O EREMITA - MATTHIEU RICARD


A vocação do eremita com frequência é mal compreendida. O eremita não se retira do mundo por se sentir rejeitado, por não achar nada melhor para fazer do que vagar nas montanhas, ou por ser incapaz de assumir suas responsabilidades. Ele decide partir — uma decisão que pode parecer extrema — por compreender que não pode controlar sua mente e solucionar o problema da felicidade e sofrimento no meio das atividades intermináveis e fúteis da vida ordinária.
Ele não está fugindo do mundo, mas se distancia dele para colocá-lo em perspectiva e compreender melhor como ele funciona. Ele não abandona seus semelhantes, mas precisa de tempo para cultivar amor autêntico e compaixão que não serão afetados por preocupações ordinárias como prazer e desprazer, ganho e perda, elogia e crítica.
Como um músico que pratica suas escalas ou um atleta que exercita seu corpo, ele precisa de tempo, concentração e prática constante para ganhar maestria sobre o caos de sua mente e penetrar o significado da vida. Depois, ele pode colocar sua sabedoria para ajudar os outros. Seu lema poderia ser: “Transformar você mesmo para melhor transformar o mundo”.
As situações caóticas da vida ordinária tornam muito difícil progredir na prática e desenvolver força interior. É melhor concentrar unicamente em treinar a mente pelo tempo que seja necessário. O animal ferido se esconde na floresta para curar seus machucados até que ele esteja bom de novo para andar por onde quiser. Nossas feridas são o egoísmo, intenção maléfica, apego e outros venenos mentais.
O eremita não “apodrece em sua cela”, como alguns imaginam. Aqueles que vivenciaram como é isso realmente irão te dizer que a pessoa amadurece em seu retiro. Porque para uma pessoa que permanece no frescor da consciência plena do momento presente, não há tempo gasto com o peso dos dias desperdiçados em distrações, mas sim a leveza de uma vida saboreada por completo.
Se o eremita perde o interesse em algumas preocupações ordinárias, não é porque sua existência se tornou insípida, mas porque ele reconhece, entre todas as possíveis atividades humanas, aquela que realmente vai contribuir para a felicidade própria e alheia.

“The Hermit”

Matthieu Ricard (França, 1946 ~)

Fonte:http://darma.info/trechos/2012/11/

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