Gangaji e o compromisso com a Verdade, essa mestra implacável: o que você realmente realmente busca?
Algumas pessoas às vezes me perguntam, “mas o que é
a Verdade?“, como se estivessem duvidando da existência de uma ou
questionando algum tipo de fanatismo religioso ou filosófico (do tipo “não
existe uma só verdade”). Uma resposta sintética é essa que a mestra Gangaji, ou Antoinette Roberson Varner, discípula do mestre
indiano Hariwansh Lal Poonja (1910-1997), escreve no artigo “O
Coração Pode Suportar Tudo” (The Heart Can Bear It All), publicado
originalmente em inglês no site Awaken Teachers há
duas semanas e traduzido para o português na íntegra abaixo. A
verdade é tudo que não é mentira, oras, e se quisermos realmente buscar
a verdade do que é a vida, do que é o mundo, de quem somos nós, que sofrimento é
esse, que mistério é isso, então a busca da resposta não pode tolerar mentiras,
ou então não se saberá resposta nenhuma. E de mentiras, como diz ela logo na
primeira frase do artigo, estamos cheios.
O que propõe Gangaji é um exame frontal, destemido
e completo do que quer que a verdade seja e exija para ser encontrada,
e isso inclui todos os nossos medos e nossos desejos subliminares. Começando
pelos desejos subliminares, implícitos, e verdadeiros: “Primeiro você tem que
encontrar a verdade sobre o que é que é realmente buscado. O que você realmente
quer? Liberdade e iluminação? Realmente? Fale a verdade. Se
você tiver liberdade e iluminação, o que elas vão te dar?“. A partir
daí a cebola começa a ser descascada até o abismo, num texto que é forte e que
talvez transmita um certo temor a muitas pessoas, pelo menos as que buscam
apenas um sentido de felicidade ou uma calma ante a confusão do mundo, mas para
aqueles que estão seriamente metidos no caminho espiritual, então esse
enfrentamento é inevitável.
Duas notas sobre expressões contidas no texto. A primeira é sobre
“sermos completamente inúteis“. Sinto que essa é uma
afirmação bastante forte e como é feita por uma mestra, pode ser tomada com
certo grau de verdade e angústia, e, se assim for, o que deixo como sugestão é
que, antes de tomar isso como verdade, adote o questionamento interior, que é
mais importante, e então, se isso vier a se confirmar no decorrer dos
questionamentos, tudo bem. A segunda é sobre o título, “o
coração pode suportar tudo“, que está bem colocado no texto, mas como
vivemos numa cultura acostumada ao auto-flagelo sentimental, não custa ressaltar
que não tem nada a ver com isso, tem a ver sim com o coração como centro da
consciência, e como ele pode entender a verdade, pode suportar as respostas e a
revelação das mentiras, sem graves problemas.
O texto segue abaixo.
“O CORAÇÃO PODE SUPORTAR TUDO”
Por Gangaji (tradução: Nando Pereira)
Como humanos fomos treinados para mentir. Mentir é uma grande parte
da sobrevivência. Ser capaz de dizer a verdade é arriscar perder tudo.
Quando você faz a escolha de se comprometer com a verdade, então a
verdade é uma mestra implacável. Esse compromisso vai expor cada aspecto que se
esconde e cada justificativa de se esconder.
Nesse compromisso com a descoberta da completa verdade, tem que
haver um exame implacável de nossas mentiras. O que tem que ser enfrentado é o
que você pensa que a verdade sobre você mesmo é, e como temos mentido para nós
mesmos para encobri-la. Ao descobrir o que é que estamos negando, pode existir
um espaço – um espaço que é o conduto para descobrir a verdade mais
profunda.
O que está mais
frequentemente sendo evitado é a experiência da nossa própria inutilidade. A
maioria das pessoas suspeita que elas são as piores coisas imagináveis, uma
criatura da imperfeição, da feiúra e da estupidez. Mesmo se houver o pensamento
ou a experiência de si mesmo como uma criatura divina com um conhecimento
superior e com plenitude de ser, por trás disso não há nada além de uma alma
perdida, retorcida e irremediável flutuando no espaço, separada de
Deus.
