Só existe uma raça. E ela surgiu na África (Foto: Divulgação)
Só existe uma raça. E
ela surgiu na África
Nem branca, nem negra, amarela ou vermelha. Na face da Terra
existe uma única raça: a humana. Todos nós fazemos parte dela.
Há
alguns anos o racismo voltou a assombrar o mundo e a encontrar expressão
política, justamente na Europa, onde não se imaginaria que poderia ressurgir.
Na França, as idéias racistas professadas pela Frente Nacional de Jean-Marie Le
Pen e sua filha, Marine Le Pen, atraíram parcela considerável do eleitorado. Em
vários outros países europeus, partidos da direita, e até mesmo de movimentos
neofascistas conquistaram numerosas cadeiras nos parlamentos. Na mesma medida
em que aumenta o número de refugiados e de imigrantes vindos de nações do
Terceiro Mundo, aumenta o sentimento de ancestral xenofobia de muitos europeus,
que rapidamente encontra seus canais de expressão política.
É
interessante se observar como, ao longo da história, as políticas racistas
nunca deixaram de pedir à ciência que legitimasse sua hierarquização social,
seus preconceitos e exclusões. Muitos foram os cientistas que prontamente se
puseram a conceber teorias, instrumentos de medição, critérios e teses que
supostamente definiam as características das diferentes “raças” humanas e
formulavam a base de sustentação de uma série de eventos que marcaram a
história do homem, da expansão colonial europeia ao apartheid sul-africano, do
segregacionismo norte-americano ao nazismo.
Nos
últimos anos, a palavra raça, aliás, desapareceu discretamente dos livros
escolares e as antigas classificações foram desacreditadas. Isso aconteceu
graças às descobertas da paleontologia, da genética, da etnologia. Mesmo assim,
ainda existem alguns pesquisadores isolados que professam a existência de
raças. Quando, em 1994, os psicólogos Charles Murray e Richard Herrnstein
publicaram nos Estados Unidos The bell curve, com 800
páginas de gráficos e análises que “demonstravam” que o QI de negros era
inferior ao dos brancos, a obsessão racista que inspirou o livro não deixou
margem para dúvidas. Seu objetivo político foi claramente percebido: abolir os
programas sociais, colocados em prática há 30 anos por Washington, em favor dos
mais pobres.
O
que se pergunta, nos dias de hoje, é se um cientista pode se interessar por
“raças” humanas sem procurar demonstrar sua desigualdade. Na verdade, cada um
de nós tem sua própria definição do termo, assim como os ideólogos do racismo
sempre encontram defensores para proclamar que o “politicamente correto” é
cientificamente incorreto.
No
século 18, o botânico sueco Carl von Linné criou o sistema de classificação dos
seres vivos – ainda hoje utilizado – e estabeleceu o nome científico de Homo
sapiens para a espécie humana. Mas, sem contrariar o
pensamento dominante na época, dividiu a humanidade em subespécies de acordo
com a cor da pele, o tipo físico e pretensos traços de caráter: os vermelhos
americanos, “geniosos, despreocupados e livres”; os amarelos asiáticos, “severos
e ambiciosos”; os negros africanos, “ardilosos e irrefletidos”; e os brancos
europeus, “ativos, inteligentes e engenhosos”. Essa classificação da
diversidade humana em “grandes raças” não só foi totalmente aceita como também
serviu de base para classificações futuras, que alteravam a de Linné e
oscilavam entre uma variedade que ia de três a 400 raças.
No
século 19, as descobertas arqueológicas destruíram explicações simplistas para
a origem do homem na Terra, a origem do planeta que habitamos. Em A
origem das espécies, Charles Darwin formulou a teoria da
mutação das espécies. Observou que, por meio da mutação, as espécies se adaptam
ao meio natural, geram criaturas diferentes de si mesmas e dão origem a novas
espécies. Concluiu, então, que algumas espécies se extinguiam dando lugar a
outras: esse processo seria o da seleção natural. Mais tarde, Darwin estendeu
essa teoria para o surgimento do homem, classificando-o como descendente dos
antropóides. A comunidade científica e outros setores da sociedade opuseram-se
a essa conclusão, pois não podiam admitir que o homem branco, “superior”,
descendesse de macacos. Na verdade, sabe-se hoje que o homem é parente do
macaco e não seu descendente. As descobertas de Darwin foram muito importantes,
mas não definitivas, pois as pesquisas continuam, lançando sempre novas luzes
sobre as origens do homem.
