ABISMO QUE SEPARA BIONÁRIOS E MILIONÁRIOS VAI ALÉM DA MATEMÁTICA

 

WASHINGTON, DC - MARCH 09: Elon Musk, founder and chief engineer of SpaceX speaks at the 2020 Satellite Conference and Exhibition March 9, 2020 in Washington, DC. Musk answered a range of questions relating to SpaceX projects during his appearance at the  (Foto: Getty Images)

Elon Musk, CEO da Tesla Motors e um dos maiores bilionários do planeta (Foto: Getty Images)

Abismo que separa bilionários e milionários vai além da matemática

"Entre um e outro há um impacto social muito diferente”, diz especialista, explicando o espaço particular que Elon Musk e gigantes filantropos como Bill Gates ocupam na economia

"A diferença entre pessoas bem sucedidas (milionários) e pessoas super bem sucedidas (bilionários) se resume ao fato de que [quem detém bilhões em patrimônio] tem prazer em fazer dinheiro, mas não gosta de gastá-lo”. É o que diz Rafael Badziag, especialista em psicologia dos negócios em seu livro de 2019, The Billion Dollar Secret: 20 Principles of Billionaire Wealth and Success (ainda não lançado em português), fruto de uma pesquisa com 21 super ricos para entender o que faz um bilionário ser o que é. E faz sentido: quem gasta mais do que ganha dificilmente vai encontrar uma melhor situação financeira no futuro, quanto menos cravar altas posições no índice Bloomberg ou na lista da Forbes. Além do quê, histórias de super ricos com hábitos simples também não são lá coisa incomum.

Mas a máxima do especialista pode ser insuficiente para abarcar a dificuldade em entender a diferença entre dois mundos completamente diferentes - milionário e bilionário, muitas vezes agrupados no mesmo balaio de ‘ricos’ como um grupo de sertanejo das antigas. Mas não é apenas um ‘m’ trocado por um ‘b’, e mesmo a pura diferença numérica, de três zeros à direita, falha em captar a posição muito particular que o bilionário ocupa na economia.

Para Ricardo Teixeira, coordenador do MBA de Gestão Financeira da FGV, é importante focar justamente em como ambos os grupos gastam seu dinheiro - gostando ou não. A começar pelo básico: “Quando você se torna um bilionário, já não se preocupa mais nem na questão da sobrevivência nem na questão do lazer do ponto de vista financeiro”, diz Ricardo. Ao mesmo tempo, a fortuna que geralmente se vê ligada a nomes como Elon Musk e Jorge Paulo Lemann não é a mesma coisa que o dinheiro que você acompanha na sua conta, disponível para consumo. É sim um cálculo baseado no valor dos negócios, ações e de um conjunto de outros ativos, como propriedades, carros e iates de luxo, que esses indíviduos têm controle. Musk, vale lembrar, sequer tem um salário.

Tudo que falamos até agora também pode valer para multimilionários, claro. “Mas no ponto de vista da capacidade de empreender, [o bilionário] é fora de série”, reforça Ricardo. O poder de investimento de quem supera o bilhão é muito maior do que, digamos, o jogador de futebol bem remunerado buscando construir uma casa em um condomínio de luxo ou o empreendedor liderando o crescimento de uma empresa de médio porte. “A diferença na ordem de grandeza entre um e outro tem um impacto social muito diferente”, diz o especialista. “O bilionário vai mudar a vida de pessoas que talvez nem conheça, o impacto é enorme sem que você se dê conta dele. É totalmente diferente.”

A maior iniciativa do terceiro setor em termos de dólar investido é a Fundação Bill e Melinda Gates - são mais de US$ 54 bilhões injetados em iniciativas de educação, vacinação, combate ao HIV e à crise climática - apenas na saúde, a fundação tem peso comparável à própria Organização Mundial de Saúde. Uma fonte importante vem das próprias ações que os Gates ainda detêm na Microsoft desde que Bill deixou seu conselho diretor no ano passado, mas também tem o guru dos investimentos Warren Buffett como apoiador essencial. Caso essas três pessoas deixem de dar suporte à iniciativa - improvável mesmo com o divórcio complicado do casal Gates - estamos falando em um impacto sentido não só por seus mais de 1,6 mil empregados, mas de uma forma ou de outra também pelos 135 países no qual a Fundação deixou sua marca. É um poder simplesmente inatingível para um milionário, reforça Ricardo Teixeira.    

