Coronavírus e saúde mental: como enfrentar os tempos
difíceis
Psicólogos e psicanalistas analisam o impacto emocional
provocado pela pandemia. Reflexão e solidariedade serão palavras-chave
— Vão ser mais ou menos umas
20 semanas duras — disse o ministro da Saúde quando o
Brasil passou a registrar casos de transmissão comunitária ou sustentada
(situações em que não há mais como rastrear a origem do contágio) do coronavírus.
Médico de formação (é ortopedista), Luiz Henrique Mandetta não estava se
referindo apenas à saúde física dos brasileiros, ameaçados por um vírus que se
propaga em alta velocidade, já atingiu mais de cem países e matou pelo menos
8,2 mil pessoas. Também estava no seu horizonte a saúde financeira do país,
ainda mais debilitada pela crise mundial provocada pela pandemia e com
perspectivas de piora por causa das necessárias medidas drásticas tomadas para
conter o avanço da covid-19 – o distanciamento social afeta o comércio, o
turismo, o esporte, a cultura... E essa combinação explosiva entre o medo de
uma doença, o aperto econômico e a restrição de convívio e de diversão acaba
por afetar, bastante, um terceiro tipo de saúde: a mental.
Como enfrentar os tempos difíceis? Grande
parte da população nunca passou por uma situação semelhante. Talvez conheçam as
memórias de quem viveu a Segunda Guerra Mundial –
e podem se espantar em saber que a ocupação nazista não fechou cafés de Paris, mas o coronavírus, sim.
Os jovens, os adolescentes e as crianças sequer experimentaram a tensão global
acarretada pelo 11 de Setembro,
em 2001.
Para ajudar a atravessar essas 20 semanas duras,
GaúchaZH conversou com seis especialistas do Rio Grande do Sul: os psicólogos
Julio Cesar Walz e Giuliana Chiapin e os psicanalistas Abrão Slavutzky, Diana
Corso, Mário Corso e Paulo Gleich. Eles coincidem em alguns pontos, divergem em
outros, mas todos acreditam em um positivo efeito colateral: a crise nos fará
refletir, mudar, olhar mais para o outro e menos para o eu.
— As severas imposições exigem que as
pessoas se repensem e invertam a lógica do "eu versus o todo" para
"eu dentro do todo". É um exercício de pensar mais no coletivo do que
no singular — diz Giuliana Chiapin, mestre em saúde mental e desenvolvimento
infantil pela Tavistock Clinic/Londres. — Algo que acontece talvez em mais
equilíbrio em outras culturas e menos na nossa, aqui no Brasil. É um desafio
interessante, apesar da causa. Reverte a lógica egoísta e consequentemente
ineficaz para a compreensão de que, ao garantir o coletivo, eu estou protegida.
As
severas imposições exigem que as pessoas se repensem e invertam a lógica do 'eu
versus o todo' para 'eu dentro do todo'. É um exercício de pensar mais no
coletivo do que no singular. Traz a compreensão de que, ao garantir o coletivo,
eu estou protegida.
GIULIANA CHIAPIN
Psicóloga
Diana Corso, coautora dos livros Fadas
no Divã (2005) e A Psicanálise na Terra do
Nunca (2016), compartilha de opinião semelhante:
— Ninguém tem como se dar bem sozinho
nesta. Espero que saiamos dessa confusão, os que sobrevivermos, com o egoísmo
individualista no mínimo abalado.
Diana e Giuliana também convergem ao
sugerir formas de lidar com o medo e a insegurança. Procure informação precisa
e científica por parte de quem estudou para nos proteger. Não multiplique
boatos e mensagens falsas. Converse com pessoas confiáveis ou profissionais da
saúde para partilhar angústias. Busque alguma arte possível para aliviar e
ajudar a elaborar os temores.
— Algumas pessoas encontram estratégias
criativas para lidar com o medo do desconhecido, da situação imposta —
acrescenta Giuliana. — Os italianos, por exemplo, cantam nas janelas, os
brasileiros fazem uso do seu humor através de memes e piadas. Alguns escrevem,
médicos e cientistas buscam soluções e gravam vídeos explicativos, empresários
liberam canais de TV, e assim cada um vai encontrando soluções para enfrentar o
desconhecido e amparar o desamparo.
Sentimentos de medo e ansiedade são e
serão comuns nesses tempos. Autor do livro Aprendendo a Lidar com os Medos: A
Arte de cuidar das Crianças, o psicólogo e psicanalista Julio Cesar
Walz diz que nossas respostas comportamentais geralmente são inadequadas às
situações que vivemos. Geralmente, interpretamos mal o que está acontecendo, o
que o outro disse, as razões de tais eventos. Podemos não nos dar conta de
nossas inadequações, especialmente quando agimos com a certeza ou a crença de
que o que estamos pensando é verdade e apenas nós sabemos o que é o
melhor.