A mais
antiga espécie de hominídeo foi o Australopithecus, que
surgiu no sul da África há cerca de 3 milhões de anos. Este nosso provável
ancestral tinha algumas características semelhantes ao homem moderno e criou o
primeiro instrumento. Quando um dos nossos ancestrais passou a andar sobre os
dois pés, ficou com as mãos livres para fazer e usar objetos. O trabalho com as
mãos foi sofisticando a sua capacidade de manipular, estimulando o crescimento
do seu cérebro e a sua capacidade intelectual e dotou-o de cultura,
diferenciando-o dos animais.
A expansão
O
homem começou a se diversificar muito cedo, lá pelos 2,5 milhões de anos,
quando saiu de seu lugar de nascimento, a África oriental. Ele se propagou
através de todo o mundo antigo, isto é, África, Europa e Ásia. Mas as
glaciações produziram dois isolados pontos geográficos: a Europa, na qual o
norte foi inteiramente recoberto por glaciares; e a Indonésia, que era unida ao
continente asiático e dele foi separada no final das glaciações. Esses dois
isolamentos levaram a um “derivado genético” e moldaram dois grupos: o Pitecantropo na
Indonésia e o homem de Neandertal na Europa,
muito diferentes anatomicamente de nosso ancestral, o homem moderno que já
vivia algures. Este, o Homo sapiens sapiens, há
500 mil anos expandiu suas fronteiras em todas as direções, a partir de uma
segunda onda de povoamento na Europa, na Ásia, na Austrália e na América.
Segundo
o paleontólogo Yves Coppens, diretor do Laboratório de Antropologia do Museu de
História Natural de Paris, “o Neandertal e nosso
ancestral, o Cro-Magnon, ao que se sabe constituíram
na Europa duas raças distintas. Mas ainda não sabemos se essas populações se
‘inter-fecundaram’, isto é, se geraram descendência fecunda. Também não sabemos
se o homem de Neandertal, desaparecido há uns 30 mil
anos, como o pitecantropo indonésio, se fundiu com a população de Homo
sapiens, ou se extinguiu.”
Para
o paleontólogo, “talvez seja essa a única questão sobre raça que hoje interessa
à ciência. Em um século de descobertas, vimos se delinearem outras fronteiras
no seio da humanidade. Se retomarmos o sentido zoológico do termo – uma
subespécie diferenciada mas que se ‘inter-fecunda’ com outras subespécies –,
não existe na superfície da terra senão uma única ‘raça’ humana conhecida, a do Homo
sapiens sapiens.”
A
pesquisa paleontológica e seu prolongamento antropológico tentam estabelecer,
dentre outras coisas, quais são as filiações, os laços de parentesco que unem
esses humanos. Mas, para Pierre Darlu, geneticista no Laboratório de
Epidemiologia Genética de Paris, “todas as classificações tentadas até hoje
tiveram como ponto comum a ocultação do caráter evolutivo do homem”.
André
Langanney, diretor do Laboratório de Antropologia biológica do Museu do Homem,
Paris, acredita que “existem dois conceitos diferentes de ‘raça’ humana: um
inclui as particularidades imediatamente perceptíveis entre os indivíduos
(língua, cultura, aparência física), devido às diferenças de suas populações de
origem; outro é o conceito ‘científico’, igualmente empírico, aquele que foi
estabelecido por Linné no século 18, o das quatro raças. Essa formulação foi
contestada, algumas décadas mais tarde, pelo filósofo alemão Johann Gottfried
Herder, que afirmava não existirem ‘nem quatro nem cinco raças humanas’, ao
contrário, havia a continuidade da variação nas populações”.
