PORQUE AMAMOS OS DISCOS DE VINIL


Vinil (Foto: Getty Images)

 

Por que amamos os discos de vinil?

ELES SÃO BONITOS, VALIOSOS, E OFERECEM UMA EXPERIÊNCIA ÚNICA NA HORA DE OUVIR MÚSICA. MAS É PRECISO SABER ALGUMAS COISAS ANTES DE MERGULHAR NESSA CULTURA


"O som do vinil é bem melhor". Quantas vezes você, leitor, já não ouvi essa frase de algum amigo hipster orgulhoso de sua vitrola? Pois bem: da próxima vez que alguém lhe disser isso, tome fôlego, faça uma cara de análise sintática, olhe bem nos olhos do seu interlocutor e diga pausadamente: "não, não é melhor. É apenas diferente". 

As discussões entre os formatos vinil x CD x MP3 são técnicas, extensas e muitas vezes inconclusivas para não-audiófilos. Por ora, vamos nos limitar a uma constatação: apesar de distintas na maneira como chegam aos ouvidos, cada uma dessas mídias pode sim reproduzir música de maneira altamente fiel e agradável - basta você ter os equipamentos certos para isso, e eles geralmente custam o olho da cara.

Ouvir um Super Audio CD em um tocador hi-end conectado a um amplificador valvulado com caixas acústicas tão caras quanto um automóvel popular oferece algo mil vezes melhor que aquele Discman da década de 90. Da mesma forma, um arquivo FLACrodando num poderoso computador com uma interface de áudio externa e um fone de ouvido dos bons - daqueles na faixa dos US$ 200 para cima - traz uma diferença abissal em relação à um arquivo MP3 de 128 kpps tocado naquele fone medíocre que vem junto com o iPod. Em outras palavras: é o nível dos aparelhos - e não o formato - quem garante a máxima qualidade de som.
Apple Store (Foto: Getty Images)

 
No vinil, a especificidade e a influência dos equipamentos é ainda maior, portanto se aquele sujeito com camiseta do Miles Davis que fica vangloriando as qualidades dos bolachões possui uma vitrola daquelas que são vendidas atualmente na FNAC - com estilo retrô, gabinete de plástico, agulha descartável e fidelidade próxima ao do auto-falante do seu celular - ele na verdade está supondo algo que ainda não experimentou. Fazer um vinil soar bem é tarefa para aficcionados que cuidam do seu sistema de som como se ele fosse um time de futebol, onde cada elemento precisa ser aprimorado para que o todo funcione a contento. E tanta complexidade, claro, é um dos fatores que torna tal cultura tão viciante. 
Toca-discos (Foto: Getty Images)

 
Qualidade do áudio à parte, o que o disco de vinil realmente oferece para qualquer um é uma experiência visual, tátil e intelectual muito, mas muito mais intensa. Começa pela capa, com amplitude suficiente para que você capte todos os detalhes e nuances de uma época em que o aspecto visual era um elemento de enorme importância - acredite: tinha gente que comprava discos só pela capa! Algumas delas, além do valor artístico, são verdadeiros documentos históricos, cheios de referências e mensagens implícitas - sobre tudo isso, vale ir atrás do livro The Art of LP: Classic Album Covers 1955-1995, uma compilação das capas mais significativas da história dos vinis.
PInk Floyd - Wish You Were Here (Foto: divulgação)

 
É tanta coisa boa que já pensei em criar uma empresa cuja atividade seria basicamente transformar em quadros todas as elegantes capas da gravadora de jazz Blue Note. Ou as imagens surreais feitas pelo estúdio Hipgnosis para clientes como Pink Floyd, Yes e Led Zeppelin. Ou mesmo as minimalistas ilustrações em preto e branco da gravadora brasileira Elenco, que ajudaram a criar uma identidade visual para a bossa-nova.
Baden Powell - Elenco (Foto: divulgação)

 

Na hora de ouvir, é preciso reservar um certo tempo do seu dia para cumprir todo o procedimento. Primeiro, tirá-lo da capa de plástico. Segundo, conferir se está tudo bem com ele e limpá-lo com uma escova com cerdas de fibra de carbono para retirar tando a poeira como a eletricidade estática que fica acumulada. Essa eletricidade é a responsável por muitos dos chiados que ouvimos em vinis. Se estiver com muita poeira, aí o jeito é lavar de verdade, com sabão neutro e água corrente. 
Blue Note Records (Foto: reprodução)

