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Chegada dos
millennials à meia-idade é marcada por angústias e frustrações
Geração que acreditou no propósito como
pilar enfrenta inseguranças diante das crises que assolam o mundo
Por
06/10/2025 04h31 Atualizado há 4 dias
Comecemos pelo testemunho de um autêntico millennial, o professor de literatura e pesquisador Guilherme Terreri, de 35 anos, criador da personagem drag Rita von Hunty, que já falou sobre o tema em um vídeo muito compartilhado: “Olho para tudo o que já fiz, quanto tempo me dediquei ao trabalho e à pesquisa, e penso se é este mesmo regime de dedicação que terei no futuro, se conseguirei mantê-lo e, ainda, se haverá futuro. Estamos envelhecendo num mundo que está se esfacelando”.
A angústia vai no cerne da questão. Afinal, há quem veja essa geração como um tanto azarada, diante das crises de ordem política, econômica e social que assolam o mundo. Pense em profissões que podem ser extintas pelas novas tecnologias, formatos de remuneração nada vantajosos e tragédias ambientais. Um quadro capaz de minar a promessa que foi central na formação dessa população: “trabalhe motivado pelo propósito, que você será recompensado”.
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Psicólogo e professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde Mental da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto, João Paulo Machado Sousa afirma que a insegurança é notória. “Se antes víamos muitos quadros de transtornos psiquiátricos e depressão nos consultórios, hoje vemos patologias associadas ao vazio”, diz. “Isso tem a ver com a sensação de lidar com o fim de muitas coisas como conhecíamos. E, agora, essas pessoas estão questionando qual o propósito de suas vidas.”
Especialista em tendências de consumo, José Mauro Nunes, professor de MBAs da FGV, acrescenta que as mudanças no campo afetivo entram na equação. “Ao mesmo tempo que os empregos viraram ‘jobs’, as relações foram ‘tinderisadas’. Ou seja, a insegurança é de ordem econômica e afetiva. Uma situação que dificulta o pensamento a longo prazo e torna as pessoas imediatistas”, analisa. “E como é uma geração com menos filhos, a rede de apoio diminuiu.”
E não adianta apelar para os gadgets. A lua de mel com o digital também dá sinais de esgotamento. A turma que desbravou a linguagem das redes anda exausta das telas, avisa Nunes: “Aqueles que se encantavam com a ideia de mostrar a vida no Instagram e dar dicas aos seguidores agora precisam lidar com cancelamento e exposição excessiva”.
Na leva de memes e piadas com a situação, são frequentes as comparações com a maneira como os próprios pais chegaram à meia-idade. Se eles tinham filhos, os millennials têm pets. Já a casa própria deu lugar aos “mimos” comprados em sites que vendem quinquilharias e roupas da moda. Escapismo? “O futuro virou o território do racionamento de água, das guerras e da ascensão neofascista”, pondera Guilherme Terreri. “Esse impeditivo de imaginação do que está por vir nos deixa como baratas tontas acorrentadas ao presente, o que gera um tipo monstruoso de frustração. Estamos abstraídos da capacidade de pensar o futuro.”
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Parte dessa geração, a stylist e diretora criativa Rafaela Pinah, de 35 anos, compartilha esse sentimento. Ela se lembra, por exemplo, de ter achado que a vida adulta estava encaminhada quando entrou na faculdade de Moda, com o sonho de trabalhar como stylist. No meio do caminho, descobriu que o buraco é mais embaixo, diversificou as frentes de atuação e fundou o bureau de tendências Coolhunter Favela. Pôde finalmente respirar aliviada? “Fico apavorada quando penso na chegada dos 40 anos. Será que vou conseguir continuar produzindo e atualizada? Vai dar para bancar o plano de saúde ou vou ter que escolher entre isso e um ‘cabelo babado’? Está tudo tão caro...”, desabafa.
Mas ela também tem o antídoto: mudar o ponto de vista, afirma, ajuda a vislumbrar um futuro menos ameaçador. “As mais prejudicadas são as mulheres. Muitas não são mais reconhecidas depois dos 50. Deixam de receber promoções, não são chamadas para nada. Mas há aquelas que conseguiram driblar isso tudo e estão bem. Então, estou sempre de olho nelas, buscando inspiração”, comenta.
