Faltavam ainda alguns minutos para a meia-noite, quando Glyndon foi ter novamente ao quarto do místico.
O jovem havia observado escrupulosamente o jejum que lhe fora ordenado; e as intensas e arrebatadoras meditações em que o submergia a sua excitada fantasia, não somente lhe fizera esquecer as necessidades do corpo, mas até conseguiram que ele se sentisse superior a elas.
Mejnour, sentado ao lado do seu discípulo, falou-lhe desta maneira:
— O homem é arrogante à proporção da sua ignorância, e a sua tendência natural é o egoísmo. Na infância do saber, pensa que toda a criação foi feita para ele. Por muitos séculos, viu nos inumeráveis mundos que brilham no espaço, como as borbulhas de um imenso oceano, apenas pequenas velas, que a Providência havia-se comprazido em acender como único fim de tornar-nos a noite mais agradável. A astronomia corrigiu esta ilusão da vaidade humana; e o homem, ainda que, com relutância, confessa, agora, que as estrelas são mundos mais vastos e mais formosos do que o nosso mundo, — que a terra, sobre a qual os homens se arrastam, é apenas um ponto dificilmente visível no vasto mapa da criação. Porém, no pequeno, assim como no grande, Deus pôs a vida igualmente em profusão. O viajor olha a árvore e imagina que os seus ramos foram formados para livrá-lo do ardor dos raios solares no verão, ou para fornecer-lhe o combustível durante os frios do inverno. Mas em cada folha desses ramos, o Criador fez um mundo, que é povoado de inumeráveis raças. Cada gota de água naquele rego é um orbe, mais cheio de seres do que de homens é cheio um reino. Em todas as partes, neste imenso Plano de Existência, a ciência descobre novas vidas. A vida é um princípio que atravessa tudo, e até a coisa que parece morrer e apodrecer, gera nova vida, e dá novas formas à matéria. Raciocinando, pois, por evidente analogia, diremos: Se não há uma folha, nem uma gota de água que não seja, como aquela estrela, um mundo habitável e respirante, — e se até o homem mesmo é um mundo para outras vidas, e milhões e bilhões de seres habitam nas correntes do seu sangue, vivendo no seu corpo como o homem vive na terra, o senso comum (se seus homens eruditos o tivessem) bastaria para ensinar que o infinito circunfluente, ao qual chamam espaço, o ilimitado Impalpável que separa a terra da lua e das estrelas, está também cheio de sua correspondente e apropriada vida. Não é visível absurdo supôs que uma folha está cheia de seres e vida, e que seres vivos não existem nas imensidades do espaço? A lei do Grande Sistema não permite que se desperdice um só átomo, nem conhece lugar algum onde não respire algum ser vivo. Até o ossário é um viveiro de produção e animação. É verdade o que digo? Pois bem, se é assim, pode conceber que o espaço, que é o Infinito mesmo, somente seja um deserto sem vida, menos útil ao Plano da Existência Universal, do que o esqueleto de um cão, do que a povoada folha, do que a gota de água, cheia de seres viventes? O microscópio mostra-nos as criaturas na folha; nenhum tubo mecânico foi ainda inventado para descobrir os seres mais nobres e mais adiantados, que povoam o ar ilimitado. Entre estes, porém, e o homem, existe uma misteriosa e terrível afinidade. E, por isso, nascem dos contos e lendas, que não são nem totalmente falsos, nem totalmente verdadeiros, de tempo em tempo, crenças em aparições e espectros. Se estas crenças foram mais comuns entre as tribos primitivas, mais simples do que o homens do seu enfatuado século, é só porque os sentidos daquelas tribos eram mais finos e mais perspicazes. E como o selvagem vê ou percebe, até pelo olfato, a muitas milhas de distância, as pegadas de um inimigo, invisíveis aos embotados sentidos do homem civilizado, assim é menos densa e menos obscura para ele a barreira que se encontra entre ele e as criaturas do mundo aéreo. Escutou-me?
— Com toda a minha alma, — respondeu Glyndon.
