O dramaturgo Willian Shakespeare (1564-1616)
Shakespeare faz 450 anos e nós, humanos, temos tudo a ver com isso
Há 450 anos, no dia 23 de abril de 1564, nascia em Stratford, na Inglaterra, William Shakespeare, escritor, poeta e dramaturgo que moldou o homem moderno. Pode até parecer exagero, mas não é. Essa é a tese que o crítico literário Harold Bloom defende. Para ele, somos o que somos hoje graças a obras como "Hamlet", "Romeu e Julieta", "Ricardo 3º", "Sonhos de Uma Noite de Verão", "A Tempestade", "Rei Lear", "Macbeth" e outras 31 peças e 154 sonetos do bardo inglês.João Cezar de Castro Rocha, professor de literatura da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, explica que essa influência vem principalmente de cenas que expõem a consciência dos personagens. Contudo, esse impacto de Shakespeare não está apenas no plano abstrato. "Ele transformou-se numa espécie de linguagem universal, à qual todos recorremos embora muitas vezes não saibamos identificar a origem das expressões que empregamos. A linguagem shakespeariana ajudou a formar a visão do mundo e a expressar sentimentos em diversos idiomas. Nesse sentido, a obra shakespeariana é uma espécie de laboratório da condição humana", diz.
Tamanha influência provavelmente só foi possível porque Shakespeare viveu numa época em que o mundo começava a romper com o pensamento medieval, completamente focado em Deus, e passava a colocar o homem, com toda sua própria complexidade, no centro das questões. O escritor, então, encontrou um vasto universo interno para explorar em cada um de seus personagens.
Shakespeare também fomentou – e muito – sua língua-mãe, a inglesa. "Segundo os especialistas e historiadores, Shakespeare contribui com aproximadamente 2.000 palavras para o léxico do idioma. Em sua obra, não teria usado menos de 20 mil palavras! Isto é, o teatro shakespeariano ajudou a formar de maneira definitiva a própria língua inglesa. Portanto, quem fala inglês, mesmo sem ter consciência, em alguma medida, fala 'shakespeariano'", explica Castro Rocha.
Um Shakespeare em cada esquina
Shakespeare foi casado e teve três filhos com Anne Hathaway - o nome, a propósito, serviu de inspiração para batizar a atriz de "O Diabo Veste Prada", nascida em 1982. Além de escrever, costumava atuar em algumas de suas peças. Morreu em 1616, mas ainda é fácil encontrá-lo por aí. Só na cidade de São Paulo, há ao menos quatro de suas tramas sendo encenadas ("O Mercador de Veneza", "Ricardo 3º", "Hamlet" e "Sonho de Uma Noite de Verão").
Novos livros sobre o escritor surgem com frequência e até mesmo polêmicas em seu entorno são levantadas ou retomadas, como a dúvida sobre se ele realmente teria escrito seus textos, discutida com profundidade em "Quem Escreveu Shakespeare?", de James Shapiro.
