Gráfico mostra a curva da epidemia de coronavírus — Foto: Reprodução/Globo
Crescimento exponencial e curva epidêmica
Entenda os principais conceitos matemáticos que
explicam a pandemia de coronavírus
Veja
como a matemática ajuda a entender como se comportam as novas transmissões ao
longo do tempo.
Enquanto cientistas correm contra o tempo para desenvolver
tratamentos e vacina contra o coronavírus (Sars-CoV-2), matemáticos simulam
cenários com impactos da pandemia.
Uma das projeções
mais recentes a ganhar destaque foi um estudo liderado pelo Imperial College de
Londres. Ele estimou que o Brasil pode ter mais de 1 milhão de mortes por
Covid-19 e cerca de 187 milhões de infectados em 2020 se
não houver nenhuma estratégia de isolamento social e de enfrentamento do surto.
Mas como são feitos esses cálculos?
Segundo o professor
de matemática e autor de material didático Ricardo Suzuki, é possível fazer essas
estimativas porque epidemias seguem um padrão matemático
chamado função exponencial, usada para
representar fenômenos que se multiplicam muito rapidamente ao longo do tempo.
"Na função exponencial, você
vai multiplicando o número por ele mesmo. Nessa função, temos o crescimento exponencial, em
que o valor inicial de um evento vai dobrar a cada período de tempo.”, explica
Suzuki.
O
professor dá como exemplo um cenário de uma epidemia em que o número de novos
casos dobra a cada 3 dias.
"No primeiro dia você tem 1
caso; no terceiro dia terá 2 casos. Levou três dias para dobrar o valor
inicial. No sexto dia serão 4 casos, no nono dia serão 16, e assim por
diante."
Ele
compara: "No começo da função exponencial, o crescimento parece pequeno,
se assemelha com uma função linear".
Diferentemente da
exponencial, na função linear o número anterior é somado – e não multiplicado.
Por isso, o crescimento linear é representado no gráfico por uma reta; já o
crescimento exponencial é uma curva acentuada. "Ao longo do tempo, o
crescimento exponencial atinge valores exorbitantes", diz Suzuki.
No caso de um surto
como o do coronavírus, o cenário é assustador, já que o
número de infectados do dia anterior é sempre muito menor que o atual.
O aumento
exponencial de novos casos em uma epidemia é apenas uma fase
de um ciclo de três etapas. Essas etapas formam o
conceito matemático da curva epidêmica,
que torna possível prever o ritmo do aumento de casos, o pico das transmissões
e o decaimento delas (leia mais abaixo).
No estágio atual da pandemia do
coronavírus, a maioria dos países do mundo e o Brasil estão na fase do
crescimento exponencial, em que todos os dias são registrados números maiores
de novos casos que na véspera.
Veja
abaixo como é feito o cálculo das epidemias:
Entenda o
crescimento exponencial nas epidemias
O físico Silas Poloni, no
Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), explica
que dizer que uma doença cresce exponencialmente significa na prática que
"cada infectado é capaz de infectar mais de uma pessoa ao mesmo tempo”.
Por
isso, segundo o físico Vitor Sudbrack, também da Unesp, quanto mais doentes por
Covid-19 existirem, mais pessoas irão adoecer pelo vírus, já que o
"crescimento exponencial é aquele em que, quanto mais se tem [infectados],
mais se cresce [o número de contaminados]".
Sudbrack e Poloni
são membros do Observatório Covid 19 BR, um site colaborativo feito por
pesquisadores de diversas universidades brasileiras para observar os dados da
pandemia de coronavírus.
De acordo com Suzuki, o problema
do crescimento exponencial é que ele pode acelerar de forma imprevisível, uma vez que
"não temos controle sobre o valor da base [o tempo que leva para os casos
se multiplicarem] dessa função". É o que tem acontecido com o crescimento
dos casos de coronavírus no mundo.
Entenda as etapas da
curva epidêmica
"As
pessoas acham que matemática é trabalhar com números, mas na verdade é
trabalhar com padrões", afirma Sudbrack, da Unesp. "Conseguimos
calcular epidemias porque elas, em todos os lugares, seguem um padrão
matemático semelhante, chamado de curva epidêmica."
Antes de entender o
que é essa curva, é preciso entender o ciclo que uma epidemia segue, ou seja, a
evolução dela ao longo do tempo.
O ciclo epidêmico é formado por
três fases, que juntas formam uma "onda da epidemia":
1.
Crescimento exponencial – representado pelo crescimento vertiginoso do número de novos
casos de infecção
2.
Saturação – ocorre quando a epidemia alcança um pico de casos
3.