— Porém, para penetrar esta barreira, ' continuou Mejnour, — é preciso que a alma, com que escuta, seja aguçada por um intenso entusiasmo, e purificada de todos os desejos terrestres. Não sem razão os chamados magos de todos os países e de todos os tempos, insistiam sempre sobre a necessidade de castidade e de moderada contemplação, como os mais poderosos elementos da inspiração. Quando a alma está assim preparada, a ciência pode, depois, vir em seu auxílio; a vista se torna mais sutil, os nervos mais agudos, o espírito mais ativo e penetrante, e até os elementos, o ar, o espaço, — por meio de certos segredos da química superior, podem tornar-se mais palpáveis e claros. E também isto não é magia, no sentido que a esta palavra dão os crédulos; pois, como já lhe disse tantas vezes, a magia, — se com este termo se pensa em uma ciência que viola a Natureza, — não existe; ela é apenas a ciência com que as forças da Natureza podem ser dirigidas, dominadas e aproveitadas. Ora, no espaço há milhões de seres, não literalmente espirituais, pois que têm todos, como os animálculos invisíveis ao olho nu, certas formas de matéria, se bem que tão delicada sutil, que parece não ser mais do que uma película uma penugem que cobre o espírito. Daí nascem os belos fantasmas rosacrucianos de silfos e gnomos. Sem embargo, essas raças e tribus diferem mais entre si, do que o kalmuk do grego, em suas formas, seus atributos e poderes. Na gota de água, vê como são variados os animálculos, como grandes e terríveis são alguns desses microscópios vermes-monstros em comparação a outros. Igualmente, dentre os habitantes da atmosfera, alguns há que possuem um alto grau de sabedoria, e outros são dotados de uma horrível malignidade; alguns são hostis aos homens, porque são seus inimigos; ao passo que outros lhe são afáveis, e servem de mensageiros entre a terra e o céu. Quem pretende entrar em relações com estes divinos seres, assemelha-se ao viajante que, querendo penetrar em países desconhecidos, se expõe a estranhos perigos e incalculáveis terrores. Quando tiver entrado nestas relações; não poderei livrá-lo dos incidentes a que o seu caminho o expõe. Não posso dirigi-lo por sendas onde não encontre alguns desses mortais e terríveis inimigos. Há de fazer-lhe frente você mesmo, e sozinho. Porém, se aprecia tanto a sua vida, que somente queira prolongar a sua existência, não importa para que fins, reparando a força dos seus nervos e a frescura do seu sangue com o elixir vivificados do alquimista, por que deve buscar as relações com esses seres intermediários e expôr-se aos perigos que resultam? Porque o homem poderia atrair sobre si. Por isso, embora o elixir seja vida, aguça os sentidos de tal maneira, que essas larvas que povoam o ar, se ouvem e se vêem. Enquanto não tiver exercitado suficientemente a poder gradualmente, acostumar-se a não se perturbar pelo aparecimento desses fantasmas, e a dominar a sua malícia, uma vida, dotada destas forças e capacidades, seria a mais horrível sentença que o homem poderia atrair sobre si. Por isso, embora o elixir seja composto de ervas muito simples, pode recebê-lo só quem tenha passado já pelas provas mais sutis. Alguns, sobressaltados por um insuportável horror ante os objetos que se apresentaram à sua vista ao primeiro gole do milagroso líquido, acharam que a poção era menos poderosa para salvar, do que a agonia e o trabalho da Natureza para destruir. Assim é que, para os que não estão preparados, o elixir não é mais do que um veneno mortífero. Entre os moradores do umbral há também um, que, em sua malignidade e ódio, excede a toda a sua tribo, — um, cujos olhos têm paralisado os homens mais intrépidos, e cujo poder sobre o espírito humano. aumenta, precisamente, à proporção do temor que inspira. Vacila a sua coragem?
— Oh, não! — respondeu Glyndon. — Pelo contrário, as suas palavras não fazem mais do que inflamá-la.
— Então, — ordenou Mejnour, — siga-me; vou submetê-lo aos trabalhos de iniciação.
E Mejnour conduziu o discípulo ao quarto interior, onde lhe explicou certas operações químicas, as quais, como Glyndon logo compreendeu, apesar de serem "muitíssimo simples, eram capazes de produzir resultados extraordinários.
— Nos tempos remotos, — prosseguiu Mejnour, sorrindo, — a nossa irmandade via-se, com freqüência, obrigada a recorrer ao engano, para encobrir a realidade; e, como os seus adeptos eram destros mecânicos ou peritos químicos, dava-se-lhes o nome de feiticeiros. Observe como é fácil compor o Espectro de Leão, que acompanhava o célebre Leonardo da Vinci!
