(foto: Pixabay)
Testes sorológicos em massa têm o potencial de identificar
pessoas imunes ao Coronavírus
Com base nos resultados, poderia-se desconfinar gradual e
seletivamente a 'população de baixo risco', se confirmada imunidade duradoura
Até o
momento, não sabemos quantos casos de COVID -19 passaram
despercebidos no Brasil, nem quantas pessoas tiveram casos leves da doença - talvez tão leves
que a descartaram como resfriado ou alergias, mas agora se
tornaram imunes a novas infecções.
Responder a essas
perguntas é crucial para gerenciar a pandemia e prever seu curso.
Mas as respostas não virão dos testes de diagnóstico baseados em RNA
(RT-PCR) que estão sendo realizados. Esse tipo de teste busca identificar sinal
de uma infecção ativa, ou seja, a presença de genes virais, por meio da análise
de material coletado, com um cotonete, do nariz ou da garganta. Mas também é
necessário testar o sangue de uma pessoa em busca de anticorpos para o novo vírus, conhecido como coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda
grave (SARS-CoV-2).
Esses testes também podem detectar
infecções ativas, mas, mais
importante, podem mostrar se uma
pessoa foi infectada no passado, pois o corpo retém anticorpos contra patógenos que já superou. Isso significa
potencialmente, então, que o indivíduo infectado adquiriu imunidade à doença e não tem mais como
transmiti-la, podendo retornar então à sua rotina de trabalho. Obviamente, essa
premissa precisa ser confirmada com estudos observacionais de pacientes que se
recuperaram da infecção, como teremos oportunidade de executar, diante do
crescente número de infectados.
Laboratórios e empresas de todo o
mundo correram para desenvolver testes de anticorpos, e alguns foram usados
em pequenos estudos e receberam aprovação comercial, incluindo vários da China.
E esses testes já estão disponíveis no Brasil. Pelo baixíssimo custo e rapidez
de execução (alguns minutos), podem e devem ser aplicados em larga escala,
principalmente, para a tomada de decisão de quem pode retornar a sua vida
normal de trabalho sem oferecer riscos de infectar seus contatos.
Os resultados destes testes, tanto
realizado pela a técnica ELISA como por imunocromatografia, vão nos indicar os níveis séricos
dos anticorpos circulantes IgM (imunoglobulinas M) e IgG (imunoglobulinas G)
específicos contra o SARS-CoV-2. Os anticorpos IgG e IgM estão entre os
isotipos de anticorpos produzidos pelo sistema imunológico de vertebrados. A
IgM é o primeiro anticorpo que aparece em resposta à exposição inicial a
antígenos, como proteínas SARS-CoV-2. Os anticorpos IgM são os principais
anticorpos envolvidos na resposta imune primária, enquanto os anticorpos IgG estão
envolvidos na resposta imune secundária.
Conforme meu conhecimento científico
e do ponto de vista prático e epidemiológico, não acredito que exista benefício
de se manter uma pessoa saudável em quarentena, se ela já tiver sorologia
compatível com imunidade ao vírus. Por isso, esses testes sorológicos rápidos
são candidatos, em minha opinião, ao rastreamento em massa da população de
baixo risco, para que se possam identificar indivíduos saudáveis que já
apresentam imunidade adquirida à infecção, para que então os mesmos
possam retornar às suas atividades
normais sem risco de infecção ou contaminação de seus contatos.
Com a aplicação dos testes rápidos
sorológicos para a população de baixo risco para a infecção, médicos,
paramédicos, policiais, bombeiros e trabalhadores de serviços essenciais, todos que apresentarem níveis
elevados de IgG circulante (o que deve configurar imunidade de acordo com o
corolário da Imunologia) e sem níveis de IgM seriam autorizados a voltar para o
trabalho. Isso seria de grande valia, pois teríamos de volta à ação a nossa
força produtiva saudável e de baixo risco para a infecção, como já é permitido
para nós médicos, paramédicos, policiais, bombeiros e trabalhadores de serviços
essenciais.
Claro, a prevenção com higienização deveria continuar – aliás, se tornar
um hábito. Todos nós pertencentes a esses grupos, quando chegamos à nossa casa,
mantemos os cuidados devidos de higiene preventiva e o nosso isolamento junto aos que estão próximos nós (é o
chamado isolamento reverso). Eventualmente, confinamentos futuros poderiam ser
determinados dependendo da curva de crescimento da doença.
Devemos nos lembrar de que estamos em
um país com graves deficiências econômicas e sociais, em que milhares de brasileiros
vivem à margem da miséria dependendo de seu trabalho diário. Imagine a situação
dos vendedores informais que dependem da venda diária para colocar comida à
mesa, que não possuem fundo de reserva como detêm poucos afortunados da nossa
sociedade.
Ou seja, nosso país é um paciente
muito fragilizado para tratamentos muito agressivos. Se não definirmos uma
forma segura e científica de retorno às atividades, a quebra da economia, de
toda sua engrenagem e cadeia produtiva será também devastadora e deletéria, e
teremos uma carnificina dupla: pela pandemia e pela miséria! Há que se haver um equilíbrio que
module os efeitos negativos de ambas as medidas: a quarentena e o retorno às
atividades normais, sempre com bom senso e de forma responsável e serena.
Repito, é necessário buscar e definir
um método de identificar as
pessoas imunes para que elas possam
retornar de forma segura aos seus postos de trabalho.
Se você tem dúvidas ou sugestão de
tema, mande para andremurad@personaloncologia.com.br
*André
Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É
diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e
Personalizada. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer,
de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência
e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.
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