'EXU VESTE DIOR': UMA RELEITURA DOS ORIXÁS EM VERSÃO QUEER FASHIONISTA NA INDIVIDUAL DE GUSTAVO NAZARENO EM LONDRES E NA SP-ARTE NO BRASIL
Exu chegando na gira (Por Gustavo Nazareno / Divulgação)
'Exu veste Dior': uma releitura dos orixás em versão queer fashionista na individual de Gustavo Nazareno em Londres e na SP-Arte
Beta Germano entrega os detalhes da nova exposição do artista mineiro, em cartaz no Brasil e na Inglaterra
Gustavo Nazareno nasceu em Três Pontas, em Minas Gerais, onde tinha dificuldade de lidar com a própria sexualidade e sofria por sua condição social: "Venho de uma família humilde, de empregadas domésticas, que não podia arcar com os meus sonhos, mas eu não cabia em mim, foi difícil". O escape foi a LAN House da cidade onde, pesquisando o significado da palavra "editorial", ele se deparou com uma foto da Caroline Trentini feita por Irving Penn - foi o início de uma fascinação pelo mundo da moda.
Ele tinha apenas 12 quando começou a pesquisar outras referências que hoje aparecem nas pinturas a óleo e desenhos em carvão: Richard Avedon, Steven Meisel, Alexander McQueen, John Galliano para a Dior, além do trabalho de Diana Vreeland e tudo o que saia na Vogue Itália. "Eu esperava as edições ansiosamente e participava de um fórum de discussão e especulação sobre as próximas capas!", se diverte.
Se a paixão pela luz e sombra de Penn acabou instigando o artista a pesquisar fotografias de moda, o encontro com o renascentista Rafael Sanzio o levou a estudar profundamente a anatomia humana. "Eu não tinha recurso para contratar modelo, então passei minha adolescência inteira desenhando o corpo humano para entendê-lo", explica o artista.
Em 2018, uma Preta velha falou para a tia de Nazareno que ela precisava trazê-lo para São Paulo. E foi o que ela fez. Sabendo das habilidades do artista, o pai de santo do terreiro paulista logo encomendou sete desenhos, foi quando Nazareno mergulhou profundamente na pesquisa dos orixás para retratá-los.
"Eu estava deprimido em Três Pontas, o luxo e a opulência era o que me inspirava, e foi o que eu encontrei no terreiro de São Paulo...os orixás são magníficos e gostam de luxo. E é um mundo que dialoga muito com a moda. Numa gira, por exemplo, é importante levar uma roupa para se exibir, para agradar a entidade e mostrar respeito", explica o artista.
"Eu me identifico muito com o auge do glamour e das tops dos anos 90, só faltava a representatividade que temos hoje", pontua. Alguma dúvida de que o orixá do artista é Exu? "Mas a vida não estava fácil, minha família não podia me sustentar e eu tinha que escolher entre comprar material ou comer.
Então, pedi ajuda a Exu para ter prosperidade. E ele me encomendou 300 desenhos". No ateliê montado no próprio terreiro nascia, assim, a série Gira como uma oferenda artística. "Acho que Exu sempre esteve do meu lado e essa foi uma forma poética dele me falar que eu não ia conseguir nada sem muito trabalho duro'', revela o artista. Ele é o orixá do trabalho e da justiça, e também aceita o erro e suas consequências - o que tem tudo a ver com o mundo da comunicação e criação. É preciso, afinal, errar muito para produzir algo inovador. "Ele é a própria potência de vida, um catalisador para a mudança e alegoria da beleza, sensibilidade e realização", descreve Deri no texto curatorial.
É interessante notar, ainda, que Nazareno elabora a exposição como um desfile, "Exu precisa de uma roupa maravilhosa para começar e para terminar esse show", ressalta. As obras de diferentes cores, texturas e dimensões são montadas para conduzir o próprio espectador numa dança, fazendo a gira. Ele transforma, assim, a própria galeria num terreiro, um espaço para culto da entidade.
A escolha de Exu também é uma tentativa de desfazer a imagem negativa do orixá por motivos de preconceito racial e colonial - por ele ser a mais carnal das entidades acabou sendo "demonizada". Produzidas em estado de meditação e oração, as pinturas a óleo e desenhos em carvão apresentam um Exu triunfante - o oposto de sua representação negativa usual perpetuada pelo colonialismo.
Para elaborar suas narrativas poéticas, Nazareno escreve fábulas e, das palavras, nascem os personagens e cenas. Para definir as poses do orixá, ele começou a pesquisar sobre os bailes de Voguing . "Percebi que aqueles bailes são cerimônias muito parecidas com as giras. Aqueles personagens celebravam a moda sem fazer parte dela, eram marginalizados de certa forma, como os terreiros. Vivemos em um país muito preconceituoso e as giras tinham que ser escondidas. Ambos estavam tentando criar um mundo em que eram aceitos", explica.
O claro e escuro, noite e dia, clareza e sombra, humano e mutante, masculino e feminino - a fusão de diferentes dualidades é recorrente em Exu e presente nas narrativas de Nazareno, que aos poucos se apaixonou pelo universo queer. Exu é o orixá do corpo e da carne e, por isso, o processo de desenhar com os dedos é de grande importância e simbologia.
Acabou tornando-se o grande mensageiro da mitologia iorubá expressa pelo artista, mas outras entidades aparecem pontualmente: Maria Padilha, Oxumaré, Iemanjá, Ossain, Omolu e Preto Velho também podem protagonizar as telas. Há, ainda, muito encanto, esplendor e ensinamento da cultura iorubá para entrar nessa dança.
Outros ensaios para o tempo
De 8 até 29 de junho
Nara Roesler
Fables on Exu
De 29 de Maio até 24 de Junho
Gallery 1957
Fonte:https://vogue.globo.com/Vogue-Gente/noticia/2021/06/exu-veste-dior-uma-releitura-dos-orixas-em-versao-queer-fashionista-na-individual-de-gustavo-nazareno-em-londres-e-na-sp-arte.html
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