Outro fator que separa os dois grupos é que geralmente o bilionário está em uma posição menos precária - essa população de super ricos, por sinal, cresceu em ano de pandemia, e mesmo em um país assombrado pelo retorno ao Mapa da Fome como o Brasil. Fortunas de bilhões, segundo o especialista, se enraizam. “[O bilionário] já está com seus pés plantados em alguns negócios que provavelmente não vão mudar, ele não vai especular muito”, comenta. Por outro lado, um milionário buscando crescer lida com riscos, como um investimento mal sucedido ou crises econômicas, para quais suas economias estão mais suscetíveis.

Quando se sobe um andar para o clube dos bilhões, “você mantém aquela condição no futuro, salvo situações como valorização ou desvalorização cambial, ou, em um período de desestabilidade em que a economia não vá tão bem, tenha uma inflação que possa não corrigir os ativos na mesma velocidade em que ela avança”, lista o especialista. “Você poderia perder essa posição por algum tempo, mas seu patrimônio se mantém”. 

Levado ao limite, o sentimento ecoa o de Brad Stone, jornalista da Bloomberg e autor do livro Amazon Unbound (2021, ainda não disponível em português), no qual escreve que a companhia fundada pelo bilionário Jeff Bezos está “perigosamente perto de ser invencível”. É um exemplo radical, claro, mas considerando que hoje a Amazon só não supera o próprio governo dos Estados Unidos como geradora de empregos no país, a fala também está longe de ser papo de ficção científica.

Casos como o da Amazon leva a discussões como a levantada pelo economista francês Thomas Piketty, que desde 2013 alerta ao fato que a concentração de renda pode ser nociva para a saúde de uma democracia, já que uma minoria exerce poder através do dinheiro de forma inacessível à maioria da população. Em abril, o Fundo Monetário Internacional emitiu alerta que um aumento da desigualdade causado pela pandemia da covid-19 poderia aumentar o risco de uma “maior instabilidade social”.

Rafael acredita que, embora o aprofundamento das desigualdades seja um problema, a figura do bilionário é parte natural do sistema econômico. Os super ricos não vão desaparecer da noite para o dia, mesmo que o levante de gigantes tech como Google e Apple transformem a natureza da fortuna em si: longe do controle de propriedade e terra que caracterizava as grandes riquezas do pós-Revolução Industrial, ser um grande bilionário hoje significa operar em ideias e dados, mercado que prioriza acesso no lugar da escassez do passado - mas onde nem tudo são rosas.

Há ainda a questão da herança  - “Até que ponto se considera que você pode passar para outras gerações que não trabalharam o dinheiro que você conseguiu produzir”, resume o especialista. Bola levantada este mês pela Organização para a Cooperação e desenvolvimento Econômico (OCDE) em relatório na qual defende a taxação de heranças como uma das ferramentas para a recuperação econômica pós-pandemia. “Os números mostram que são os mais ricos que mais se beneficiam de patrimônio herdado e que a concentração de riqueza tem crescido nas mãos do 1% e dos 10% mais ricos, criando um círculo vicioso”, diz em comunicado Pascal Saint-Amans, diretor do Centro de Políticas Tributárias da OCDE. No Brasil, o imposto sobre herança, ou ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) é de competência estadual e tem a alíquota máxima de 8% - bem abaixo de outros países, como Coreia do Sul e Japão, onde a taxa chega aos 50%.

Fonte:https://gq.globo.com/Lifestyle/Poder/noticia/2021/05/diferenca-bilionarios-milionarios.html


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