Sim, caro millennial, aquele cor-de-rosa não está tão desbotado assim. O psicólogo João Paulo Machado Sousa lembra que a própria geração tem tanto a consciência do que precisa mudar quanto as ferramentas para isso. “Essas pessoas lideraram grandes conquistas. Tivemos o desenvolvimento da medicina e da ciência, assim como a produção musical e audiovisual ficou ainda mais potente nos últimos anos. Ou seja, a paixão funcionou”, reconhece. “Tivemos um aumento da preocupação com o mundo geral. A ONU até divulgou, recentemente, que o buraco na camada de ozônio está se fechando.”
O sonho, portanto, ainda não acabou.
Fonte:https://oglobo.globo.com/ela/gente/noticia/2025/10/06/chegada-dos-millennials-a-meia-idade-e-marcada-por-angustias-e-frustracoes.ghtml
O que deu errado com os millennials, geração que foi de ambiciosa a 'azarada'
- Da BBC News Brasil em São Paulo
A primeira geração a conviver desde cedo com computadores pessoais, smartphones, internet e o fluxo global de informações tinha grandes expectativas sobre si própria: com mais anos de educação em relação a seus pais e de composição mais socialmente diversa, os millennials sonhavam com mais prosperidade e impacto global do que muitas gerações que vieram antes.
No entanto, pesquisas internacionais apontam que os millennials - cuja idade atualmente varia entre 26 e 40, mais ou menos - são mais propensos a ter dívidas do que seus antepassados e levam mais tempo, em média, para sair da casa dos pais ou para atingir marcos tradicionais da vida adulta, como comprar um imóvel ou carro próprio.
Essa desconexão entre expectativa e realidade fez com que millennials virassem alvo de memes ou comentários depreciativos na internet sobre seu aparente "fracasso", "preguiça" ou dependência maior dos pais.
E, para piorar, os millennials agora recebem os olhares de desdém da geração Z, a que vem em seguida deles - e para a qual boa parte do que é associado aos millennials é vista como "cringe", ou vergonhoso.
O que, afinal, deu errado para os millennials - e será que eles realmente fracassaram?
A resposta de muitos pesquisadores é, antes de mais nada, que a culpa não é exatamente dos millennials: é, primordialmente, da situação da economia.
"A geração millennial virou adulta nos primórdios dos smartphones e da conectividade. Então, de alguma forma, estava no lugar certo e na hora certa para desenvolver grandes ideias sobre seu papel no mundo", explica à BBC News Brasil Jason Dorsey, especialista em perfis de millennials e presidente da empresa americana Center for Generational Kinetics, que pesquisa hábitos globais de millennials e da geração Z.
"Seus pais lhes disseram que seriam bem-sucedidos, eles tiveram amplo acesso a educação, em comparação com gerações anteriores, e havia um grande senso de conexão e de causar impacto."
Mas essa geração se deparou com grandes recessões, como a que se arrastou pelo mundo após a crise financeira de 2008 a 2009 e, no Brasil, com o período de contração econômica iniciado em 2014 e agora agravado pela pandemia.
"De muitas formas, os millennials estavam posicionados a serem muito bem-sucedidos - ou pelo menos foi o que disseram a eles. E a realidade é que muitos millennials se chocaram com uma algum tipo de grande recessão, com demissões em massa, inflação, estagnação salarial, aumento no custo de vida", prossegue Dorsey.
Geração 'mais azarada da história dos EUA'
A argumentação do especialista é corroborada por alguns dados estatísticos. Nos EUA, reportagem de junho de 2020 do jornal The Washington Post apontou a geração millennial como a "mais azarada da história dos EUA".

"Levando-se em conta a crise atual (da pandemia de covid-19), o millennial, em média, vivenciou crescimento econômico mais lento desde sua entrada no mercado de trabalho do que qualquer outra geração na história do país", diz a reportagem.
"Os millennials levarão as cicatrizes econômicas disso para o resto de sua vida, na forma de rendimentos salariais mais baixos, prosperidade menor e marcos de vida adiados, como a aquisição de casas."
No caso do Brasil, uma pesquisa de 2019 do banco Itaú BBA sobre hábitos dos millennials apontava que essa geração já compunha a maior parcela (34% do total) da população brasileira e cerca de 50% da força de trabalho.
Eles tinham mais propensão do que outras gerações a acreditar que poderiam melhorar o mundo e níveis mais altos de educação: mais da metade havia completado o ensino médio ou já cursava a universidade, e 23% já tinham curso superior completo.