E Glyndon viu, com deliciosa surpresa, os simples meios que bastavam para produzir as mais singulares ilusões da imaginação. As mágicas paisagens que deleitavam Baptista Porta; a aparente mudança das estações com que Alberto Magno surpreendeu o Conde de Holanda; e até aquelas terríveis visões de Espíritos e Imagens com que os necromantes de Heracléa alarmaram a consciência do conquistador de Platéa (*), — tudo isto Mejnour mostrou ao discípulo, assim como o fazem os homens que, com a lanterna mágica e a fantasmagoria, encantam medrosas crianças, na véspera no Natal.
— E agora, que você viu, ria-se da magia. Se estes brinquedos, estes enganos, divertimentos e frivolidades da ciência eram aquelas coisas tão terríveis que os homens olhavam com repugnância, e que os reis e os inquisidores premiavam com a roda ou coma estaca!
— Porém, a transmutação de metais, de que falam os alquimistas? — perguntou Glyndon.
— A Natureza mesma — respondeu Mejnour — é um laboratório, onde os metais, e todos os elementos, estão continuamente em transmutação.É fácil fazer ouro, e mais fácil ainda, e mais cômodo e mais barato, é fazer-se pérolas, diamantes e rubis. Oh, sim! homens sábios consideraram também isto como feitiçaria; mas não acharam nada de feitiçaria no descobrir que, pelas mais simples combinações de coisas de uso quotidiano, poderiam criar um demônio que arrebatasse a milhares as vidas de seus semelhantes, por meio de um fogo consumidor. Descubra coisas que destruam a vida, e será um grande homem! — ache, porém, um meio de prolongar a vida, e chamar-lhe-ão impostor! Invente alguma máquina que torne mais ricos os ricos e que aumente a pobreza dos pobres, e a sociedade levantará para si um monumento! Descubra algum mistério na arte, que faça desaparecer as desigualdades físicas, e morrerá apedrejado! Ah! ah! meu discípulo! este é o mundo pelo qual Zanoni ainda se interessa! — Você, porém, e eu, deixaremos este mundo entregue a si mesmo. E agora, que presenciou alguns dos efeitos da ciência, comece a aprender a sua gramática.
Mejnour pôs, em seguida, diante do seu discípulo certos trabalhos, nos quais empregou este o resto da noite.
. . .
Quase sem analisar os processos mentais por que os seus nervos se alentavam e as suas pernas se moviam, o jovem atravessou o corredor, dirigiu-se ao quarto de Mejnour e abriu a porta proibida.
Tudo ali estava da mesma forma como de costume; apenas, sobre a mesa no centro do quarto, via-se aberto um volumoso livro. Glyndon aproximou-se dele e olhou os caracteres que a página lhe oferecia; eram escritos em cifras, cujo estudo fizera uma parte de seus trabalhos. Sem que lhe custasse grande dificuldade, pareceu-lhe que podia interpretar o significado das primeiras sentenças, onde lia:
"Sorver a vida interna é, ver a vida externa; viver desafiando o tempo, é viver no todo. Quem descobre o elixir, descobre o que há no espaço, pois o espírito que vivifica o corpo, fortalece os sentidos. Há atração no princípio elemental da luz. Nas lâmpadas dos Rosas-Cruzes, o fogo é o puro princípio elemental. Acenda as lâmpadas enquanto abre o vaso que contém o elixir, e a luz atrairá os seres cuja vida é aquela luz. Guarde-se do Medo. O Medo é o inimigo mortal da ciência".
Aqui as cifras mudaram de caráter e tornaram-se incompreensíveis para Glyndon. Porém, não havia lido já bastante?
. . .
Glyndon colocou a sua lâmpada ao lado do livro, que ainda estava ali aberto; virou umas fôlhas e outras, porém sem poder decifrar o seu significado, até que chegou ao trecho seguinte:
“Quando, pois, o discípulo está desta maneira iniciado e preparado, deve abrir a janela, acender as lâmpadas e umedecer as suas fontes com o elixir. Mas que tenha o cuidado de não se atrever a tomar muita coisa do volátil e fogoso espírito. Prová-lo, antes que, por meio de repetidas inalações, o corpo se haja acostumado gradualmente ao extático liquido, é buscar, não a vida, mas sim a morte.”
