SEGUNDO O PSICOPEDAGOGO ITALIANO FRANCESCO TONUCCI ESSE CONFINAMENTO DO CORONAVÍRUS DEMONSTRA "AINDA MAIS" QUE A ESCOLA NÃO FUNCIONA
Francesco Tonucci
Francesco Tonucci: “Não percamos esse tempo precioso com lição
de casa”
Psicopedagogo
italiano afirma que esse confinamento demonstra “ainda mais” que a escola não
funciona
Barcelona - 12
ABR 2020 - 15:53 BRT
Francesco
Tonucci (Fano, 1940) é um especialista em crianças. De sua casa em Roma, onde está confinado há cinco semanas, o
psicopedagogo italiano responde por videoconferência algumas das perguntas que
mais afetam as crianças durante esse período de quarentena para combater o coronavírus. Tonucci reconhece que são muitos
os pais que pedem conselhos. Propõe ideias como que tenham seu próprio diário
secreto de confinamento e um lugar, por menor que seja, para se esconder dentro
de casa. O psicopedagogo critica a escola e a maneira como ela enfrenta o
confinamento.
Pergunta. O que é o pior do confinamento às crianças?
Resposta. Deveria ser não
poder sair, mas é mentira porque infelizmente também não saíam antes. As
crianças desejam sair e só podem fazê-lo com um adulto. De modo que é
importante que as crianças voltem a sair, dentro e fora do coronavírus. Ficar
em casa é uma condição nova, não ser autônomo não é. Espero que as crianças possam
nos mostrar com a força desse confinamento como precisam de mais autonomia e
liberdade. É muito interessante como elas estão reagindo. Durante os primeiros
dias de confinamento, enviei um vídeo às nossas cidades da rede internacional
da cidade das crianças encorajando a convocar os conselhos para pedir sua
opinião e dar conselhos aos prefeitos; achava um pouco paradoxal que todo mundo
pedisse aos psicólogos conselhos aos pais e aos pedagogos aos professores e
ninguém pensasse nelas. As crianças sentem muito a falta da escola, ou seja,
não dos professores e das carteiras e sim a falta
dos colegas. A escola era o local em que as crianças podiam se encontrar com
outras crianças. Outra experiência em que pude comprovar que a escola era muito
desejada pelas crianças é quando estão no hospital.
P. Considera, então,
que os políticos não levam em consideração os mais jovens para tomar suas
decisões.
R. Como sempre. As
crianças praticamente não existem, não aparecem em suas preocupações. A única
preocupação tem sido que a escola possa continuar virtualmente. Na Itália, por exemplo, a grande preocupação é
demonstrar que podem continuar da mesma maneira que antes apesar das novas
condições, ou seja, fazer quase sem que eles percebam, sentados como estavam na
escola, diante de uma lousa tendo aulas e com lições de casa. Muitos não se
deram conta de que a escola não funcionava antes e nessa situação se percebe
como funcionava pouco. As crianças estão cansadas das lições e para as famílias
é uma ajuda porque é o que as deixa ocupadas. As lições de casa são sempre demais, não tanto pela
quantidade e sim pela qualidade. São inúteis para os objetivos
que os docentes imaginam.
P. Se tudo está tão
ruim, o que propõe?
R. Fiz um pequeno
vídeo dando conselhos de senso comum. Temos uma oportunidade. As crianças se aborrecem na escola e é difícil que
aprendam dessa forma. Além disso, existe um conflito entre escola e
família. É um conflito moderno, a família está sempre pronta para denunciar o
colégio. Agora a situação é nova: a escola é feita em família, em casa.
Proponho que a casa seja considerada como um laboratório para se descobrir
coisas e os pais sejam colaboradores dos professores. Por exemplo, como uma
máquina de lavar funciona, estender a roupa, passar, aprender a costurar...
P. Mas nesse
laboratório, os pais também estão trabalhando?
R. Peço coisas que
também devem ser feitas em casa. A cozinha, por exemplo, é um laboratório de ciência. As crianças devem aprender a
cozinhar. O professor pode propor que os alunos façam um prato e escrever a
receita. Dessa forma estamos fazendo física, química, literatura e é possível
montar um livro virtual de receitas. Outra experiência que me parece importante
é que as crianças façam vídeos de sua experiência em casa. A outra experiência,
evidentemente, é a leitura. A escola não conseguir com que as
crianças amem a leitura é um grande peso. A escola deveria se preocupar mais,
dar aos seus alunos o gosto de ler.
P. Isso significa
lutar contra as telas, os videogames.
R. Estamos pensando
em uma escola que deve fazer propostas às crianças trancadas em casa. Propor às
crianças que leiam um livro deve ser um presente, não uma obrigação. Há outra
maneira que é a leitura coletiva, de família. Criar um teatro que tem seu
horário e seu lugar na casa, e um membro da família lê um livro como se fosse uma
novela. Meia hora todos os dias. São propostas que parecem pouco escolares, mas
todas têm a ver com as disciplinas escolares. Estudando as plantas das casas
pode-se fazer uma experiência de geometria. Digo tudo isso para que se entenda
que é possível aproveitar a riqueza que temos agora, a casa e a disponibilidade
dos pais. Você diz que os pais não têm tempo: não é verdade. Apesar do todo o
tempo em que estão ocupados, não sabem o que fazer no tempo livre. Normalmente
o tempo que passam com elas é para acompanhá-las em atividades e não para viver
com elas. Outra proposta é que brinquem, isso é o mais importante. Que inventem
brincadeiras. Ligar aos avós para que aconselhem brincadeiras, eles foram crianças quando era
preciso inventá-las.
P. Nunca passaremos
tanto tempo com elas como agora.
R. Por isso mesmo.
Não percamos esse tempo precioso dando deveres. Aproveitemos para pensar se
outra escola é possível.
P. O que uma criança
deve fazer no primeiro dia em que sair desse confinamento?
R. Gritar, jogar pedras, correr, e abraçar alguém;
ainda que esse último seja mais complicado.
Comentários
Postar um comentário