No entanto, já sofriam com altas taxas de desemprego, principalmente entre a parcela de millennials mais jovens.
Agora na pandemia, embora a geração mais afetada pela escassez de trabalho seja mais jovem, os índices de desemprego também são altos - em torno de 14% - na faixa etária de 25 a 39 anos, a dos millennials, no Brasil.
E esse grupo de pessoas coincide também com uma faixa etária que já havia sido duramente atingida pela crise econômica de 2015.
Os marcos de cada geração
É claro que toda geração enfrenta desafios próprios e o que Dorsey chama de "momentos de definição" - ou os acontecimentos que marcam a geração de tal modo que influenciam seus medos, suas escolhas educacionais e de vida, seus valores e sua percepção acerca do futuro.
A geração "silenciosa" (nascida entre 1928 e 1945), por exemplo, foi profundamente marcada pela Segunda Guerra Mundial. Em seguida, os "baby boomers" (1946-64) vivenciaram eventos globais como a Guerra do Vietnã ou a chegada do homem à Lua. A geração X (1965-1980), que veio depois, viu o fim da Guerra Fria e o avanço da aids. A atual geração Z (nascida entre meados e final dos anos 1990), por sua vez, certamente será fortemente marcada por sua experiência na atual pandemia.
Além disso, gerações inteiras podem ser impactadas por eventos de magnitude local, como terremotos, epidemias ou fatos políticos traumáticos.
Então, o que diferencia a geração millennial?
Os pontos principais, diz Jason Dorsey, são o aumento considerável no custo de vida (particularmente em educação e, em muitas cidades do mundo, de habitação) e o alcance cada vez mais global de eventos que talvez não tivessem tanto impacto se não vivêssemos em um mundo tão interconectado.
"Até a chegada da GenZ, os millennials formavam a geração mais parecida (entre si) no mundo. Significa que as pessoas são iguais? Não. Mas significa que têm muitas similaridades em como pensam em comunicação, entretenimento, cultura, engajamento em política. (...) Economias estão muito mais conectadas, assim como sistemas bancários e cadeias produtivas. E, se olharmos para os empregos, muitas das grandes empregadoras são multinacionais. Então a geração tem um sentimento de interconexão que não existia antes", aponta o especialista.
"Millennials tiveram mais consciência dos eventos globais porque o fluxo de informação e a interconexão fizeram com que algum evento que não necessariamente fosse global acabasse se tornando global. Não me refiro à categoria de eventos como as guerras mundiais, mas à ideia de que uma crise bancária em um país tenha um efeito tão grande em outros e se espalhe pelo mundo. Isso é muito significativo."
'Economia compartilhada' e insegurança profissional
Para completar, os millennials se deparam com uma insegurança profissional mais acentuada do que a sentida pela geração de seus pais, de modo geral.
Ajustes fiscais, flexibilização de regras trabalhistas, competitividade no mercado de trabalho e o avanço da economia compartilhada - com seus benefícios e problemas - são algumas das circunstâncias que fazem com que os millennials tenham uma vida profissional às vezes mais flexível e aberta à criatividade; às vezes, mais incerta e precarizada.

"Millennials se tornaram adultos com um tipo de contrato empregado-empregador muito diferente em relação ao da geração anterior", explica Dorsey.
"Nossas pesquisas mostram que eles não tinham expectativa de trabalhar em uma só empresa a vida toda, nem de ter o mesmo empregador para o resto da vida. (...) Então há uma sensação de empolgação e liberdade, a ideia de que 'posso criar minha própria carreira', mas ao mesmo tempo há a desvantagem: os empregadores podem não oferecer os mesmos benefícios de antes em seguridade, plano de saúde, etc. A responsabilidade disso acaba passando do empregador para o millennial. Em alguns casos isso funcionou bem; em outros, não", diz ele.
"O mesmo acontece com a economia compartilhada. A ideia de que 'posso usar meu carro quando quiser para transportar pessoas' me dá grande flexibilidade, mas será que esse trabalho não vai me impedir de ter um emprego mais formal? Será que isso não vai acabar eliminando outros empregos formais? Não tenho respostas, mas são inovações que têm lados positivos e negativos, e os negativos impactam de modo desproporcional uma geração mais do que outra."