Excerto do livro de E. Bulwer Lytton, “Zanoni”
Fonte:Célia Barcellos-http://holosgaia.blogspot.com/
O jovem havia observado escrupulosamente o jejum que lhe fora ordenado; e as intensas e arrebatadoras meditações em que o submergia a sua excitada fantasia, não somente lhe fizera esquecer as necessidades do corpo, mas até conseguiram que ele se sentisse superior a elas.
Mejnour, sentado ao lado do seu discípulo, falou-lhe desta maneira:
— O homem é arrogante à proporção da sua ignorância, e a sua tendência natural é o egoísmo. Na infância do saber, pensa que toda a criação foi feita para ele. Por muitos séculos, viu nos inumeráveis mundos que brilham no espaço, como as borbulhas de um imenso oceano, apenas pequenas velas, que a Providência havia-se comprazido em acender como único fim de tornar-nos a noite mais agradável. A astronomia corrigiu esta ilusão da vaidade humana; e o homem, ainda que, com relutância, confessa, agora, que as estrelas são mundos mais vastos e mais formosos do que o nosso mundo, — que a terra, sobre a qual os homens se arrastam, é apenas um ponto dificilmente visível no vasto mapa da criação. Porém, no pequeno, assim como no grande, Deus pôs a vida igualmente em profusão. O viajor olha a árvore e imagina que os seus ramos foram formados para livrá-lo do ardor dos raios solares no verão, ou para fornecer-lhe o combustível durante os frios do inverno. Mas em cada folha desses ramos, o Criador fez um mundo, que é povoado de inumeráveis raças. Cada gota de água naquele rego é um orbe, mais cheio de seres do que de homens é cheio um reino. Em todas as partes, neste imenso Plano de Existência, a ciência descobre novas vidas. A vida é um princípio que atravessa tudo, e até a coisa que parece morrer e apodrecer, gera nova vida, e dá novas formas à matéria. Raciocinando, pois, por evidente analogia, diremos: Se não há uma folha, nem uma gota de água que não seja, como aquela estrela, um mundo habitável e respirante, — e se até o homem mesmo é um mundo para outras vidas, e milhões e bilhões de seres habitam nas correntes do seu sangue, vivendo no seu corpo como o homem vive na terra, o senso comum (se seus homens eruditos o tivessem) bastaria para ensinar que o infinito circunfluente, ao qual chamam espaço, o ilimitado Impalpável que separa a terra da lua e das estrelas, está também cheio de sua correspondente e apropriada vida. Não é visível absurdo supôs que uma folha está cheia de seres e vida, e que seres vivos não existem nas imensidades do espaço? A lei do Grande Sistema não permite que se desperdice um só átomo, nem conhece lugar algum onde não respire algum ser vivo. Até o ossário é um viveiro de produção e animação. É verdade o que digo? Pois bem, se é assim, pode conceber que o espaço, que é o Infinito mesmo, somente seja um deserto sem vida, menos útil ao Plano da Existência Universal, do que o esqueleto de um cão, do que a povoada folha, do que a gota de água, cheia de seres viventes? O microscópio mostra-nos as criaturas na folha; nenhum tubo mecânico foi ainda inventado para descobrir os seres mais nobres e mais adiantados, que povoam o ar ilimitado. Entre estes, porém, e o homem, existe uma misteriosa e terrível afinidade. E, por isso, nascem dos contos e lendas, que não são nem totalmente falsos, nem totalmente verdadeiros, de tempo em tempo, crenças em aparições e espectros. Se estas crenças foram mais comuns entre as tribos primitivas, mais simples do que o homens do seu enfatuado século, é só porque os sentidos daquelas tribos eram mais finos e mais perspicazes. E como o selvagem vê ou percebe, até pelo olfato, a muitas milhas de distância, as pegadas de um inimigo, invisíveis aos embotados sentidos do homem civilizado, assim é menos densa e menos obscura para ele a barreira que se encontra entre ele e as criaturas do mundo aéreo. Escutou-me?
— Com toda a minha alma, — respondeu Glyndon.
