CAUDA, CANINOS ENORMES E 3ª VÉRTEBRA: O QUE OS HUMANOS PERDERAM COM A EVOLUÇÃO E O QUE GUARDAMOS ATÉ HOJE
Entretanto, um bom ponto de partida para entender essa jornada de milhões de anos pode ser o nosso próprio corpo, já que carregamos diversas características dos nossos antepassados até hoje, mas também perdemos outras, o que já nos diferencia bastante de nossos parentes mais próximos, os outros primatas. Veja alguns exemplos disso a seguir.
Prega semilunar
A prega semilunar, uma pequena dobra de pele localizada no canto interior do olho, próxima ao nariz, é um vestígio de um antepassado remoto de nossa espécie que possuía uma característica que hoje só encontramos em outras espécies: a terceira pálpebra.
A terceira pálpebra, ou membrana nictante, é uma camada de tecido que serve para umidificar os olhos ou retirar poeira grudada nos globos oculares.
Ela geralmente se move lateralmente e pode ser encontrada em anfíbios, répteis, aves e alguns mamíferos como gatos, ursos polares e gorilas, mas já não aparece em humanos e chimpanzés.
De acordo com estudos da Universidade de Bristol, no Reino Unido, a perda da terceira pálpebra nos grande primatas se deu pelo fato de que nossos olhos são mais resistentes do que os de outros mamíferos, assim inutilizando a membrana aos poucos.
Mas segundo o médico geneticista e colunista do GLOBO Salmo Raskin, fetos humanos chegam a apresentar um desenvolvimento maior da prega semilunar, assim como acontece em animais que possuem terceira pálpebra, mas o tecido para de crescer ainda na gestação.
— Durante a gravidez, a prega semilunar do feto começa a expandir e chega ao seu tamanho máximo entre a 23ª e a 30ª semana de gestação. Depois disso, ela para de crescer e encolhe em relação ao tamanho do globo ocular, que segue crescendo — comenta Raskin, que é diretor científico da Sociedade Brasileira de Genética Médica.
Dentes caninos
Se, um dia, pararmos para observar a dentição de outros mamíferos e a compararmos com os nossos próprios dentes, logo percebemos algumas diferenças.
O tamanho dos nossos dentes caninos quando comparados com os de outros primatas, por exemplo, pode explicar diferenças de convivência entre humaníneos e outras espécies, afirmam especialistas.
Isso se dá porque os machos de espécies de primatas que não eram sociais usavam a dentição nas disputas por fêmeas ou territórios, assim permitindo que os mais “dentuços” procriassem com mais facilidade.
— Esses primatas eram selecionados por terem uma imagem mais agressiva e ameaçadora, o que era determinante para o acasalamento — afirma Victor Nery, arqueólogo e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo.
Nery explica que a esse tipo de comportamento se dá o nome de sistema de display, que são fenômenos, visuais ou não visuais, que permitem que animais se comuniquem com outros indivíduos, da mesma espécie ou não.
Segundo estudos publicados no Jornal de Anomalias Dentofaciais e Ortodônticas, a redução dos caninos se deu por volta de 2 milhões de anos atrás e está ligada à capacidade de socialização das populações humanas que habitaram a Terra antes de nós, já que, conforme fomos desenvolvendo a socialização, tendemos a nos reunir em sociedade e cooperar mais, como forma de sobrevivência
Dentes sisos
Além dos caninos, também existe outro tipo de dente que pode explicar muito sobre a nossa história: o siso.
Os dentes sisos, ou terceiros-molares, são quatro dentes, dois superiores e dois inferiores, que ficam localizados no fim da arcada dentária e costumam nascer dos 15 aos 25 anos de idade.
Em alguns casos, os sisos podem ficar presos na estrutura óssea da boca, ou crescerem na direção de outros dentes, o que pode causar dor extrema, inflamações e exigindo remoção cirúrgica.
Entretanto, a existência ou ausência dos dentes sisos pode servir para explicar a história da evolução da nossa espécie e como os nossos antepassados se relacionavam com a agricultura e a alimentação.