Isso se traduz também em fenômenos como a "pejotização" (a contratação de pessoa jurídica) e a informalidade de trabalhadores, tanto no Brasil quanto em outros países.
São os reveses desse conjunto de circunstâncias que causam sensação de frustração entre os millennials, aponta Jason Dorsey.
"Eles se chocaram com esses desafios que lhes obrigaram a adiar muitas coisas (conquistas): atrasar sua carreira, seu casamento, ter filhos, comprar uma casa, economizar para a aposentadoria… Eles começaram a sentir que muitos objetivos ou metas que tinham estabelecido para si foram reprimidos. E mesmo os mais afortunados que seguiam trabalhando e avançando tinham a sensação de que havia muitas forças contrárias a eles", prossegue.
"Dá para se argumentar que essa geração, por elementos alheios a seu controle, sente que as coisas estão mais distantes de seu alcance do que em gerações anteriores."
Os pontos fortes dos millennials
Mas nem tudo vai mal para essa geração, longe disso: ela é mais aberta à diversidade e mais atenta ao impacto de seus hábitos de consumo do que as gerações anteriores, por exemplo.
É, ainda, a primeira geração a começar a tomar atitudes contra a desigualdade profissional e salarial entre homens e mulheres - embora Dorsey acredite que mudanças mais profundas provavelmente ficarão a cargo da geração Z.
Os millennials também valorizam muito o empreendedorismo - na média, mais do que seus pais ou avós.
"Foi a (primeira) geração a ver empreendedores como mentores ou inspiração. Em outras gerações, (a inspiração) talvez viesse de presidentes de grandes empresas, de chefes de governo ou de ocupantes de outros papéis. Mas millennials viraram adultos em um momento em que a internet colocava os empreendedores em pedestais", explica Dorsey.
"Além disso, os millennials conseguem abrir negócios na internet, de forma muito mais barata. No entanto, o que vimos é que muitos millennials abriram negócios em paralelo a outros trabalhos (como um complemento de renda)."
Outra curiosidade: Dorsey tem visto em suas pesquisas um número crescente de millennials mais velhos - os que estão perto dos 40 anos - repensando suas escolhas profissionais e buscando novos rumos em suas carreiras, algo que talvez não fosse cogitado por muitos de seus pais quando tinham essa mesma idade.
"Parte disso (dessa reavaliação profissional) se deve ao estágio da vida, e muitos millennials que se sentem desiludidos com seus caminhos agora estão avaliando outras opções para a segunda metade da sua carreira", diz Dorsey.
"Outra parte disso se deve à pandemia, que fez muitos millennials pensarem profundamente a respeito do que é importante para eles e como gastam seu tempo, incluindo o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e seu propósito de vida. Isso se traduz em procurar outras carreiras, ou outros estilos de trabalho."

De modo geral, diz Dorsey, ele e seus colegas pesquisadores geracionais são "muito otimistas quanto aos millennials".
"Os millennials têm ótimas habilidades, são relativamente jovens, vão se beneficiar do que houver de recuperação econômica nos próximos anos e têm muito tempo à frente para tomar decisões e encontrar seu propósito", afirma.
"De um lado, tiveram azar, mas por outro lado ainda têm tempo para tirar proveito. E em muitos países (caso do Brasil) os millennials representam a maior parte da força de trabalho ativa no momento e a maior geração em cargos de chefia - estão contribuindo ativamente para a economia."
As divisões entre gerações, de "silenciosos" à Z
Por fim, pode ser que nomenclaturas geracionais soem como brincadeira ou mera curiosidade. Mas, para pesquisadores, essas divisões têm bastante importância: "são uma ferramenta para analisarmos mudanças de visões ao longo do tempo", explica em texto Michael Dimoch, presidente do Pew, um importante instituto de pesquisas nos EUA.
"Esses cortes são uma forma de entendermos a forma como diferentes experiências formativas (como eventos globais e mudanças tecnológicas, econômicas e sociais) interagem com o ciclo de vida e o envelhecimento de modo a moldar a visão que as pessoas têm do mundo."
Os millennials são definidos pelo Pew como quem nasceu entre 1981 e 1996.
Já no caso do Center for Generational Kinetics, de Jason Dorsey, esse intervalo é levemente diferente: entre 1977 e 1995.
