O AMOR SEGUNDO O POETA CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE




O amor segundo Drummond

Entre uma vasta produção literária, os poemas de Drummond mostram sua forma peculiar de ver o mundo. Inclusive, o amor.

Drummond escreveu que não seria o cantor de uma mulher. E não o foi. Também escreveu que não cantaria amores que não tinha e que, quando teve, nunca os celebrou. Em verdade, teve dois grandes amores. Duas mulheres distintas: sua esposa, Dolores Dutra de Morais, e sua filha, Maria Julieta Drummond de Andrade, falecida doze dias antes de seu próprio falecimento, em agosto de 1987, que, no entanto, nunca lhe mereceram os maiores laivos de poesia. Nem elas, nem seus "affaires". Que os teve. O amor de Drummond - o amor maravilhoso - era também frustrado e incompleto, falho, humilhante. “Sarai-me, Senhor, e não desta lepra,/ do amor que eu tenho e que ninguém me tem”, escreveu num poema dedicado a Milton Campos, intitulado “Romaria” (do livro “Alguma poesia”, de 1930). De coração muito pequeno, “estúpido, ridículo e frágil”, o poeta concebia o amor desiludido, em que “as moças vão casar e não é com você”, em que os homens eram sem mulheres e em que o tempo não era mais de dizer “meu amor”. “O amor resultou inútil”, escreveu em seu poema “Os ombros suportam o mundo” (do livro “Sentimento do mundo”, de 1940), e não se dava a finais felizes ou sequências de alguma logicidade. Em “Quadrilha” (“Alguma poesia”, 1930), escreve:
João amava Teresa que amava Raimundo/ que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili/ que não amava ninguém./ João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,/ Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,/ Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes/ que não tinha entrado na história.
drummond 4.jpg Drummond e sua filha Maria Julieta
O amor drummondiano é inesperado, incalculável, não tem caminho traçado ou final esperado. É, por vezes, vão e quase sempre trocista, como o próprio autor. Em Drummond, o amor zomba da gente, machuca, maltrata, mas é ao mesmo tempo superior a nós mesmos, inevitável e ambivalente. É doído, corrosivo, suicida. Como em “Necrológio dos desiludidos do amor” (“Brejo das almas”, 1934). “Os desiludidos do amor/ estão desfechando tiros no peito/ Do meu quarto ouço a fuzilaria./ As amadas torcem-se de gozo./ Oh quanta matéria para os jornais.”
Não vale a morte para o remorso das amadas. O amor é não correspondido, não equivalente entre duas partes distintas, é fajuto, ligeiro, ilusório. Apaixonado. “Paixões de primeira e de segunda classe”. É ridículo. Porque se crê certo, seguro e porque leva os homens a cometer as maiores loucuras, “enquanto as amadas dançarão um samba/ bravo, violento, sobre a tumba deles”. Quando, no fundo, como escrevera Pessoa, poucos os chorarão, e a lembrança será um dia tão ligeira quanto a comemoração de seus aniversários: quando fizer anos que nasceram e quando fizer anos que morreram.
drummond 3.jpg Drummond e sua esposa, Dolores.
O amor, em Drummond, é trágico como a vida, e insatisfeito. Não encontra satisfação senão a física. É um amor por todas as coisas. Afinal, “Que pode uma criatura senão,/ entre criaturas, amar?/ amar e esquecer, amar e malamar,/ amar, desamar, amar?” (do poema “Amar”, “Claro enigma”, 1951), com todas as forças, até a perdição...
O amor é sinônimo de volubilidade. É efêmero. Arrebatador e fugaz. E o pior: escarninho. Toma-nos como suas presas, e devora-nos, numa vagareza divinamente cruel, como uma doença, até ao último sopro de vida.
O amor é vida. O amor é a vida. Amar é viver.
É cotidiano. Tudo e nada. É louco. Os amantes se amam loucamente. Loucos e desrazoáveis. Confusos nas suas identidades. É resignado, machista, afeito à volúpia, carnal (“Quem ousará dizer que ele é só alma?”), e caprichoso.
Em “Caso do vestido” (“A rosa do povo”, 1945), o eu lírico, uma mulher, na conversa com suas filhas, conta que “em vão o pai implorou./ Dava apólice, fazenda,/ dava carro, dava ouro,/ beberia seu sobejo, lamberia seu sapato./ Mas a dona nem ligou./ Então vosso pai, irado,/ me pediu que lhe pedisse,/ a essa dona tão perversa,/ que tivesse paciência/ e fosse dormir com ele...”
drummond 5.jpg Drummond e sua filha
O amor drummondiano é submisso, sofrível e amargurado. Paciente também. No poema acima, a dona deita-se com o pai e apaixona-se por ele, mas este volta então para casa.
É passível de desculpa por suas falhas porque humano. É uma força vital, que nos escapa e nos esmaga. Não augura futuros felizes, promissores ou brilhantes. Seu augúrio chama-se ora dor, ora desilusão. É triste. Vive em si mesmo o terror da sua finitude. Vive infinitamente o clímax que se foi.
Em “Destruição” (“Lição de coisas”, 1962), Drummond questiona “Dois amantes que são?”, para logo em seguida responder: “dois inimigos”. Para ele, o amor é destrutivo, faz com que os amantes, de tanto se amarem, não se vejam - “Um se beija no outro, reflectido”. A identidade é diminuída, esquecida, o “mundo volve a nada”. Deixam de existir, os amantes, “mas o existido continua a doer eternamente”.
O amor de Drummond é o daqueles que abdicam de si mesmos, dos que se entregam completamente, como se nele procurassem para a vida e para a morte consolação, “mas o amor car(o,a) colega este não consola nunca de núncaras” (do poema “Amar-Amaro”, do livro “Lição de coisas”, de 1962).
O amor, em “Versos Negros (Mas nem tanto)” (do livro “Versiprosa”, 1967), não salva ninguém, não é a solução. “Amor, fonte de vida... Essa é que não./ Amor, meu Deus, amor é o próprio câncer”.
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O amor é feito de sem-razões. Ama-se porque se ama, sem outras explicações.
“Eu te amo porque te amo”, “porque não amo/ bastante ou demais a mim” (do poema “As sem-razões do amor”, do livro “O corpo”, de 1984). “Amor é amor a nada”, “é primo da morte,/ e da morte vencedor,/ por mais que o matem (e matam)/ a cada instante de amor”.
É erótico. No final da vida, sobretudo. Talvez porque “o primeiro amor passou/ o segundo amor passou/ o terceiro amor passou” (do poema “Consolo na praia”, do livro “A rosa do povo”, 1945), e o que fica é o êxtase, “o corpo, encontrando o corpo/ e por ele navegando” (do poema “O que se passa na cama”, do livro “O amor natural”), “O corpo noutro corpo entrelaçado” (do poema “Amor – Pois que é palavra essencial”, do livro “O amor natural”).
Nesse poema, que foi um dos últimos que criou, Drummond escreve: “Ao delicioso toque do clitóris,/ já tudo se transforma, num relâmpago./ Em pequenino ponto desse corpo,/ a fonte, o fogo, o mel se concentraram.”
E termina: “Quantas vezes morremos um no outro,/ no úmido subterrâneo da vagina,/ nesse amor mais suave do que o sono:/ a pausa dos sentidos, satisfeita./ Então a paz se instaura. A paz dos deuses,/ estendidos na cama, qual estátuas/ vestidas de suor, agradecendo/ o que a um deus acrescenta o amor terrestre”.



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