Recitando mantras
com monges budistas
Viajar
para a China, nas províncias próximas ao Tibete é ter experiências tibetanas
sem estar literalmente dentro do Tibete. Numa oportunidade, por quatro noites
dormi em monastérios budistas, localizados junto a pequenos povoados, nos
quartos destinados aos peregrinos. Foi cada noite em um monastério diferente.
As cobertas enchidas de pena de marreco, os travesseiros, pesados ao ponto de
nocautear uma pessoa num golpe bem dado. Dentro deveriam ter alguma fibra seca
misturada com penas de marreco. O custo em se hospedar num monastério é uma
contribuição espontânea depositada numa caixinha em madeira mantida na
recepção.
Cinco da manhã ouve-se sinos nos
monastérios: gom, gom, gom, gom, gom, gom, – são os monges, de túnica
marrom-avermelhada e cabeça raspada iniciando suas preces. Todos caminham em
direção ao templo, munidos de uma xícara de chá com manteiga de iaque – uma bebida
de saber forte, oleoso e salgado. Iaque é um gado peludo típico das Himalaias.
Nessa viagem, todos eram marrons ou negros, desses alguns tinham manchas
brancas. A qualquer hora do dia o odor defumado do chá-preto, mesclado ao aroma
das velas de manteiga de iaque: típico dos monastérios budistas. São jovens
monges que recebem, apresentam o quarto, apresentam as instalações. Eles ficam
numa salinha, ao lado de uma sala com camas e com homens sentados em frente a
um forno a carvão. Essa sala é destinada a polícia chinesa. Os policias se
revezam em grupos e movem-se á paisana.
No interior dos monastérios a movimentação
de grupos de cinco, dez peregrinos que chegam a pé, em motos, em carros e em
ônibus. Uma senhora idosa gira uma roda de orações e balbucia mantras, outras
duas queimam galhos de pinheiros, homens de meia idade sentados sobre espessos
tapetes. Em todos os monastérios no centro há um pátio a céu aberto onde
mergulha a luz solar. Um grupo que chegou naquele instante atirava moedas e
grãos de cevada nos relicários espalhados pelo pátio afora.
Eletricidade gerada por um gerador a
gasolina, nos mosteiros, somente nas duas horas da janta e na hora da manhã,
para as orações. A sala de jantar com a cozinha é dividida por uma janela.
Dessa janela, vejo dois caldeirões de ferro enormes, de um a dois metros de
diâmetro, que estão incrustados em um fogão a carvão de pedra. De pé, ao lado
dos caldeirões, um monge vestindo um avental imundo, despedaça nacos de
manteiga de iaque dentro dos caldeirões de chá fervente. Para esses povos de
origem tibetana: chá é vida. Os monges há séculos consomem a bebida para se
manter despertos nas meditações.
A janta é servida, a sala é a mesma que os
monges comem, porém, eles possuem área reservada. Faço o que todos fazem: misturo
chá com tsampa, uma farinha de cevada tostada. E como o que todos comem: lascas
de carne seca de iaque, sopa de nabos e arroz grudento. Um monge idoso senta ao
meu lado sem pronunciar uma palavra: segurava uma caneca com chá e encostava
seu nariz na página de meu caderno, maravilhado com a forma que eu escrevia;
por ser diferente da forma que os chineses escrevem. Outro monge mais jovem
também aparece, não falam em inglês. Nenhum monge do monastério fala em inglês.
Esse coloca as mãos nos diversos bolsos de sua túnica e puxa de um dos bolsos
uma folha amarelada e com manchas mais escuras, provavelmente provocadas por
chá. Nessa folha, abaixo de escritos em mandarim, no rodapé, uma frase em
inglês: “civilização não significa somente desenvolvimento material. Significa
sermos capazes de se desenvolver, de chegar mais perto de Buda”.
Charles Zimmermann,14-08-2014
Fonte:http://ocponline.com.br/noticias/recitando-mantras-com-monges-budistas/
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