Confronto
entre presos do PCC e do Sindicato do Crime no Rio Grande do Norte em janeiro
de 2017.
No Brasil do PCC, mais de 30 facções articulam o crime
organizado no sistema penitenciário federal
Apontados
como risco à democracia no país por seu poder e influência política, milicianos
são minoria nos presídios federais, onde predominam presos do PCC, CV e FDN
São Paulo - 19
JUL 2020 - 18:05 BRT
O
Bonde dos Cachorros não é um grupo de funk, os Amigos do Estado não são uma ONG
que firma parcerias com o Governo, o Sindicato RN não defende nenhuma categoria
profissional e Cerol Fino não é um clube de pipa. Estes são os nomes,
desconhecidos para muitos, de algumas das dezenas de facções criminosas
brasileiras que ajudam a compor o complexo cenário do tráfico de drogas e roubos em seus
Estados (respectivamente Pernambuco, Goiás, Rio Grande do Norte e São Paulo) e
no país. À sombra de grupos maiores como o Primeiro Comando da Capital,
Comando Vermelho e Família do Norte —e muitas vezes fazendo alianças com eles—,
estas facções disputam palmo a palmo nos presídios e
nas periferias do país seu quinhão no milionário negócio da venda da cocaína,
maconha e crack.
A relevância crescente destes grupos menores fica clara quando se analisa o
recorte por facções dentro do sistema penitenciário federal, que conta com
cinco unidades de segurança máxima espalhadas pelo país. Nestes presídios onde
não há superlotação —estima-se uma taxa de ocupação de 70% das pouco mais de
800 vagas— nunca foi registrada uma fuga sequer desde a inauguração da primeira
unidade, em 2006. Estas penitenciárias abrigam apenas os detentos considerados
mais perigosos, com potencial para desestabilizar as unidades administradas
pelos Governos estaduais, ou que continuaram a dar as cartas no mundo do crime
mesmo atrás das grades. Fernandinho Beira-Mar (CV), Nem da Rocinha (Amigo dos Amigos), Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola (PCC) e
José Roberto Fernandes Barbosa, vulgo Zé da Compensa (FDN), são alguns dos
custodiados nas federais, que já abrigaram também os irmãos Gerominho e Natalino, fundadores da milícia Liga da
Justiça.
Número de presos por facção
Detentos no sistema penitenciário federal
Fonte: Departamento Penitenciário Nacional
(DEPEN) | EL PAÍS
Agora estes presos famosos
são acompanhados por detentos de ao menos 30 facções e milícias de quase todos os Estados do país, segundo informações
obtidas junto ao Departamento Penitenciário Nacional, ligado ao Ministério da
Justiça e Segurança Pública, pelo EL PAÍS via Lei de Acesso à Informação. São
elas as facções gaúchas Os Manos, Os Abertos e Tauras, a potiguar Massa
Carcerária, o Primeiro Grupo Catarinense e a Primeira Guerrilha do Norte, do
Pará, dentre outras (veja quadro). O número total de facções no país, no
entanto, é maior do que o informado, tendo em vista que algumas delas (como a
Unidos pela Paz e o Comando Pelo Certo, do Rio Grande do Sul) não têm representantes no sistema federal. “É preciso ter
cautela ao analisar estes números. Não podemos dizer que esses são os grupos
nacionais. As duas facções nacionais, presentes em todos os Estados ou na
maioria deles, são o CV e o PCC”, diz o sociólogo Gabriel Feltran, autor do livro Irmãos, Uma História do PCC (Editora Companhia
das Letras).
Apesar
da presença de dezenas de concorrentes, o Primeiro Comando da
Capital, maior facção brasileira inclusive com presença internacional
em outros países da América do Sul, é o grupo com maior número de presos no
sistema federal: são 204 integrantes dentro de uma população de pouco mais de
640 detentos. Logo atrás vem o Comando Vermelho, com 126 presos, e a Família
do Norte, com 50. O quarto e quinto lugar ficam com Guardiães do Estado
(Ceará), com 22 membros, e Nova Okaida (Paraíba), com 14.
Chama a
atenção o baixo número de milicianos presos. Estes grupos paramilitares
fluminenses formados em grande parte por ex-agentes da segurança pública são
apontados como uma das maiores ameaças à democracia no Rio de Janeiro,
controlando territórios onde moram mais de 2 milhões de pessoas, segundo o portal G1. Extorsão, assassinatos,
controle de transportes clandestinos e até a venda de drogas são algumas das
áreas de atuação destes criminosos. Mas um dos maiores riscos da atuação dos
milicianos são as suas bem sucedidas incursões na política, elegendo deputados
e vereadores, além de conseguirem cargos em gabinetes como o do hoje senador Flávio Bolsonaro. No
entanto apenas 12 milicianos estão detidos no sistema federal. Dois deles
integram o Escritório do Crime, grupo criminosos que era supostamente liderado
pelo ex-caveira do Bope Adriano da Nóbrega, morto
na Bahia em 9 de fevereiro durante ação da polícia.
O Escritório
é suspeito de ter participação na morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu
motorista Anderson Gomes em março de 2018, crime que até agora
não foi completamente esclarecido. Outros dois presos integram a lendária Liga
da Justiça, hoje comandada por Wellington da Silva Braga, vulgo Ecko, e
apontada como uma das maiores do Rio com forte presença na zona oeste da
capital e na baixada fluminense. Um integrante da milícia de Jacarepaguá, no
Rio, também está no sistema federal, junto com sete “ex-agentes de segurança
pública” que aparecem no levantamento do Depen sem a especificação sobre o
grupo ao qual pertencem.