— Atropelamos a realidade ou o fora de nós
e impomos a ela o que queremos pensar e sentir. Sem nenhum tipo de interação. A
inadequação de nossas ações pode se tornar mais grave quando não aceitamos que
a vida não é como pensamos. Se não entendermos isso, mais difícil ficará nossa
capacidade de lidar com tempos difíceis — afirma Walz, acrescentando: — A
rigor, todos os tempos são difíceis, porque a vida nunca é como pensamos. Mas
quando o coletivo se move pelo medo, como nesta pandemia, o pavor individual
aumenta. Os problemas ficam mais irreais e infinitos e, assim, em
contrapartida, mais os salvadores ou pessoas irrealistas ou onipotentes nos
atraem e nos oferecem a sensação de nos proteger.
A
melhor coisa é conseguir se manter conectado. A angústia se aproveita muito da
solidão. Vai ser um bom momento para as redes sociais, ali saberemos que não
estamos sofrendo sozinhos. A gente está digitalmente preparada para ficar perto
estando longe. Esses laços nos afastam do desespero."
MÁRIO CORSO
Psicanalista
Há meios de sermos menos ansiosos? O
psicanalista Mário Corso pontua:
— O drama é que não tem uma regra. Todos
nós temos um jeito de lidar com situações emergenciais. Uns são mais calmos,
outros não. A melhor coisa é conseguir se manter conectado. A angústia se
aproveita muito da solidão. Vai ser um bom momento para as redes sociais, ali
saberemos que não estamos sofrendo sozinhos. Claro que lá também circulam
teorias da conspiração e outras maluquices, mas é um espaço de encontro, de
troca. A gente está digitalmente preparado para ficar perto estando longe.
Esses laços nos afastam do desespero. Sozinhos, afundamos.
Assimilação e
solidariedade
Nossa capacidade de lidar com situações
adversas é maior do que imaginamos, afirma Paulo Gleich, como demonstram não só
as situações de exceção como guerras, "mas o cotidiano de milhões de
pessoas que vivem em situação de extrema precariedade, para muitos de nós
inimaginável".
— O que temos mais dificuldade de lidar é
com mudanças, sobretudo as abruptas, que nos são impostas desde fora. Não temos
ideia do que acontecerá, mas já sabemos, diferentemente de nosso presidente (Jair
Bolsonaro), que não é apenas bobagem ou
histeria — critica o psicanalista. — Parece-me que, em
poucos dias, essas mudanças vêm sendo assimiladas, em boa parte, pelas
experiências dramáticas vividas por outros países e difundidas aqui pelos meios
de comunicação.
Autor de Quem Pensas tu que eu Sou? (2009), Abrão Slavutzky também lamentou a postura
de Bolsonaro diante da pandemia de coronavírus, que o psicanalista classifica
como "um trauma do século 21":
— Dois são os destinos diante so desamparo
que vive um mundo traumatizado. Há destinos destrutivos, como as depressões, o
aumento de vícios e a crise de negação maníaca como a que se viu no dia 15 de
março, com o perigoso mau exemplo do presidente contrariando seu ministro da
Saúde. Mas também há caminhos criativos que vão se criando. Dois exemplos
enviados pela minha filha que mora na Itália: os jovens se organizaram para
fazer compras para que os mais velhos não saiam de casa, e os artistas e
empresários que fizeram grandes doações. Já, já, imagino que exemplos
solidários vão ocorrer no Brasil.
Ser solidário neste momento, sustenta
Paulo Gleich, passa também por também evitar contato com muitas pessoas, bem
como não estocar desnecessariamente medicamentos e produtos, deixar os recursos
de saúde àqueles que mais têm necessidade etc.
— O coronavírus nos relembra a importância
do social — resume Giuliana Chiapin. — Que o planeta é o mesmo para todo mundo
e por isso precisa ser cuidado. Vivemos em tempos de muita velocidade, consumo
e virtualidade, o que promove muitas vezes o isolamento social, a falta de
capacidade de pensar no outro, na família, nos amigos, na comunidade à nossa
volta, no bairro, no país, no planeta. É uma era egocentrada e competitiva, em
que escolas precisam desenvolver projetos para trabalhar a capacidade de
empatia, por exemplo, como se essa não fosse mais uma capacidade do humano, que
hoje, por vezes, parece robotizado. O coronavírus veio nos lembrar que o ser
humano é um ser social. Voltamos a nos preocupar mais uns com os outros. Não
basta mais apenas eu estar bem.
Cinco dicas úteis
·
Cuide do seu corpo: tente praticar exercícios, com os
devidos cuidados, e se alimente bem. Corpo são, mente sã.
·
Faça coisas de que gosta. Curta sua família, leia um livro, ouça
música... Torne seu tempo livre um momento de bem-estar.
·
Tente criar uma rotina. Isso ajudará a tornar os dias mais
organizados e, na medida do possível, tranquilos.
·
Conecte-se com as pessoas. O celular e as redes sociais são
aliados.
·
Peça ajuda se precisar. Não pare seu tratamento e, se
perceber que está ansioso ou depressivo, busque seu médico, seu psicólogo ou
contate o CVV (fone 188).
Fonte:https://gauchazh.clicrbs.com.br/saude/noticia/2020/03/coronavirus-e-saude-mental-como-enfrentar-os-tempos-dificeis-ck7xbcc1p05hm01oa2ei0fcrz.html
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