Estes dentes “extras” ajudavam na mastigação dos alimentos, o que era importante durante os primeiros estágios evolutivos dos seres humanos, já que nossa dieta se baseava em alimentos muito duros como raízes, nozes e vegetais crus.
Mas com o avanço do tempo e da própria capacidade intelectual, as espécies que nos antecederam começaram a exercer domínio sobre tecnologias como a agricultura e a cocção de alimentos, o que não só permitiu que deixássemos de ser nômades, mas também mudou a textura da nossa dieta.
Essa alteração dos hábitos alimentare eliminou a vantagem que os indivíduos com sisos tinham para se perpetuar, equilibrando um pouco mais as contas.
— O que é estimado é que exista uma relação entre a diminuição do número de indivíduos com terceiro molar e a adição de carboidratos à dieta — diz Mercedes Okumura, docente do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo.
Entretanto, é preciso entender que este processo ocorreu de maneira diferente entre diferentes espécies que co-habitaram a Terra, e em alguns casos pode não ter nenhuma relação com a alimentação.
— No fim das contas é controverso, já que existem sociedades que se alimentaram historicamente de alimentos abrasivos à dentição que também não apresentam terceiro molar — afirma Okumura.
Cóccix
Apesar de também estar presente no esqueleto de nossos parentes próximos como gorilas e chimpanzés, o cóccix, osso formado por quatro vértebras que fica localizado na parte inferior da coluna vertebral, representa um marco determinante para a anatomia dos seres humanos em relação aos outros mamíferos: a perda de uma cauda.
Os antepassados dos humanos começaram a perder as caudas há cerca de milhões de anos, quando as planícies alagadas secaram e nos permitiram descer das árvores em que ficávamos pendurados em direção ao solo e, então, começamos a andar sobre a Terra.
De acordo com estudos da Universidade de Nova York, a perda da cauda se deu há cerca de 25 milhões de anos por conta de uma mutação genética aleatória em um gene chamado TBXT.
Estudos apontam que, daí em diante, a seleção natural privilegiou aqueles que nasciam com caudas menores, ou então aqueles sem cauda alguma, porque estes tinham mais facilidade ao correr em dois pés para escapar de predadores. Com a passagem do tempo e das gerações, a estrutura óssea que restou da cauda foi se atrofiando, até o ponto em que só restou uma pequena estrutura de três a cinco vértebras de comprimento no meio da bacia: o cóccix.
Tubérculo de Darwin
O tubérculo de Darwin é uma pequena protuberância de cartilagem localizada no arco exterior das orelhas. O nome dessa parte do corpo vem do naturalista britânico Charles Darwin.
A protuberância é considerada pela biologia como um atavismo, ou seja, uma parte do corpo que perdeu função ao longo da cadeia evolutiva, mas que aparece em indivíduos de maneira aleatória por mutações genéticas, e alguns estudos comparam o tubérculo de Darwin com uma estrutura parecida presente em orelhas de outros primatas para tentar entender a evolução da nossa audição.
Nós temos uma audição bastante particular entre os mamíferos. Nossos ouvidos são adaptados para que sejamos capazes de captar com certa clareza uma ampla gama de frequências sonoras, o que é essencial para a comunicação verbal, por exemplo.
Já outros mamíferos, incluindo outros símios, têm a audição mais restrita a uma faixa de frequência específica, mas nos vencem em alcance, e é aí que o tubérculo de Darwin entra.
Alguns estudos afirmam que a estrutura nada mais é do que uma versão atrofiada das orelhas dos antepassados que dividimos com outros símios. Segundo estas teorias, a parte externa do ouvido desses seres era maior e mais côncava do que a nossa, permitindo uma audição mais focal e própria para sons mais distantes.
*estagiário sob supervisão de Constança Tatsch
Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2025/04/06/cauda-caninos-enormes-e-3a-palpebra-o-que-os-humanos-perderam-com-a-evolucao-e-o-que-guardamos-ate-hoje.ghtml?
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