 
Feito isso, colocamos o disco no prato, posicionamos a agulha cuidadosamente no início dos sulcos, abaixamos o braço que sustenta a agulha e voilá, começa a primeira faixa do lado A. Pelos próximos 20 minutos, podemos nos sentar diante do equipamento de som para apreciar sua reprodução atentamente - depois, será preciso virar o disco e repetir o procedimento para tocar o lado B. Agora compare todo esse ritual com a maneira como nós costumamos ouvir música hoje em dia: com fones de ouvido ou no carro, a música tornou-se apenas uma trilha sonora para a atividade principal, seja ela dirigir, correr na esteira, navegar na internet ou jogar Candy Crush. Não há tempo nem boa-vontade para ouvir algo que seja um pouquinho mais desafiador, algo que demande mais do que aquela empatia imediata causada pelas canções que "grudam" no ouvido. 
Loja de discos de vinil (Foto: Getty Images)

 
Além disso, o formato do vinil permite entender melhor as ideias dos músicos em relação a cada álbum. Quando mais jovem, na época dos CDs, eu ficava intrigado com a razão de a maioria dos meus discos preferidos (coisas das décadas de 70 e 80) terem sempre um momento de maior "pegada" na altura da música sete. Hoje já entendi que, na época em que os discos eram divididos entre dois lados, muitos artistas criavam álbuns pensando nessa divisão, e sempre escolhiam uma faixa de sonoridade mais impactante para abrir o lado B. Muitas vezes, cada lado de um vinil era radicalmente diferente do outro, um tipo de viagem que acabou se perdendo com o formato linear dos CDs e DVDs. 
from vinyl to vinyl (Foto: reprodução)

 
Somando tudo, espero que tenha ficado claro o quanto a experiência de escutar um vinil é diferente no que se refere à nossa relação com a música. Para ouvi-lo do jeito certo, são necessárias ações que tornam o ouvinte parte fundamental do processo, e não apenas oback-end. Durante a audição, há o prazer de sentir que aquilo que está sendo tocado é parte de algo 100% mecânico, materializado ali na sua frente, sem digitalização nem filtros surround que no fundo só servem para filmes com perseguições e explosões. É isso o que ajudou a impulsionar o revival do formato - nos EUA, no Reino Unido e no Brasil, o ano de 2013 registrou um crescimento inédito nas vendas de vinil, consolidando um nicho de mercado que a maioria já acreditava estar extinto. 
Miles Davis - Bitches Brew (Foto: reprodução)

 

"Mas afinal, o som é melhor ou não é?". Pessoas que preferem texturas analógicas, graves mais encorpados e uma certa linha tênue entre distorção e alta fidelidade podem se apaixonar facilmente pela mágica que é tirar um som classudo de um vinil. O corte de frequências específico também causa uma sensação diferente, mais "quente", não exatamente melhor, mas talvez mais saboroso e característico - algo como o prazer que só aquele arroz com feijão feito pela sua mãe pode proporcionar. Outra percepção é a de que álbuns feitos na era analógica (até o começo dos anos 1980) geralmente soam melhor nas prensagens de vinil da época em que foram lançados, sem masterizações ou mixagens posteriores, o que incentiva ainda mais o colecionismo.

Já quem priozira a nitidez de detalhes (como instrumentos que você só percebe que estão lá depois de ouvir atentamente), a ausência de quaisquer chiados e a satisfação de conseguir uma qualidade decente gastando muito pouco pode viver satisfeito com CDs e arquivos digitais sem compressão. O vinil, no final das contas, é um hobby parecido com o antigomobilismo: se os carros de hoje são sem dúvida mais práticos, seguros e confortáveis, os de ontem possuem um tipo de artesanato e aura existencial que oferece outro nível de interatividade entre o homem e as máquinas. 
 

Fonte:http://gq.globo.com/Cultura/noticia/2014/02/afinal-qual-graca-dos-discos-de-vinil.html

Vinil (Foto: Getty Images)


Vídeo: Nós amamos discos de vinil! Saiba como preservá-los.

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