Mais do que o ano inicial em si, a geração é determinada "por seu contato inicial com a tecnologia, se vivia em áreas urbanas ou suburbanas, qual foi o nível de renda e educação de seus pais, porque (por conta disso) cada pessoa pode ter sido introduzida à tecnologia mais cedo ou mais tarde", diz ele.
"Mas encerramos (a geração millennial) em 1995 por causa do 11 de Setembro, que foi muito marcante em várias partes do mundo. E quem nasceu depois de 1995 não se lembra do 11 de Setembro."
Fonte:https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57938082
Os millennials, lamentamos
informar, são coisa do passado
“No fim das contas, a vida não tem
muito a oferecer além da juventude.” A frase, uma das mais famosas do escritor
americano F. Scott Fitzgerald, de o Grande Gatsby, de 1925, é uma epítome da
primeira geração que idealizou os jovens como modelo de vida — e como
público-alvo das grandes empresas. De lá para cá, mesmo com o aumento da
expectativa de vida, a atração pelos jovens só cresceu. Até que, com a chegada
da geração Y, ou millennials (os nascidos de 1980 a 1995), virou uma obsessão.
Os departamentos de marketing e de
recursos humanos gastam fortunas para descobrir o melhor jeito de se comunicar,
contratar e, sobretudo, vender para a faixa etária mais influente e inspiradora
da história. A pesquisa “marketing para os millennials” (em inglês) tem quase
30 milhões de resultados no Google. A Harvard Business Review, principal
publicação sobre gestão de negócios do mundo, tem 2 000 artigos, estudos ou
livros sobre essa geração.
Os millennials são de fato
fascinantes: estão sempre conectados, são questionadores, priorizam a
experiência em detrimento da posse, são embaixadores da sustentabilidade. Mas
os jovens de hoje são os velhos de amanhã. E, em dezembro de 2017, os millennials,
lamentamos informar, são coisa do passado. Eles continuarão por aí por décadas
e décadas. Gastarão cada vez mais, terão filhos, netos, bisnetos. Mas quem vai
ditar a forma como as empresas atuam, e como a roda do consumo gira, na próxima
década será a geração Z, a que nasceu de 1995 a 2010 — e tem, portanto, de 7 a
22 anos de idade.
Os Zs são cerca de 26% da população
mundial e, só nos Estados Unidos, respondem por 830 bilhões de dólares em
gastos por ano, de acordo com uma pesquisa da consultoria Fung Global Retail
& Technology. No Brasil, somam 30 milhões de pessoas. Eles estão afetando
as empresas não só pelo poder de compra, mas principalmente pela influência que
exercem. “A sociedade valoriza cada vez mais a juventude sobre a sabedoria. Os
pais dessa geração estão mais próximos e se identificam mais com os filhos do
que as gerações anteriores. Os Zs, portanto, já nascem com um poder de
influência enorme”, diz a americana Kit Yarrow, psicóloga especialista em
consumo e autora de livros como “Geração compra: como os jovens estão
revolucionando o varejo” (numa tradução livre, sem versão para o português).
Para entender o que os Zs — como os
jovens brasileiros da foto de abertura desta reportagem — querem e que impactos
eles trarão para a economia do Brasil e do mundo, as consultorias McKinsey,
especializada em gestão, e Box1824, focada em análise de tendências jovens,
destrincharam o comportamento dessa faixa etária no país numa ampla pesquisa.
Entre junho e outubro deste ano, foram realizadas 120 entrevistas qualitativas
com jovens de 14 a 22 anos e grupos de análise com outros 90.
Os pesquisadores também fizeram 2.300
entrevistas quantitativas com pessoas das gerações baby boomer, X, millennial e
Z para entender a diferença entre elas nos padrões de consumo. “Os jovens da
geração Z são mais realistas e pragmáticos do que os millennials. Eles também
não podem ser definidos por rótulos, são mais tolerantes e abertos ao diálogo e
levam as coisas com mais humor e leveza, já que não sentem carregar nas costas
o peso de mudar o mundo”, diz Tracy Francis, sócia responsável pelos setores de
bens de consumo e de varejo da McKinsey na América Latina e uma das
responsáveis pelo estudo.
Cada geração tem suas peculiaridades,
e é normal que uma quebre estereótipos da imediatamente anterior. Os baby
boomers, nascidos de 1940 a 1959, tiveram sua forma de pensar moldada no
período do pós-Segunda Grande Guerra. São idealistas, revolucionários e
coletivos, e isso reflete num consumo mais ideológico. A geração X (de 1960 a
1979) foi influenciada pela hegemonia do capitalismo e pela meritocracia e, em
geral, seus membros são materialistas, individualistas e competitivos — marcas
de luxo tornaram-se um símbolo do momento vivido.