— Porém, para penetrar esta barreira, ' continuou Mejnour, — é preciso que a alma, com que escuta, seja aguçada por um intenso entusiasmo, e purificada de todos os desejos terrestres. Não sem razão os chamados magos de todos os países e de todos os tempos, insistiam sempre sobre a necessidade de castidade e de moderada contemplação, como os mais poderosos elementos da inspiração. Quando a alma está assim preparada, a ciência pode, depois, vir em seu auxílio; a vista se torna mais sutil, os nervos mais agudos, o espírito mais ativo e penetrante, e até os elementos, o ar, o espaço, — por meio de certos segredos da química superior, podem tornar-se mais palpáveis e claros. E também isto não é magia, no sentido que a esta palavra dão os crédulos; pois, como já lhe disse tantas vezes, a magia, — se com este termo se pensa em uma ciência que viola a Natureza, — não existe; ela é apenas a ciência com que as forças da Natureza podem ser dirigidas, dominadas e aproveitadas. Ora, no espaço há milhões de seres, não literalmente espirituais, pois que têm todos, como os animálculos invisíveis ao olho nu, certas formas de matéria, se bem que tão delicada sutil, que parece não ser mais do que uma película uma penugem que cobre o espírito. Daí nascem os belos fantasmas rosacrucianos de silfos e gnomos. Sem embargo, essas raças e tribus diferem mais entre si, do que o kalmuk do grego, em suas formas, seus atributos e poderes. Na gota de água, vê como são variados os animálculos, como grandes e terríveis são alguns desses microscópios vermes-monstros em comparação a outros. Igualmente, dentre os habitantes da atmosfera, alguns há que possuem um alto grau de sabedoria, e outros são dotados de uma horrível malignidade; alguns são hostis aos homens, porque são seus inimigos; ao passo que outros lhe são afáveis, e servem de mensageiros entre a terra e o céu. Quem pretende entrar em relações com estes divinos seres, assemelha-se ao viajante que, querendo penetrar em países desconhecidos, se expõe a estranhos perigos e incalculáveis terrores. Quando tiver entrado nestas relações; não poderei livrá-lo dos incidentes a que o seu caminho o expõe. Não posso dirigi-lo por sendas onde não encontre alguns desses mortais e terríveis inimigos. Há de fazer-lhe frente você mesmo, e sozinho. Porém, se aprecia tanto a sua vida, que somente queira prolongar a sua existência, não importa para que fins, reparando a força dos seus nervos e a frescura do seu sangue com o elixir vivificados do alquimista, por que deve buscar as relações com esses seres intermediários e expôr-se aos perigos que resultam? Porque o homem poderia atrair sobre si. Por isso, embora o elixir seja vida, aguça os sentidos de tal maneira, que essas larvas que povoam o ar, se ouvem e se vêem. Enquanto não tiver exercitado suficientemente a poder gradualmente, acostumar-se a não se perturbar pelo aparecimento desses fantasmas, e a dominar a sua malícia, uma vida, dotada destas forças e capacidades, seria a mais horrível sentença que o homem poderia atrair sobre si. Por isso, embora o elixir seja composto de ervas muito simples, pode recebê-lo só quem tenha passado já pelas provas mais sutis. Alguns, sobressaltados por um insuportável horror ante os objetos que se apresentaram à sua vista ao primeiro gole do milagroso líquido, acharam que a poção era menos poderosa para salvar, do que a agonia e o trabalho da Natureza para destruir. Assim é que, para os que não estão preparados, o elixir não é mais do que um veneno mortífero. Entre os moradores do umbral há também um, que, em sua malignidade e ódio, excede a toda a sua tribo, — um, cujos olhos têm paralisado os homens mais intrépidos, e cujo poder sobre o espírito humano. aumenta, precisamente, à proporção do temor que inspira. Vacila a sua coragem?
— Oh, não! — respondeu Glyndon. — Pelo contrário, as suas palavras não fazem mais do que inflamá-la.
— Então, — ordenou Mejnour, — siga-me; vou submetê-lo aos trabalhos de iniciação.
E Mejnour conduziu o discípulo ao quarto interior, onde lhe explicou certas operações químicas, as quais, como Glyndon logo compreendeu, apesar de serem "muitíssimo simples, eram capazes de produzir resultados extraordinários.
— Nos tempos remotos, — prosseguiu Mejnour, sorrindo, — a nossa irmandade via-se, com freqüência, obrigada a recorrer ao engano, para encobrir a realidade; e, como os seus adeptos eram destros mecânicos ou peritos químicos, dava-se-lhes o nome de feiticeiros. Observe como é fácil compor o Espectro de Leão, que acompanhava o célebre Leonardo da Vinci!