Uma só
espécie
Dizer,
hoje em dia, que existem raças humanas, implica em demonstrar a existência de
grupos distintos, possuidores de traços “comuns” entre si e de particularidades
que não se encontraram em nenhum outro grupo. É claro que entre um senegalês,
um cambojano e um italiano existem, evidentemente, diferenças físicas visíveis:
cor da pele e dos olhos, tamanho, textura dos cabelos etc. Mas hoje em dia já
sabemos que o patrimônio genético dos três é extremamente próximo. A descoberta
dos grupos sanguíneos, da variação das enzimas, das sequências de DNA, dos
anticorpos e tantas outras, puseram em evidencia o parentesco dos homens entre
si, assim como sua extraordinária diversidade. Uma combinação de genes,
frequente numa população e rara em outra, é, assim mesmo, potencialmente
presente em toda parte.
A
comprovação se deu em 2002, quando uma equipe de sete pesquisadores dos Estados
Unidos, França e Rússia comparou 377 partes do DNA de 1056 pessoas originárias
de 52 populações de todos os continentes. O resultado mostrou que entre 93% e
95% da diferença genética entre os humanos é encontrada nos indivíduos de um mesmo
grupo e a diversidade entre as populações é responsável por 3% a 5%. Ou seja,
dependendo do caso, o genoma de um africano pode ter mais semelhanças com o de
um norueguês do que com alguém de sua própria cidade na África! O estudo também
mostrou que não existem genes exclusivos de uma população, nem grupos em que
todos os membros tenham a mesma variação genética.
Muitas diferenças
Na
sua longa evolução até atingir a sua forma humana final, nosso ancestral foi se
adaptando fisicamente às condições ambientais. Perdeu os pelos do corpo,
provavelmente há pouco menos de 2 milhões anos, por que começou a fazer longas
caminhadas e precisava esfriar o corpo. Sem pelo, ficou com o corpo exposto e
as células que produziam melanina se espalharam por toda a pele. A mudança na
coloração da pele foi descoberta em 1991pela antropóloga Nina Joblonski, da
Academia de Ciências da Califórnia, Estados Unidos, ao encontrar estudos que
mostravam que pessoas de pele clara expostas à forte luz solar tinham níveis
muito baixos de folato. Como a deficiência dessa substância em mulheres
grávidas pode levar a graves problemas de coluna em seus filhos, e como o
folato é essencial em atividades que envolvam a proliferação rápida de células,
tais como a produção de espermatozóides, a antropóloga concluiu que nos
ambientes próximos à linha do Equador, a pele negra era uma boa forma de manter
o nível de folato no corpo, garantindo assim a descendência sadia. Para provar
suas teorias a respeito de cor da pele, Nina Joblonski usou um satélite da NASA
e criou um mapa de padrões de radiação ultravioleta em nosso planeta, mostrando
que o homem evoluiu com diferentes cores de pele para se adaptar aos diferentes
meio-ambientes.
Assim,
o homem saiu da África e chegou à Ásia, e de lá foi para a Oceania, a Europa e
por fim para a América. Nas regiões menos ensolaradas, a pele negra começou a
bloquear demais os raios ultravioleta, sabidamente nocivo mas essencial para a
formação da vitamina D, necessária para manter o sistema imunológico e
desenvolver os ossos. Por isso, as populações que migraram para regiões menos
ensolaradas desenvolveram uma pele mais clara para aumentar a absorção de raios
ultravioleta. Portanto, a diferença de coloração da pele, da mais clara até a
mais escura, indicaria simplesmente que a evolução do homem procurou encontrar
uma forma de regular nutrientes.
Ao se
espalhar pelo mundo, os humanos só tinham uma arma para enfrentar uma grande
variedade de ambientes: sua aparência. Para enfrentar o calor excessivo, a
altura ajuda a evaporar o suor, como é o caso dos quenianos. O cabelo
encarapinhado ajuda a reter o suor no couro cabeludo e a resfriá-lo; o oposto
vale para as populações das regiões mais frias do planeta. O corpo e a cabeça
dos mongóis, que se desenvolveram por lá, tendem a ser arredondados para
guardar calor, o nariz, pequeno para não congelar, com narinas estreitas para
aquecer o ar que chega aos pulmões, e os olhos, alongados e protegidos do vento
por dobras de pele.
