EUA X China: 50
anos de guerra econômica?
Washington
crê em tarifas comerciais contra Pequim, mas não tem plano estratégico algum.
Chineses apostam em vasto desenvolvimento tecnológico e na grande rede de
infraestrutura da Eurásia
por Pepe Escobar
Publicado 25/07/2018 às 16:55 -
Atualizado 21/12/2018 às 13:16
Por Pepe Escobar
Foi muito mais que um primeiro tiro, à meia-noite, em 6 de
julho; pode marcar o início de uma terrível guerra comercial. A queda de braços
de tarifas entre EUA e China deve ser vista no contexto de grande virada no
Grande Quadro geopolítico e econômico.
O jogo de passar adiante as culpas, e todos os tipos de cenários
de especulação de como pode evoluir a disputa de tarifas, são questões
periféricas. O alvo crucialmente decisivo do que hoje se inicia não é algum
“livre comércio” que seria disfuncional; o alvo é o projeto “Made in China
2025” – a China autoconfigurada como usina geradora de alta tecnologia
equivalente ou mesmo superior à dos EUA e UE.
É sempre importante destacar que foi a Alemanha que, na verdade,
forneceu o molde para “Made in China 2025”, mediante sua estratégia Indústria
4.0.
“Made in China 2025” tem por alvo dez campos
tecno-estratégicos: tecnologia de informação, incluindo redes 5G e
cibersegurança; robótica, aeroespaço; engenharia oceânica; ferrovias para
vagões de alta velocidade; veículos movidos a novas energias; equipamento
elétrico; maquinaria para agricultura; novos materiais; e biomedicina.
Para que o projeto “Made in China 2025” dê frutos, Pequim já
investiu em cinco centros nacionais de produção de inovações e em 48 centros
provinciais, parte de um projeto para chegar a 40 centros nacionais até 2025. E
em 2030, via uma estratégia paralela, a China já deverá estar estabelecida
também como líder no campo da inteligência artificial (IA).
“O Sonho Chinês”, mantra do presidente Xi Jinping, também
conhecido como “o grande rejuvenescimento da nação chinesa”, é estritamente
ligado não só a “Made in China 2025”, internamente, mas também, externamente, à
Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE), conceito que dá organicidade à política
exterior da China para todo o futuro planej
ável. E os dois tópicos – “Made in China 2025” e ICE – são
absolutamente inegociáveis.
Em agudo contraste, não se vê nem sinal no horizonte de qualquer
projeto “Made in USA 2025”. A Casa Branca parece modular todo o processo como
uma batalha contra a “agressão econômica dos chineses”. A Estratégia de
Segurança Nacional define a China como principal força que desafia o poder dos
EUA. A Estratégia de Defesa Nacional do Pentágono vê a China como “concorrente
estratégico que usa economia predatória”. E como chegamos a isso?
Inovação
ou morte
E indispensável conhecer um pouco do contexto-cenário.
David Harvey, em O Novo Imperialismo, recorre a The Global Gamble: Washington’s Bid for Global Dominance, de
P. Gowan, para chamar atenção para o quanto ambos veem “a radical
reestruturação do capitalismo internacional depois de 1973 como uma série de
jogadas, tentadas pelos EUA, interessados em manter a própria posição
hegemônica nos assuntos econômicos mundiais contra Europa, Japão e, depois,
contra o Leste e o Sudeste da Ásia”.
Antes de o milênio acabar, Harvey já enfatizava o modo como Wall
Street e o Tesouro dos EUA eram operados pelo Estado como “instrumento
formidável de governança econômica para impulsionar os processos de
globalização e as transformações domésticas neoliberais associadas.”
Agora a China, em velocidade alucinante, está finalmente pronta
a investir na projeção de seu próprio poder econômico. Como Harvey já observou
há mais de uma década, o próximo passo para o capitalismo da Ásia Oriental
seria “afastar-se do muito que depende do mercado norte-americano”, rumo ao
“cultivo de um mercado interno”.
