INFÂNCIA ROUBADA: COMO RECONHECER UMA CRIANÇA QUE ESTÁ SOFRENDO ABUSO SEXUAL E QUAIS OS DANOS PSÍQUICOS CAUSADOS - ANDRÉA LADISLAU,PSICANALISTA
Artigo escrito pela doutora em psicanálise Andréa
Ladislau sobre a "Infância roubada: como reconhecer uma criança que está
sofrendo abuso sexual e quais os danos psíquicos causados?".
"Infância
roubada: como reconhecer uma criança que está sofrendo abuso sexual e quais os
danos psíquicos causados?", por Andréa Ladislau, psicanalista
Estupro e pedofilia são crimes que demonstram fragilidades sociais no
quesito proteção à infância e adolescência contra a violência sexual no mundo.
Neste contexto, o caso da menina de 10 anos que sofria abuso sexual do tio,
desde os seus seis anos de idade, engravidando no estado do Espírito Santo,
provocou discussões e revolta em todo o país nos últimos dias. A notícia chocou
gerando indignação, decepção, raiva e evidenciou uma violência contra crianças
e jovens que, consequentemente, perdem o direito a uma vivência infantil
saudável e equilibrada.
Infelizmente estatísticas mostram o crescimento da cultura do estupro,
onde 42% dos casos registrados em todo o Brasil ocorrem dentro das casas das
vítimas e apenas 16% dos abusadores são desconhecidos das crianças e/ou jovens
abusados. Além disso, 66% das vítimas são atacadas inicialmente entre os quatro
e seis anos de idade. Estes dados demonstram a importância da escuta, do
cuidado e do acolhimento dessas crianças e jovens - no sentido de evitar que
possam ser marcados por traços de crueldade e perversidade que, certamente,
provocam mudanças severas em sua percepção de valores e na forma como possam
lidar com suas dores e com o mundo a sua volta, possibilitando ainda o
transporte do trauma sofrido para a vida adulta.
A infância é um período da vida em que se dá o fortalecimento da
personalidade, do caráter e dos valores do indivíduo. Uma etapa caracterizada
por aprendizados, zelo familiar, brinquedos, descobertas e o despertar de
sentimentos e emoções confusas e incompreendidas. Um universo marcado por
grandes alterações se for abalado por abuso. Um crime silencioso que anula o
sorriso e rouba a meninice, alimentando em muitas vítimas a sensação de culpa,
inferioridade, fobias e dor.
Diante destes aspectos, a violência sexual acarreta vivências
traumáticas irreparáveis em suas vítimas. A começar pela grande dificuldade em
manifestar verbalmente todo o sofrimento. Nestes casos, a melhor maneira de
reconhecimento dos sinais do abuso é buscar estar atento aos vestígios
apresentados. Pois, diferentemente do que se pensa, as crianças dão pistas de
que algo está fora da normalidade. Podem passar a apresentar distúrbios do sono
(terrores noturnos), episódios de anorexia ou bulimia, baixa autoestima, queda
no rendimento escolar ou dificuldade de aprendizado e concentração, isolamento
social, fobias, agressividade, crises de choro constantes e inesperadas,
bem como episódios de enurese (urinar na cama) mesmo que após superado
anteriormente, inquietação fora do normal, comportamentos hipersexualizados
precocemente e até déficit de linguagem.
Crianças e adolescentes expostos a situações de violência sexual podem
exteriorizar desordens psíquicas, como: depressão, pensamentos suicidas,
ansiedade generalizada, bloqueio sexual e o uso abusivo de drogas. Acarretando,
inclusive, prejuízos evidentes na maturidade de suas relações interpessoais e
afetivas. Além disso, a percepção da realidade e a sua capacidade de confiança
em adultos poderá apresentar sinais de fragilidade. Os reflexos do abuso sexual
no desenvolvimento biopsicossocial da criança e do adolescente devem ser levados
em conta por toda a sociedade, a fim de promover intervenções psicológicas
urgentes ao favorecimento da superação dos traumas sofridos.