O Primeiro
Comando da Capital e a Família do Norte foram as facções que nos
últimos anos “mais tiveram integrantes enviados para o sistema penitenciário
federal, principalmente em resposta à crise nos presídios de Manaus em 2019 e
também devido à transferência da cúpula do PCC”, informou em nota o Depen.
Em fevereiro de 2019 mais de 20 presos do PCC, dentre eles o líder do grupo,
Marcola, foram enviados para o sistema federal a
pedido do Ministério Público de São Paulo após acordo entre os Governos do
Estado e Federal. O objetivo das transferências foi enfraquecer a rede de
comunicação e comando que o grupo havia montado na penitenciária Maurício
Henrique Guimarães Pereira, a P2, em Presidente Venceslau, interior de São
Paulo. Além disso foram descobertos planos de assassinar promotores anti-crime organizado que
teriam sido arquitetados por alguns destes detentos.
Com PCC e CV
crescendo e ampliando sua atuação, resta aos demais grupos mudar sua estratégia
para sobreviver. “Quando estas facções [PCC e CV] se expandem, seguindo essas
trilhas de mercado [rotas de tráfico, mercado e fornecedores de drogas], os
grupos muito locais do tráfico, do roubo, se deparam com grupos ‘de fora’
chegando a seus territórios com mais experiência e com vantagens mercantis
importantes por controlarem as cadeias mercantis. Se quiserem manter o controle
sobre seus territórios, ou esses grupos locais se aliam entre si, ou a uma
facção nacional, ou as enfrentam”, explica Feltran.
A proliferação de facções locais em
alguns Estados pode levar à reorganização das estruturas do crime na região,
com a junção de grupos dispersos em um novo para fazer frente ao inimigo hegemônico.
Em alguns casos esta rivalidade criminal está presente até no nome escolhido:
na Paraíba primeiro foi criada a Okaida (inspirada no nome do grupo terrorista
Al-Qaeda), no início dos anos 2000. Para enfrentá-la e não desaparecer do mapa
as gangues remanescentes se agruparam na facção batizada de Estados Unidos. No
Rio Grande do Sul os Bala na Cara (ou Toma Boca como são conhecidos pelos
rivais) enfrentam uma facção criada à partir da coalizão de vários grupos,
chamada Antibala-V7.
O sistema
penitenciário federal conta com um preso internacional ilustre: é José González
Valencia, 43, vulgo El Chepa ou Camarón, líder do
cartel mexicano Jalisco Nueva Generación (ou Jalisco New
Generation), o segundo maior do país, atrás apenas do grupo de Sinaloa. Ele é apontado pelas
autoridades como o operador financeiro da organização, e foi detido em 2017 em
Fortaleza enquanto passava férias com a família. Estados Unidos e México lutam
por sua extradição, que já conta com parecer favorável da Procuradoria-Geral da
República, e agora aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal.
O regime de
cumprimento de pena nas federais é duro: são 22 horas trancado na cela (sem
direito a TV na maioria das unidades) e duas de banho de sol. O controle de
entrada de visitantes e advogados passa por sistemas de raio-x corporal para
impedir a entrada de telefones celulares, drogas e armas, comuns nos presídios
estaduais. De acordo com o Depen, estes protocolos rígidos são responsáveis
pela ausência de “perturbação na ordem ou rebelião” nas unidades. Além disso
“nenhum celular ou equipamento de uso proibido foi encontrado” nestes
presídios, ainda segundo informações oficiais.
A organização
e profissionalização dos grupos criminosos não é nova. “Internacionalmente esse
processo ocorre nas últimas décadas, desde o sucesso dos cartéis colombianos dos anos 1980, que
expandiram os mercados de cocaína e seus lucros astronômicos por vários bairros
pobres da América Latina”, afirma Feltran, que cita como exemplo também grupos
criminosos que atuam no México, América Central e no norte da Argentina.
“Pequenos grupos criminais, em geral gangues locais, aos poucos se tornam
grupos mais amplos e mais profissionalizados. Em alguns casos, esses grupos têm
origem nas forças da ordem, em outros nas prisões, em outros entre grupos
paramilitares, mas ambos passam a regular ou controlar mercados ilegais muito
lucrativos”.
Mais de 40
anos após a criação da primeira facção do Brasil, o Comando Vermelho, fundado
em 1979 dentro do presídio da Ilha Grande, no Rio,
este modelo de grupo criminoso alicerçado no domínio e recrutamento de membros
dentro dos presídios, e que posteriormente amplia sua influência para as
periferias e pontos de venda de droga continua encontrando por aqui terreno
fértil. Vários fatores colaboram com o isso: um mercado interno considerável,
políticas de segurança pública focadas quase que exclusicamente em repressão, e
um papel importante como rota internacional de tráfico para a Europa e África,
escoando a droga produzida na Bolívia, Colômbia, Venezuela e Paraguai. Tudo isso faz
com que o Brasil se consolide como o país das facções.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-07-19/no-brasil-do-pcc-mais-de-30-faccoes-articulam-o-crime-organizado-no-sistema-penitenciario-federal.html
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