Harvey descreveu o programa de modernização maciça da China como
“uma versão interna de reorientação espaço-temporal equivalente ao que os EUA
fizeram internamente nos anos 1950s e 1960s mediante a suburbanização e o
desenvolvimento do chamado Cinturão do Sol”. Na sequência, a China estaria
“gradualmente drenando o capital excedente do Japão, de Taiwan e da Coreia do
Sul e, assim, reduzindo os fluxos para os EUA”. Já está acontecendo.
O presidente Trump não é exatamente o que se diria um
estrategista geopolítico. A razão para as novas tarifas pode ser forçar as
cadeias de suprimento das empresas norte-americanas a reduzir o muito que
dependem, hoje, da China. Mas o modo como a economia global foi montada não
aguenta o desmanche dessas cadeias de suprimento – com a produção sendo
des-deslocalizada de volta aos EUA, como diz Trump. O local, local, local
também rege a lógica do capitalismo turbinado: as empresas sempre privilegiarão
a mão de obra mais barata e os menores custos de produção, não importa onde
estejam.
Agora, comparem isso à China que investe em deslocalização da
alta tecnologia integrada com centros de excelência norte-americanos. No que se
trate da cabeça do combate na linha da inovação entre China e EUA, a
estratégica do Zhongguancun Development Group (ZDG) é caso fascinante.
O grupo ZDG estabeleceu vários centros de inovação fora da
China. O principal Centro ZGC de Inovação está instalado em Santa Clara, Califórnia,
bem perto de Stanford e dos campus de Google e Apple. Há agora um novo centro
em Boston à distância de um grito de Harvard e do MIT.
Esses centros fornecem o pacote completo – desde laboratórios
que são o estado da arte até – fator crucialmente importante – o capital,
mediante um fundo de investimento. A matrix vem do governo de Pequim, pelo
tecnodistrito da cidade. E nem é preciso dizer que o grupo ZDG está
integralmente alinhado com a ICE e a ênfase que jamais é esquecida na expansão,
para “aprender a experiência de outros países, de um ecossistema de inovação”
Isso, num microcosmo, é do que trata o projeto “Made in China
2025”.
Meio
século de guerra comercial?
Assim sendo, o que acontecerá?
Sob o atual tsunami de histeria, a análise sóbria que nos vem de Li Xiao,
decano da Escola de Economia da Universidade Jilin, é mais que bem-vinda.
Li vai logo à jugular. Destaca o quanto “a ascensão da China é,
essencialmente, um ganho de status dentro do sistema do dólar.” Do ponto de
vista de Pequim, é imperativo mudar, mas a mudança será gradual. “O objetivo da
internacionalização do yuan não é substituir o dólar. No curto prazo, o sistema
do dólar é insubstituível. Nosso objetivo para o yuan é reduzir o risco e o
custo, sob o sistema do dólar.”
Com muito realismo, Li também admite que “o conflito entre as
duas maiores potências prosseguirá por, no mínimo, 50 anos, talvez mais. Tudo o
que está acontecendo hoje é apenas um show preliminar, antes do espetáculo principal da
história.”
Implícita na metáfora do show preliminar, antes do espetáculo principal, é
a ideia de que a liderança chinesa parece interpretar o primeiro tiro do
tarifaço, à meia-noite de hoje, como um modo de reaquecer o que se lê na
Estratégia de Segurança Nacional dos EUA. A conclusão, para Pequim é uma só e
inescapável: agora, os EUA começaram a ameaçar o Sonho Chinês.
Dado que o Sonho Chinês, o “rejuvenescimento da nação chinesa”,
“Made in China 2025”, a ICE, o multipolarismo e a China como motor da
integração da Eurásia são itens absolutamente não negociáveis, não surpreende
que o cenário esteja montado para forte, inevitável turbulência
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