Decaimento exponencial – estágio em que a quantidade de pessoas que se recuperam da
doença é maior que a de novas infectadas
O padrão da curva epidêmica é
justamente a onda no gráfico (veja
abaixo). Ela representa o número de novos casos ao longo do tempo.
·
Quanto maior o número de novos casos
em um menor intervalo de tempo, mais acentuada a curva.
·
Quanto menor o número de novos casos
em um maior intervalo de tempo, menos acentuada a curva.
.
Gráfico mostra a curva da epidemia de coronavírus — Foto: Reprodução/Globo
Ambas
as curvas – tanto a mais e quanto a menos acentuada – alcançam um crescimento
exponencial.
"Mas
quando conseguimos aumentar o tempo de transmissão de uma pessoa a outra,
demoramos mais a alcançar o pico da curva. Ou seja, o crescimento da doença vai
acontecer de maneira mais lenta”, explica Poloni.
A lógica do crescimento exponencial
no caso do coronavírus, contudo, é mais complexa porque, de acordo com
Sudbrack, “a transmissão do vírus no mundo conta não só com uma dinâmica de
espalhamento por contágio [de uma pessoa a outras pessoas], mas também por uma
dinâmica de espalhamento de epicentros [vários países se tornam centro da
doença]".
Por isso, o resultado final da
pandemia de coronavírus é uma curva que cresce mais rápido do que as curvas de
cada país.
Isolamento social
'desacelera' pandemia
O
físico Silas Poloni explica que, matematicamente falando, o objetivo das
autoridades de saúde neste momento não é o de zerar a transmissão, mas o de
diminuir a velocidade com que isso ocorre. Ou, como se tem chamado, de
"achatar a curva epidêmica".
"A ideia de isolar as pessoas
uma das outras é justamente a de reduzir o número de novas transmissões em um
determinado tempo – o máximo que der. Ou seja, o isolamento é capaz de desacelerar o crescimento exponencial da
pandemia", explica Poloni.
"O
objetivo é que o crescimento de novos casos da doença não atinja de uma só vez
um número de infectados que o sistema de saúde não suporte atender."
Para Sudbrack, o melhor exemplo de
como o isolamento e distanciamento social podem ser eficazes para frear o tempo
de transmissão vem da Itália.
"Após quase duas semanas de
medidas de restrição social, o número de novos casos vem desacelerando. O tempo
para o número de casos dobrar passou de 3 dias para 5,5 dias. Acredito que esse
seja o maior exemplo da eficiência da quarentena na Itália", afirmou
Subrack em entrevista a G1 na semana
passada.
Escultura de vidro representando o coronavírus é apresentada no estúdio do artista britânico Luke Jerram, na Inglaterra. Escultura faz tributo ao esforço médico e científico para combater a pandemia — Foto: Adrian Dennis/AFP
Decaimento
exponencial
Assim como o
crescimento de uma epidemia é exponencial, a diminuição dos novos casos também
será, porque a lógica é a mesma: quanto menos pessoas se infectam por dia,
menor o número de doentes.
"O
decaimento exponencial vai acontecer quando o número de curados por dia for
maior que o número de novos infectados por dia", explica Sudbrack.
É essa a fase da
pandemia na qual a China está
neste momento – o país vem registrando número de novos infectados sempre menor
que no dia anterior.
Sudbrack
afirma, no entanto, que ainda não é hora de a China comemorar, segundo a lógica
matemática, já que é o país poderá viver uma segunda onda da epidemia.
“Uma segunda onda de
epidemia pode acontecer quando alcançamos o pico não porque saturou o número de
infectados e o número de pessoas suscetíveis está baixo, mas, sim, porque as
medidas de distanciamento social fizeram efeito", explica o físico.
Por isso, no caso em que o decaimento
exponencial é alcançado graças à eficiência do isolamento social, se as pessoas
forem colocadas novamente em contato, abre-se a possibilidade de um segundo
pico epidêmico.
"Para isso não acontecer, os novos
infectados precisam continuar sendo identificados e devidamente isolados do
resto da população ainda está suscetível a ser infectada", alerta
Sudbrack.
O melhor exemplo, segundo os físicos, é
o da Coreia do Sul,
onde "o tempo de duplicação de novos casos é tão alto, que podemos dizer
que eles não estão mais na fase exponencial; eles atingiram uma estagnação na
transmissão".
SÃO PAULO - Um homem caminha por uma rua comercial vazia no centro de São Paulo nesta terça-feira (24) depois que o governo da cidade decretou o fechamento de lojas como medida de precaução contra a disseminação do novo coronavírus — Foto: Nelson Almeida/AFP
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