TINHA QUE SER O CHAVES MESMO - "Chespirito", programa mexicano que transmitia quadros de "Chaves" e "Chapolin", foi criado por Roberto Bolaños (que interpreta os dois famosos personagens) e recebeu esse nome em homenagem ao dramaturgo inglês; Chespirito é o diminutivo de Shakespeare em espanhol Reprodução
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
HAKUNA MATATA - A história de "O Rei Leão", transformada em filme e peça de teatro, apresenta claras referências a "Hamlet", como o rei, pai do protagonista, sendo assassinado pelo seu próprio irmão Reprodução
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
HOMEM MORCEGO - Em declaração para o jornal Folha de São Paulo, Cláudia Shapira, diretora do Grupo Bartolomeu de Depoimentos, aponta semelhanças entre "Batman" e "Hamlet", como a relação do super-herói com seu pai fantasma e a utilização de uma "máscara da loucura" que ajuda a resolver os problemas Reprodução
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
NO DESENHO ANIMADO - No desenho animado "Doug", a irmã do protagonista se chama Judith Funnie, nome que vem de um poema de Virginia Woolf, no qual a escritora escreveu que, se Shakespeare tivesse uma irmã, ela seria chamada de Judith. Não bastasse isso, Judy, apelido da garota no desenho, faz teatro e é apaixonada pelo dramaturgo inglês - há cenas em que até conversa com um crânio, remetendo à clássica passagem de "Hamlet" Reprodução
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
EM SERIADO - O seriado "House of Cards", que segue a vida de Francis Underwood, um deputado preocupado exclusivamente em se preservar no poder, é uma adaptação moderna de "Ricardo III". O ator Kevin Spacey, protagonista da série, inclusive costuma incorporar referências do escritor inglês a boa parte de seus trabalhos Divulgação
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
NOS QUADRINHOS - A celebrada série em quadrinhos "Sandman", de Neil Gaiman, apresenta uma enorme mistura de influências, baseando-se principalmente em histórias de diferentes mitologias. Contudo, o autor também buscou referências em Shakespeare. De maneira explícita, temos a encenação de "Sonho de uma Noite de Verão" e o próprio bardo trabalhando no texto de "A Tempestade" Reprodução
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
SHAKESPEARE VIRA MÚSICA - O músico Chris O'Neill, da Backbeat Beatles, banda britânica que faz covers dos Beatles, utilizou sonetos e trechos de peças de Shakespeare como letra para músicas compostas seguindo o estilo sonoro da grande banda de Liverpool Divulgação
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
IÊ IÊ IÊ - Os próprios Beatles já haviam prestado uma homenagem ao escritor. Nas celebrações do quarto centenário de Shakespeare, os integrantes da banda encenaram "Romeu e Julieta" e "Sonho de uma Noite de Verão" Reprodução
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
TAL JOÃO DE SANTO CRISTO - Ainda na música, mas agora no Brasil, Renato Russo era fã confesso de Shakespeare. Em "Faroeste Caboclo", podemos perceber elementos tipicamente shakespearianos, como o amor impossível entre João de Santo Cristo e Maria Lúcia, o afastamento do casal e o final trágico, com a morte dos três personagens centrais, com direito ao suicídio de Maria Lúcia. Na imagem, Ísis Valverde e Fabrício Boliveira em cena de "Faroeste Caboclo" Divulgação
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
A DESPEDIDA - o último álbum da Legião Urbana com Renato Russo em vida, gravado quando o cantor e compositor já estava com a saúde bastante debilitada, recebeu o nome de "A Tempestade", outra referência à obra do inglês Otavio Dias de Oliveira/Folha Imagem
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
MALUCO BELEZA - Outro cantor brasileiro que lembrou do dramaturgo inglês foi Raul Seixas. Na melosa e humorada música "Tu é o MDC da Minha Vida", diz "Quando eu me declarava/ Você ria/ E no auge da minha agonia/ Eu citava Shakespeare" Divulgação
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
MACHADO DE ASSIS - Entrando no universo literário, listar todas as referências a Shakespeare seria praticamente impossível. Focando no Brasil, segundo Castro Rocha, Machado de Assis é um exemplo de escritor que compreendeu perfeitamente a dimensão da importância e influência do inglês Domínio público
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
BRÁS CUBAS - A primeira edição de "Memórias póstumas de Brás Cubas" trazia como epígrafe um breve trecho em inglês de "Como gostais", de Shakespeare. Contudo, na segunda edição da obra, essa citação some e dá lugar à clássica dedicatória "aos vermes que primeiro roem as frias carnes". Na imagem, Reginaldo Faria na adaptação cinematográfica de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" Xando Pereira/Folhapress
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
