A HISTÓRIA DE AMOR DE ALESSANDRA E DOM PHILLIPS

 Três paixões de Dom Phillips, o jornalista desaparecido na Amazônia: o sol, a praia e Alessandra, a Alê

UMA BAIANA, UM INGLÊS, O SONHO

A história de amor de Alessandra e Dom Phillips

Era uma vez uma baiana e um inglês. Eles se conheceram no Rio, numa festa em Santa Teresa, mas foi no dia seguinte, na praia do Arpoador, que “rolou um clima fortíssimo”. A madrinha desse encontro foi Iemanjá, os dois sempre tiveram certeza. Duas semanas antes, Dominic Mark Phillips havia pedido à rainha do mar uma brasileira legal para ele se apaixonar. 

Surgiu a morena Alessandra, a impulsiva Alê. Moquecas e cervejas alimentaram esse início de amor. Acordavam cedo, faziam meditação, curtiam açaí, música popular brasileira e africana, Fela Kuti e Alabama Shakes, comida baiana, indiana e tailandesa, ele melhor que ela na cozinha. Foram nove anos de conexão. Até domingo, quando Dom desapareceu num rio da floresta que, para ele, era sinônimo de Deus. 

Alê e Dom tinham um sonho de família. Queriam adotar duas crianças. Seria mais um elo desse jornalista inglês com o Brasil. Mais um compromisso de amor. Esse desejo foi abortado abruptamente. Alê acha agora que sua missão é tentar ser “mãe” de muitos em projetos voluntários. “Não acredito mais que encontre vivo o amor de minha vida. Só quero encontrar o corpo dele”.

“Há duas semanas, a gente foi jogar flores na Praia do Buracão, em Salvador”, me conta Alessandra nessa conversa de uma hora por vídeo. As lágrimas brotam.  “Flores no mar eram nosso ritual anual. Dom era autêntico, doce, original. Em sua primeira oferenda a Iemanjá, me disse que ofereceu o que tinha à mão, um copo de cerveja (sorriso). Nada mais inglês”. Foi na areia que Dom se ajoelhou e a pediu em casamento. Queria ir de sandálias havaianas para o cartório mas foi impedido por amigos... O casal se mudou para Salvador depois de ser assaltado no Rio com faca. 

Alê usa verbos no passado quando se refere a Dom. Era, fazia, pensava, gostava, queria. Diz estar “resignada”. Acredita ter sido preparada para enfrentar essa perda. Por uma coincidência ou um desígnio que não tenta explicar. Durante a pandemia, ela, que não tinha religião, comprou um livro de Alan Kardec. 

“Eu descobri o espiritismo, me encontrei no kardecismo, uma doutrina que respeita a ciência, a lógica, a evolução e só deseja ajudar o outro”. É o que a ampara nesse momento de muita dor, além da irmã e da imensa rede de jornalistas amigos pelo mundo. “Estou apagando à noite. Rezo. Agradeço pelo convívio com um homem que amava o ser humano. Amava tanto que queria escutar a todos, dar voz a todos. Fazendeiros, garimpeiros. Não falava em vilões. Não queria demonizar ninguém. Sua missão era esclarecer as complexidades da Amazônia. Nunca sofreu ameaça, se encantou pelos povos indígenas, dizia que não me levava porque eu não ia querer voltar”. 

O maior barato da conversa com Alê não foi conhecer o Dom obstinado como jornalista, treinado pelo Washington Post e pelo Guardian, e parceiro do indigenista Bruno Araújo, também sumido. Mas conhecer o Dom que falava “perrrrrengue” com sotaque do interior paulista, que era apaixonado por stand-up paddle, que era amigo de todo mundo, de pedreiro a surfista, que não tinha “nenhum medo de ridículo” ao sambar desengonçado, que dava aula de inglês nas comunidades. 

Esse homem muito branco de olhos azuis fez gargalhar um monte de índios quando se desequilibrou sobre um tronco ao atravessar um rio, no Pará. Caiu com mochilão pesado, se encharcou todo. Ele adorava contar essa história. Os índios o provocaram. “Você não tem força?” Que poder incrível de espalhar alegria Dom tinha. Tem. E sempre terá, se depender de nossa memória. 

Fonte:https://blogs.oglobo.globo.com/ruth-de-aquino/post/historia-de-amor-de-ale-e-dom.html


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