A primeira invasão, fundacional, ocorreu no século 16 com a colonização portuguesa. Índios foram subjugados ou eliminados, milhões de escravos foram trazidos da Africa como carvão para a máquina produtiva.
A terceira invasão ocorreu nos anos 30 do século passado e foi consolidada nos anos 60 com a ditadura militar. Introduziu-se uma modernização conservadora mediante a industrialização de substituição. Ela se deu em estreita associação com capital transnacional e com as tecnologias importadas. Por ela se firmou a lógica de nosso desenvolvimento dependente, voltado para fora, produzindo aquilo que os outros queriam e não aquilo de que o povo precisava. Mas criou-se um Estado nacional forte, que hegemonizou esse processo.
Em tensão dialética com este esforço, elaborou-se também um outro projeto representado pelas massas emergentes da cidade e do campo.Visavam outro tipo de democracia que devia tornar possível o desenvolvimento com inclusão e justiça social. Para derrotar esta proposta, as classes proprietárias deram em 1964 um golpe de classe, utilizando o braço militar. Como consequência, o Brasil mergulhou decisivamente na lógica excludente do capitalismo transnacionalizado.
Entretanto, na nova distribuição internacional de poder, o Brasil e, de resto, a América Latina estão sendo neocolonizados. Reservam-nos o lugar de exportadores de matéria-prima e de commodities para o mercado mundial, criando obstáculos à inovação tecnológica que confere valor agregado aos nossos produtos. Obrigam-nos a ser a mesa posta para as fomes do mundo inteiro e a permanecer “deitado eternamente em berço esplêndido”.
A nova consciência social, no entanto, a partir dos meados do século passado, conseguiu criar uma vasta rede de movimentos sociais. Ela se afunilou numa força política com a criação do PT e de outros partidos com raízes populares. Com a vitória de Lula e depois de Dilma Rousseff se instaurou um outro sujeito de poder e propiciando o maior evento de inclusão social dos destituídos de nossa história.
Este fato cria as bases para relançar a ideia de uma reinvenção do Brasil sobre outras bases que não são das elites proprietárias. No centro está o povo.
Apesar de ter sido considerado, tantas vezes, jeca-tatu, carvão para nosso processo produtivo, joão-ninguém, o povo brasileiro nunca perdeu sua autoestima e o encantamento do mundo. Talvez seja esta visão encantada do mundo uma das maiores contribuições que nós, brasileiros, podemos dar à cultura mundial emergente, tão pouco mágica e tão pouco sensível ao jogo, ao humor e à convivência dos contrários.
O antropólogo Roberto da Matta enfatizou o fato de o povo brasileiro ter criado um patrimônio realmente invejável: “toda essa nossa capacidade de sintetizar, relacionar, reconciliar, criando com isso zonas e valores ligados à alegria, ao futuro e à esperança” (Porque o Brasil é Brasil, 1986,121) Alimentamos sempre um horizonte utópico promissor: viver neste mundo não significa ser prisioneiros das necessidades, mas ser filhos e filhas da alegria.
Jornal do Brasil - Leonardo Boff*
* Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é também escritor. Entre outros livros, escreveu 'Depois de 500 anos:Que Brasil queremos?' (Vozes, 2000) . - lboff@leonardoboff.com
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