Porém, existem algumas ações que podem contribuir para a prevenção do
abuso e da exploração sexual dos indefesos. São elas: o exercício na
eliminação, por parte dos responsáveis, do medo de conversar com as crianças
sobre suas partes íntimas. Identificar e saber nomear o que é íntimo é
fundamental para que a criança possa conseguir verbalizar quando algo fora do
comum acontecer. Outro ponto importante é poder ensinar para a criança quais os
limites do seu corpo, mostrando que não se pode permitir que toquem suas partes
íntimas e que tocar partes íntimas de outra pessoa, conhecida ou não, também
não é permitido. Além disso, incentivar a comunicação e o diálogo - provocando
e promovendo um ambiente de segurança e confiança - podem ser grandes estímulos
para que a criança não se intimide ao contar qualquer coisa para seus
responsáveis ou para quem ofereça a ela proteção e resguardo. Contudo, se faz
necessário, alimentar a autoestima, pois quando o indivíduo se conhece, se
percebe e se ama, mantendo uma relação saudável com seu corpo, facilmente
conseguirá negar situações desagradáveis e desconfortáveis para si. O medo de
não ser aceito não fará parte de seu cotidiano e sua personalidade ganhará
força e autonomia para se posicionar diante de atitudes que possam vir a violar
seus limites e sua individualidade.
A identificação dos abusos nem sempre é uma tarefa fácil, mas esteja
atento a todos os indícios. As mudanças comportamentais acendem o botão
vermelho e apontam a irritação, as dores de cabeça constantes, rebeldias,
raivas, depressão, problemas escolares introspecções, dentre outras alterações,
como alertas evidentes de que algo está errado. Pode ser um pedido de socorro
inconsciente, expondo uma infância marcada por traços de crueldade.
Portanto, toda forma de maus tratos possuí uma dinâmica de perversões
ilimitadas, que se manifesta como um horror contínuo para suas vítimas. O abuso
sexual praticado contra crianças e adolescentes é, sem dúvida, um fenômeno que
envolve muitas variáveis e complexidades, onde o dano psíquico está relacionado
a fatores como: idade do início do abuso; duração do abuso; diferença de idade
entre abusado e abusador; o grau de violência; grau de parentesco entre eles e
o grau de segredo intrínseco no ato violento. Mas independente de tudo isso,
uma coisa é certa: o impacto emocional e social será devastador na vida da
vítima de abuso sexual na infância e/ou adolescência.
A mistura de sentimentos e dúvidas marcará as funções intelectuais,
criativas e mentais dessa criança para sempre. Um composto de culpa, dor e
desamparo fortalecido por uma infância roubada e destruída, como no caso da
menina de 10 anos do Espírito Santo que, amparada pela lei, conseguiu o direito
de interromper a gravidez fruto da violência sofrida por pelo menos quatro anos
seguidos. Por todo o exposto, o acompanhamento e amparo psicológico, médico e
social se faz extremamente necessário na tentativa de resgatar a autoestima, a
confiança e a capacidade de sonhar de uma criança ceifada pela crueldade
sórdida de um adulto perverso e desumano.
Sobre a autora
Dra. Andréa Ladislau
Psicanalista
* Doutora em Psicanálise
* Membro da Academia Fluminense de Letras - cadeira de numero 15 de
Ciências Sociais
* Administradora Hospitalar e Gestão em Saúde
* Pós Graduada em Psicopedagogia e Inclusão Social
* Professora na Graduação em Psicanálise
* Embaixadora e Diplomata In The World Academy of Human Sciences US
Ambassador In Niterói
* Membro do Conselho de Comissão de Ética e Acompanhamento
Profissional do Instituto Miesperanza
* Professora Associada no Instituto Universitário de Pesquisa em
Psicanálise da Universidade Católica de Sanctae Mariae do Congo.
* Professora Associada do Departamento de Psicanálise du Saint
Peter and Saint Paul Lutheran Institute au Canada, situado em souhaites.
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