EM CONTOS - Machado fez centenas de referências a Shakespeare em seus escritos. Castro Rocha aponta para dois momentos. No conto "Aurora sem dia", o narrador diz que o protagonista não precisaria "ter lido Shakespeare para falar do to be or not to be, do balcão de Julieta e das torturas de Otelo". Já em "Tempo de crise", o personagem fala "Dizem de Shakespeare que, se a humanidade perecesse, ele só poderia compô-la, pois que não deixou intacta uma fibra sequer do coração humano" Reprodução
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
LITERATURA INFANTIL - O dinamarquês Hans Christian Andersen é um dos autores mais célebres de obras infantis de todos os tempos. Ele cresceu frequentando a casa de uma vizinha apaixonada por literatura que lhe apresentou autores como Shakespeare - foi a partir disso que ele resolveu escrever histórias Reprodução
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
NO TRIBUNAL - A obra de Shakespeare é tão plural que na última edição da Pauliceia Literária, o escritor Rodrigo Lacerda e advogado José Garcez Ghirardi compuseram uma mesa que discutia o aspecto jurídico nos textos do autor. Na imagem, pintura do holandês Jozef Horemans do julgamento de "O Mercador de Veneza" Reprodução
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
EM BRASÍLIA - As reflexões do inglês sobre o poder e a política seguem extremamente atuais e suas peças oferecem uma oportunidade para entendermos como o jogo político funciona. Tanto é que um grupo de estudantes, junto com Castro Rocha, procura por financiamento coletivo para a primeira versão da Saideira Literária, que discutirá exatamente a relação entre obras de Shakespeare e a atual situação política do país Shutterstock
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
OLHANDO PRO BOLSO - Escrito por Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, e Henry Farnam, o livro "Shakespeare e a Economia" discute se o escritor era um milionário empresário do entretenimento de massa e apresenta uma versão que busca comprovar que o inglês era detentor de uma grande fortuna. Na imagem, Marlon Brando em adaptação ao cinema de 1953 de "Júlio César" Reprodução
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
INSPIRAÇÃO PARA O COMUNISMO - Na obra "Manuscritos Econômico-filosoficos", Karl Marx, grande conhecedor da obra de Shakespeare, utiliza trechos de "Timão de Atenas" para alicerçar seus argumentos. Já em "O Capital", sua obra mais importante, o alemão recorre ao inglês para falar sobre os valores de mercadorias Wikimedia Commons
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
ENTENDENDO A MENTE HUMANA - Sigmund Freud buscava tanta inspiração em Shakespeare que parecia querer incorporá-lo, tanto que para definir o "complexo de Édipo", além de se basear na tragédia de Sófocles, também apresenta Hamlet como um "neurótico universalmente célebre" Sigmund Freud Museum/AP
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
NO TERCEIRO REICH - Hitler considerava "Coriolano" uma obra que representava magnificamente as qualidades da aristocracia. Depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos proibiram o título na Alemanha por considerá-la peça do regime nazista
"Onde está Shakespeare?": veja a influência da obra do bardo
TEORIA DA CONSPIRAÇÃO? - Apesar de estar em todos esses - e muitos outros - lugares, há quem defenda que Shakespeare, por conta das lacunas de sua biografia, não seria o autor de suas peças. As teorias foram levantas e discutidas recentemente no livro "Quem escreveu Shakespeare?", de James Shapiro Reprodução
A visão universal
Ainda em 2014, Castro Rocha publicará o livro "Culturas Shakesperianas?", no qual partirá do texto de "A Tempestade", reescrita por inúmeros autores a América Latina e que apresenta personagens que se transformaram em espécie de símbolo para a compreensão da região, para propor que "as culturas latino-americanas podem ser consideradas autênticas culturas shakespearianas". Uma abordagem bastante original se levarmos em conta que o inglês produziu sua obra pouquíssimo tempo depois dos europeus chegarem à América, sem que a história pós-colombiana do continente já tivesse ganhado corpo.
Essa linguagem que parece atingir a todos pode aproximar a obra de Shakespeare até mesmo das narrativas mitológicas. "É possível estabelecer uma relação da obra dele com a mitologia, enquanto narrativas simbólicas que norteiam várias esferas da vida humana. A produção shakesperiana dialoga tanto conosco ainda hoje porque aponta caminhos pedagógicos sobre o ciclo de vida do indivíduo, sociológicos e cósmicos, no sentido de sugerir como o ser humano pode dialogar com o espaço natural que o circunda", defende Monica Martinez, PhD em Narrativas Digitais e co-criadora do Núcleo Granja Viana da Joseph Campbell Foundation, organização que incentiva as pesquisas e os estudos da mitologia a partir da obra do mitólogo Joseph Campbell. "No fundo, Shakespeare nos lembra que, apesar de todo nosso universo tecnológico, ainda somos aqueles seres que sabem pouco sobre quem são e para onde vão", completa Monica.
Fonte:
http://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2014/04/23/
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