Cada
um de nós é único, e sabemos disso por que podemos identificar perfeitamente um
indivíduo por seu código genético, a não ser que tenha um gêmeo idêntico. Mas,
em se tratando de grupos, sabe-se que as diferenças não escondem diferenças
genéticas. As populações da África Central e da Papua-Nova Guiné, parecidos
fisicamente, pois viveram no mesmo tipo de meio ambiente, tem os patrimônios
genéticos mais diferenciados no mundo.
Na
atual guerra contra o terrorismo, muitos países chegaram a pensar num teste que
determinasse a origem “magrebina ou européia” de um indivíduo a partir de seu
código genético, uma vez que as populações do Maghreb (Tunísia, Argélia,
Marrocos, Mauritânia e Líbia), que trocam migrantes entre si desde a
pré-história, têm de85 a90 % de genesem comum. Mas, para André Langanney,
diretor do Laboratório de Antropologia Biológica do Museu do Homem, Paris, a
idéia é absurda, “a não ser que se queira chegar a 6 bilhões de categorias, ou
o tanto de homens que vivem no planeta”.
Racismo científico
A
noção de raça foi desacreditada pelos biólogos que, bem antes de 1960,
determinaram a variabilidade genética nos grupos humanos. Mas um grande número
de antropólogos continuaram, até os anos 1970-1980 (um século depois dos
trabalhos antropométricos do neurologista e antropólogo francês Paul Broca, que
deu origem à disciplina), a aplicar os cânones descritivos e classificadores
herdados da era colonial. Eles acreditavam em raça, um conjunto de traços
físicos e psicológicos distintos, hereditários.
No
século19, apartir de pseudo-medições de crânios, afirmava-se que os negros da
África e os australianos eram “naturalmente” inferiores aos europeus. O
fisiologista alemão Friedrich Tiedemann demonstrou, nos anos 1830, que o
tamanho do cérebro dos homens negros era equivalente ao dos brancos. Mas como
era abolicionista, foi tachado de “preconceituoso sentimental”.
O
“racismo científico” data dessa mesma época. As idéias reformistas dos
iluministas professavam a tese de uma grande corrente ininterrupta ligando os povos
da terra. Os “selvagens” eram considerados aperfeiçoáveis, pois a humanidade
caminharia num movimento conjunto em direção à “civilização”.
Claude
Blanckaert, historiador da ciência no Museu Nacional de História Natural,
Paris, acredita que “a teoria das raças demonstra que a ciência jamais é
neutra. A tese da grande corrente tornou-se, com o tempo, uma escala rígida de
raças, dominada pelos europeus.”.
A
partir de 1860, as ciências naturais e pré-históricas concordam que o homem tem
uma história bem mais antiga do que se supunha até então. Mas as teorias se
adaptam às idéias darwinistas: ao se admitir que as raças são diferentes quase
desde a origem da humanidade, sugere-se que certos povos foram submetidos a uma
“interrupção de desenvolvimento”.
No
século 20, as mitologias nacionalistas foram dominadas pelos clichês, tudo para
justificar as políticas colonialistas. O auge desse pensamento foi a ideologia
da raça “ariana”, uma tremenda enganação científica, que justificava a
eliminação da “anti-raça”, o judeu.
O
século 21 fez sua estréia sob a sombra da divisão entre o bem, simbolizado por
povos ocidentais (americanos e europeus) e o mal, personificado pelos povos do
oriente. Que as idéias racistas não criem mais nenhuma explicação “científica”
para provar mais nada!
Vídeo:
O canal francês ARTE de
televisão produziu este vídeo primoroso sobre a África como berço da
humanidade. Embora seja narrado em francês, as imagens são belíssimas, e vale a
pena vê-lo.
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