Os millennials (de 1980 a 1995)
romperam boa parte desse padrão. Não têm interesse em marcas ou posses, mas em
experiências e facilidades. Os Zs são a primeira geração nascida dentro de um
mundo online e móvel e retomam um engajamento social de gerações anteriores.
“Todos antes dos millennials, inclusive eles, são adaptados ao mundo digital.
Os Zs nasceram com tudo a um clique e não veem muito sentido nas barreiras
entre online e offline”, diz Rony Rodrigues, presidente da Box1824.
Essa intimidade com smartphones
aparece na rede social favorita dos Zs, o Snapchat. O Facebook foi criado para
ser usado no computador. O Instagram nasceu com fotos estáticas. O Snapchat
surgiu com vídeos instantâneos e com prazo de validade, nublando como nunca as
fronteiras entre o mundo físico e o mundo real. Você pode nunca ter usado o
Snapchat e achar que é coisa de garotos, mas muita gente pensou a mesma coisa
sobre o Facebook há alguns anos. Para tentar não se tornar obsoleto, o Facebook
copiou alguns recursos do concorrente.
Portanto, é bom se acostumar: a
hiper-realidade veio para ficar. Lojas físicas e online não fazem mais sentido,
assim como filmes, livros, revistas e propagandas limitados a uma plataforma —
tudo estará o tempo todo em todo lugar. A relação entre clientes e empresas
está deixando de ser de apenas uma via — a empresa vende e o consumidor compra
— e passando a ser multidirecional. Uma pessoa pode ser consumidora, em outros
momentos colaboradora e até concorrente. A prova de que a era do
compartilhamento chegou, e não somente para fazer uma renda extra, é que 64%
das pessoas da classe A dizem que cederiam uma roupa própria para ser alugada
em alguma plataforma online, enquanto 42% dos integrantes da classe C o fariam.
Os Zs chegaram há pouco ao mercado de
consumo, mas já existe um punhado de empresas que, sob muitos aspectos, se
anteciparam à tendência. O desapego à posse explica o sucesso de Uber, Netflix
e Spotify. Para quem nasceu em outros tempos, o jeito é se adaptar. A
centenária BMW lançou em 2011 na Alemanha o DriveNow, um serviço de
compartilhamento de carros em que o usuário pode alugar o veículo pagando por
minuto. Hoje, o DriveNow tem 6 000 carros em 13 cidades de nove países europeus
e, em outubro, passou de 1 milhão de clientes. Uma iniciativa parecida começou
em 2016 na América do Norte. Se antes a lógica era vender 1 000 carros
diferentes, agora é vender 1 000 vezes o mesmo carro. “As relações de consumo
vão mudar, e não sabemos o que vai acontecer. Sai na frente quem começa a
experimentar desde cedo, porque terá um repertório maior para agir diante da
mudança”, diz Fernanda Hoefel, sócia da McKinsey.
A geração X, que entrou para a
história como a geração Coca-Cola, adorava marcas e sonhava em fazer carreira
em grandes multinacionais e bancos de investimento. Os Ys, como resposta,
detestam marcas e também não querem saber de fazer carreira. Cultuam as
startups. Os Zs dão um passo atrás. Não veem problema em gostar de marcas ou em
fazer carreira, desde que os produtos e as empresas sejam condizentes com sua
visão de mundo. E têm de ser condizentes mesmo. Ou seja: não cola mais colocar
um rótulo verde num produto que degrada o meio ambiente ou instalar uma mesa de
pingue-pongue no mesmo escritório de sempre. A fabricante de roupas americana
Patagonia, que conserta de graça a roupa de seus clientes em vez de vender uma
nova, é um símbolo para essa geração. “O que eles querem, quando consomem, é
poder confiar nas empresas”, diz a psicóloga Kit Yarrow. “O propósito não pode
ser apenas uma tática, tem de fazer parte da estratégia de longo prazo e deve
estar alinhado com os valores internos da empresa.”
