Sem documento e sem comida
na mesa
A fome é maior nos domicílios em que a pessoa responsável está
desempregada (36,1%), trabalha na agricultura familiar (22,4%) ou tem emprego
informal (21,1%). Já a segurança alimentar é maior nos lares onde o chefe da
família trabalha com carteira assinada, chegando a 53,8% dos domicílios.
A fome atinge quem não consegue
chegar às escolas
Há fome em 22,3% dos domicílios com responsáveis com baixa
escolaridade — 4 anos ou menos de estudo. Em 2020 esse percentual era de 14,9%.
O maior percentual de segurança alimentar é em domicílios cujos responsáveis
têm mais de 8 anos de estudo: 50,6%.
Falta água para beber e para
cozinhar
A falta de acesso regular e permanente à água — também conhecida
como insegurança hídrica — é uma realidade para 12% da população geral
brasileira. A insegurança alimentar moderada esteve presente em 22,8% desses
lares, e a fome, em 42,0%. A insegurança alimentar se manifesta em 48,3% dos
lares com restrição de acesso à água na região Norte, em 43,0% no Sudeste, em
41,8% do Centro-Oeste e em 41,2% no Nordeste. Onde falta água, também falta
alimento.
A vergonha de sentir fome
De todas as famílias entrevistadas pela pesquisa, 8,2% relataram
sensação de vergonha, tristeza ou constrangimento pelo uso de meios que ferem a
dignidade para conseguir colocar comida na mesa. Isso corresponde a 15,9
milhões de pessoas no Brasil, que foram obrigadas a usar de meios social
e humanamente inaceitáveis, para obtenção de alimentos. Nessa faixa, 24,3%
convivem com as manifestações mais severas de insegurança alimentar (moderada
ou grave).
A fome para quem tem dívidas,
ou precisa vender bens de trabalho e parar de estudar
Dos entrevistados que informaram endividamento, 49,1% passaram por
insegurança alimentar moderada e grave. Já dos que relataram venda de bens ou
equipamentos de trabalho, 48,7% também estavam nessa mesma situação. E entre os
que contaram que precisaram parar de estudar para contribuir com a renda
familiar, são 55,2% nesses recortes mais graves de insegurança alimentar.
O alimento sai da despensa,
a fome entra pela porta
Cerca de metade das famílias que deixaram de comprar, nos últimos
3 meses, arroz, feijão, vegetais e frutas convivem com a insegurança alimentar
moderada ou grave. Entre as famílias que deixaram de comprar carnes nos
três meses anteriores à pesquisa, 70,4% passavam fome. Dados semelhantes foram
encontrados nos lares onde os moradores não haviam comprado frutas (64%) e
vegetais (63,6%).
Fonte: https://www.otempo.com.br/politica/governo/com-33-milhoes-de-pessoas-passando-fome-brasil-regride-tres-decadas-1.2680546
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