E Glyndon viu, com deliciosa surpresa, os simples meios que bastavam para produzir as mais singulares ilusões da imaginação. As mágicas paisagens que deleitavam Baptista Porta; a aparente mudança das estações com que Alberto Magno surpreendeu o Conde de Holanda; e até aquelas terríveis visões de Espíritos e Imagens com que os necromantes de Heracléa alarmaram a consciência do conquistador de Platéa (*), — tudo isto Mejnour mostrou ao discípulo, assim como o fazem os homens que, com a lanterna mágica e a fantasmagoria, encantam medrosas crianças, na véspera no Natal.
— E agora, que você viu, ria-se da magia. Se estes brinquedos, estes enganos, divertimentos e frivolidades da ciência eram aquelas coisas tão terríveis que os homens olhavam com repugnância, e que os reis e os inquisidores premiavam com a roda ou coma estaca!
— Porém, a transmutação de metais, de que falam os alquimistas? — perguntou Glyndon.
— A Natureza mesma — respondeu Mejnour — é um laboratório, onde os metais, e todos os elementos, estão continuamente em transmutação.É fácil fazer ouro, e mais fácil ainda, e mais cômodo e mais barato, é fazer-se pérolas, diamantes e rubis. Oh, sim! homens sábios consideraram também isto como feitiçaria; mas não acharam nada de feitiçaria no descobrir que, pelas mais simples combinações de coisas de uso quotidiano, poderiam criar um demônio que arrebatasse a milhares as vidas de seus semelhantes, por meio de um fogo consumidor. Descubra coisas que destruam a vida, e será um grande homem! — ache, porém, um meio de prolongar a vida, e chamar-lhe-ão impostor! Invente alguma máquina que torne mais ricos os ricos e que aumente a pobreza dos pobres, e a sociedade levantará para si um monumento! Descubra algum mistério na arte, que faça desaparecer as desigualdades físicas, e morrerá apedrejado! Ah! ah! meu discípulo! este é o mundo pelo qual Zanoni ainda se interessa! — Você, porém, e eu, deixaremos este mundo entregue a si mesmo. E agora, que presenciou alguns dos efeitos da ciência, comece a aprender a sua gramática.
Mejnour pôs, em seguida, diante do seu discípulo certos trabalhos, nos quais empregou este o resto da noite.
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Quase sem analisar os processos mentais por que os seus nervos se alentavam e as suas pernas se moviam, o jovem atravessou o corredor, dirigiu-se ao quarto de Mejnour e abriu a porta proibida.
Tudo ali estava da mesma forma como de costume; apenas, sobre a mesa no centro do quarto, via-se aberto um volumoso livro. Glyndon aproximou-se dele e olhou os caracteres que a página lhe oferecia; eram escritos em cifras, cujo estudo fizera uma parte de seus trabalhos. Sem que lhe custasse grande dificuldade, pareceu-lhe que podia interpretar o significado das primeiras sentenças, onde lia:
"Sorver a vida interna é, ver a vida externa; viver desafiando o tempo, é viver no todo. Quem descobre o elixir, descobre o que há no espaço, pois o espírito que vivifica o corpo, fortalece os sentidos. Há atração no princípio elemental da luz. Nas lâmpadas dos Rosas-Cruzes, o fogo é o puro princípio elemental. Acenda as lâmpadas enquanto abre o vaso que contém o elixir, e a luz atrairá os seres cuja vida é aquela luz. Guarde-se do Medo. O Medo é o inimigo mortal da ciência".
Aqui as cifras mudaram de caráter e tornaram-se incompreensíveis para Glyndon. Porém, não havia lido já bastante?
. . .
Glyndon colocou a sua lâmpada ao lado do livro, que ainda estava ali aberto; virou umas fôlhas e outras, porém sem poder decifrar o seu significado, até que chegou ao trecho seguinte:
“Quando, pois, o discípulo está desta maneira iniciado e preparado, deve abrir a janela, acender as lâmpadas e umedecer as suas fontes com o elixir. Mas que tenha o cuidado de não se atrever a tomar muita coisa do volátil e fogoso espírito. Prová-lo, antes que, por meio de repetidas inalações, o corpo se haja acostumado gradualmente ao extático liquido, é buscar, não a vida, mas sim a morte.”
Excerto do livro de E. Bulwer Lytton, “Zanoni”
Fonte:Célia Barcellos-http://holosgaia.blogspot.com/
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