Nunca foi tão fácil descobrir quando
uma ação de marketing não encontra correspondência da porta para dentro do
escritório ou da fábrica. “É importante que as empresas percebam que
simplesmente não é mais socialmente aceitável objetificar mulheres ou ser
preconceituoso, e é importante que as propagandas reflitam o seu tempo”, diz
Lorena Olaf Furter, de 20 anos, um dos entrevistados da pesquisa.
Foi essa demanda que levou a Skol,
marca de cerveja da Ambev, a reinventar sua comunicação. “A categoria como um
todo era muito machista, mas veio evoluindo junto com a sociedade”, diz Maria
Fernanda Albuquerque, diretora de marketing da Skol. O primeiro comercial com
um beijo homossexual foi ao ar no início de 2015, mas ele durava menos de 1
segundo. A marca assumiu publicamente o posicionamento quando patrocinou a
Parada LGBT de São Paulo em 2016. “Não é uma forma de esconder o passado, mas
uma maneira de encará-lo e dizer que mudamos”, diz Maria Fernanda. Quase 60%
dos consumidores entrevistados de todas as gerações afirmam não ter problema de
voltar a comprar uma marca que assume seus erros e age para corrigi-los.
Recentemente, a Coca-Cola enfrentou
uma polêmica por uma suposta falta de coerência. Em uma ação interna no Dia
Internacional do Orgulho LGBT, a empresa distribuiu aos funcionários latas do
refrigerante contendo Fanta e com a inscrição “É Fanta mesmo, e daí?”, em um
trocadilho com a frase “Essa Coca é Fanta”, por vezes usada para se referir a
homossexuais. Dias depois, uma foto do comitê da empresa que ajudou a pensar a
iniciativa foi divulgada internamente, mas caiu nas redes sociais e a reação
foi diferente da esperada. Como a foto só tinha homens brancos, a Coca passou a
ser questionada pela falta de diversidade.
O grupo, no entanto, é apenas um dos
comitês voluntários da Coca-Cola voltados para a diversidade. Ainda assim, a
falha custou caro para a marca. “Aprendemos com esse processo que não existem
mais uma campanha interna e outra externa. Essa geração traz um olhar mais
verdadeiro sobre as coisas. Não importa só o produto, mas também o que está por
trás dele”, diz Vanessa Stocco, gerente de talentos e desenvolvimento da
Coca-Cola Brasil. A fabricante de cosméticos Avon vai pelo mesmo caminho.
“Lançamos as campanhas primeiro internamente, replicamos o tema em nossa rede
de diversidade e procuramos fazer testes com grupos para saber se a mensagem
foi passada da maneira mais clara possível”, diz Hélio Muniz, diretor de
comunicação da Avon.
Dentro dessa lógica, nada mais
verdadeiro do que uma pessoa que você já conhece falando pelas marcas. De
acordo com uma pesquisa da Barkley, agência americana de publicidade
especializada em jovens, 77% dos Zs gostam mais de ver pessoas comuns do que
atores em campanhas publicitárias. Ciente de que essa é uma tendência, a
fabricante de artigos esportivos Adidas mudou a forma como faz publicidade.
“Procuramos pessoas que tenham um real engajamento com seu público e conosco,
não importa o tamanho de sua rede de alcance”, diz Paulo Ziliotto, diretor de
conteúdo da Adidas no Brasil. No início de novembro, a Adidas lançou no país um
modelo de tênis especial para corridas em parceria com o preparador físico
Marcos Paulo Reis.
Há poucos anos, a tendência era
procurar grandes influenciadores que levassem a imagem da marca para milhões de
seguidores. Reis, no entanto, tem pouco mais de 10.000 seguidores no Instagram
e pouco mais de 20 000 no Facebook. Ele é o que se chama de microinfluenciador,
a nova moda do marketing digital, que surgiu da demanda dos Zs — e agora de
toda a sociedade — por autenticidade e proximidade. “Eu me interesso por
pessoas com as quais tenho algum contato ou de quem gostaria de ser amiga”, diz
Luiza Yoshida, de 16 anos, uma das entrevistadas pelos pesquisadores. Se o
responsável pelo marketing de uma grande empresa tinha de lidar com cinco
influenciadores até pouco tempo atrás, agora a lista contém 500. “Estamos em um
momento de rompimento, e a vida está ficando cada vez mais difícil para as
empresas”, diz Fernanda Hoefel, da McKinsey. Afinal, os Zs mostram que não
estão aí para facilitar.
*Artigo originalmente publicado pela revista EXAME

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