Se você parar lá – Eu sou essa coisa crua, sem valor
e não amável – parece inicialmente intolerável. Começamos a mentir em cima
disso, ou aprendemos afirmações, ou então fazemos uma maquiagem… qualquer coisa
que não seja encarar a inutilidade. Mas só depois que aquela aparente
inutilidade essencial seja encontrada e experimentada na sua totalidade, você
será capaz de conhecer a absoluta verdade de quem você é.
Primeiro você tem que encontrar a verdade sobre o que é que é
realmente buscado. O que você realmente quer? Liberdade e iluminação? Realmente?
Fale a verdade. Se você tiver liberdade e iluminação, o que ela vai te dar?
Talvez a resposta seja, “Vai me dar respeito, ou amabilidade, ou fama, ou
felicidade eterna, ou poder, ou alívio do sofrimento do mundo”. Ao dizer a
verdade você pode descobrir o que é realmente desejado. Você descobre o que você
quer que a iluminação lhe proporcione. Geralmente não é uma verdade bonita, mas
é necessário revelá-la pra você mesmo.
Isso não é o fim. Há mais. Se você estiver disposto a dizer a
verdade sobre que fama, que amabilidade, ou força você vai obter, você descobre
o desejo por trás disso: pode ser algo como “todos irão me amar” ou “as pessoas
finalmente verão quem eu sou e me darão o que eu quero”. E se você disser a
verdade sobre o que isso vai lhe dar, então você começa a chegar perto de qual é
realmente o desejo essencial.
Você está disposto a dizer toda a verdade até o fundo das
profundezas? Está disposto a desnudar o que sua vida realmente é, onde sua
atenção realmente está, em nome da iluminação ou da paz? Está disposto a ser
honesto e ver o mecanismo que está funcionando por baixo de nossas orações por
iluminação e paz? Essa é a oportunidade para encontrar o abismo; o enorme e mais
evitado buraco da vida, a intimação que você seja pior do que inútil, que você
seja realmente nada.
Nesse ponto, susrge uma
forte tentação de fugir para a superfície emocional. Pode aparecer um breve
reconhecimento, e então uma volta à segurança da mentira. A mentira é mais
confortável. Tem mais esperança, mais promessa. Imaginamos que se formos nada
nós não existimos, e isso é horripilante. Então nós preferimos existir como algo
inútil que talvez um dia possa desenvolver valor do que existir como
nada.
Se você for sincero na sua intenção de realmente saber a verdade, e
se você estiver disposto que esse conhecimento da verdade possa lhe dar nada
além do que você mesmo – nenhuma fama, nenhum reconhecimento, nenhuma
felicidade, nenhuma isenção, nenhum amor universal – se você quiser a verdade
tanto assim, então você está disposto a cair no abismo, a encontrar o abismo com
sua atenção total, a encontrar a verdade que você é nada.
O convite é apenas largar todas as mentiras. Soltar sua consciência
sobre elas. Sinta o queimor, a dor, o ardor, o horror, a ilusão, a mentira e a
tentação de enganar com mais algumas mentiras. “Meu Deus, sou pior do que tudo
aquilo, pior que nada”. E lá está o segredo, a grande
revelação.
Encontrar o abismo é o
círculo completo. É voltar pra casa, voltar para si mesmo. O relato
extraordinário de todos que encontraram o que o abismo traz de volta para você é
que o nada que você é é consciência desperto, viva. Consciência desperta, viva e
imersa em amor. Ser nenhuma-coisa (no-thingness) é tudo que você tem procurado para se definir como
algo que vale algo, ou algo inútil. Tudo que você vinha procurando está aqui na
profundeza do seu ser, debaixo de todas as mentiras. É o que tem sido procurado
e escapado todo o tempo! É a simplicidade e a pureza de quem você, aqui agora e
sempre.
A espaçosidade que é a consciência, o coração daquela espaçosidade
que é sua verdadeira natureza, tem a capacidade de suportar qualquer idéia,
conceito o sentimento que você pensa que você é. Cada
limitação. Cada dimensão do inferno. Cada dimensão do paraíso. Tudo. O coração
pode suportar tudo. Não importa qual seja sua história, não importa que
circunstâncias você esteja, não importa quantas mentiras você se contou o
encobriu, neste momento você tem a capacidade de voltar a si mesmo e descobrir a
completa verdade do seu ser.
Fonte:http://dharmalog.com/2014/04/01
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