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ENTRE A VERDADE DE AL GORE E A DOS CÉTICOS, PERDE QUEM SOFRE O AQUECIMENTO

 





Fotos: Ursos polares são uma das espécies em risco com o aquecimento global. (Jenny Rose/BBC)Ex-vice-presidente dos EUA Al Gore, autor do filme "Uma verdade inconveniente". (GloboNews)


Entre a verdade de Al Gore e a dos céticos, perde quem sofre o aquecimento


A filósofa alemã Hannah Arendt não media palavras quando defendia o ato de refletir. Ela não via muito valor em debates acalorados, em que uns e outros terminam por manter suas convicções sem mexer uma linha ou vírgula no modelo que apoiam. Arendt se opunha tanto à fé sectária, fanática, quanto à demagogia de pensamentos ideológicos e sempre buscou desafiar, com seus estudos, que as pessoas pensem por si mesmas. Ou seja: que elas reflitam.

Mergulho neste modo de pensar, gosto do desafio. Por isso, não deixei passar a oportunidade de assistir ao polêmico documentário “A grande farsa do aquecimento global”, produzido pelo britânico Martin Durkin e lançado em 2007, ano seguinte a “Uma verdade inconveniente”, filme que rendeu o Prêmio Nobel ao ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore.

Passei algumas horas assistindo a cada um dos dois documentários, anotando detalhes, comparando teorias, gráficos. Enquanto isso, receosa com a falta de chuva e de notícias sobre os reservatórios de água aqui na região metropolitana do Rio de Janeiro, observo o mapa do tempo e me preocupo. É mais um dos muitos dias em que se fica sem aqueles famosos temporais de verão que costumavam cair no fim da tarde para molhar a terra e aliviar nossa sensação térmica.

Quando foi mesmo que isto deixou de ser rotina? Há quanto tempo não temos “águas de março fechando o verão”?

Um dos depoimentos que mais me motivou a continuar assistindo ao “A grande farsa do aquecimento global”, levado ao ar pela primeira vez no Channel 4 do Reino Unido em 8 de março de 2007, foi o do escritor Nigel Calder, que assinava colunas para a revista “New Scientist”. Segundo ele, a certeza de que o CO2 é o responsável pelo aquecimento global virou quase uma religião, “uma nova classe de moralidade”.
“Quem não acredita, virou um herege”.

De fato, tanto uns quanto outros cientistas concordam num ponto que é crucial para o momento em que estamos vivendo: o planeta está aquecendo. Para os “céticos”, no entanto, isso nada tem a ver com a quantidade de gases do efeito estufa que a humanidade está liberando para a atmosfera desde o início da Revolução Industrial. Um poder mais alto, contra o qual nada podemos, seria nossa maior ameaça: o sol.

Teoria
O documentário mostra planilhas, faz comparações e conclui que a intensidade do campo magnético do sol mais que dobrou durante o século XX.

A teoria é a seguinte: a Terra é bombardeada por partículas subatômicas chamadas raios cósmicos que vêm do sol. Quando essas partículas encontram o vapor d’água ascendendo do mar, as nuvens são formadas. E nuvens têm um efeito resfriador potente. Mas quando o sol está muito ativo e o vento solar é muito forte, menos partículas são capazes de chegar e menos nuvens são formadas. Daí, os cientistas concluíram que as nuvens e o clima da Terra estão intimamente ligados e que o Sol nos afeta indiretamente através delas.
Escrito dessa forma, não parece uma teoria muito sofisticada e surpreendente. Mas o documentário mostra estudos que provam a variação das manchas solares, atividade que também tem ligação direta com o aumento da temperatura na Terra.

Quem explica é o professor Friis Christensen, diretor do Danish National Space Center. Ele e sua equipe examinaram 400 anos de registros astronômicos e puderam constatar que o Sol, não qualquer outro fator, é quem dirige as mudanças do clima na Terra.

Razões políticas
No fim das contas, motivos políticos são apontados, tanto por Al Gore como pelos céticos, tanto para que se acredite no poder maléfico dos gases do efeito estufa quanto para que não se acredite neles.

Na verdade, o vídeo de Durkin passa grande parte do tempo atacando o Intergovernmental Panel of Climate Change (IPCC) e o próprio Al Gore. Não liga muito para os efeitos do aquecimento, que é o que mais nos interessa. Mas faz uma denúncia: a hegemonização da cultura anti-CO2 estaria diretamente ligada ao intuito de travar o desenvolvimento dos países pobres. Sobretudo no continente africano, símbolo máximo da pobreza.

Já em “Uma verdade inconveniente” o ex-vice-presidente dos Estados Unidos mostra bastante os efeitos do aquecimento. Não há como combater e dizer que são fenômenos banais o degelo crescente da Groelândia; os furacões e tufões cada vez mais intensos; a plataforma da Antártica dividida em dois, se quebrando como glacê.

Quando o documentário foi concluído, cientistas do mundo todo já apontavam a necessidade de se redesenhar o mapa mundial, tanto que as paisagens e os territórios estão sendo modificados pelos eventos extremos e pelo degelo.

“Um cubo de gelo flutuando num copo d´água, quando derrete, não faz subir o nível de água no copo. Um cubo de gelo que está sobre uma pilha de cubos de gelo que derretem, vai se derramar sobre a borda”, diz Al Gore para ilustrar as tormentas de 2002 que forçaram cidadãos de alguns países insulares do Pacífico a migrarem para a Nova Zelândia em busca de refúgio.

Corrida contra o relógio
Eis o ponto. Os cientistas que acreditam no aquecimento causado pela atividade humana avisam que não há mais tempo de evitar o aquecimento acima de 2°C no fim do século. Os cientistas céticos põem a culpa no Sol, o que é mais ou menos o mesmo que dizer “não dá para fazer muita coisa”.

Os debates ficam assim enquanto muita gente perde casas por causa das tormentas e não pode mais ganhar o pão na agricultura ou na pesca por causa da seca, do avanço do mar ou da perda da biodiversidade. E a África, usada pelo vídeo dos céticos como símbolo da estagnação econômica requerida pelos “outros”, prossegue com seu solo sendo explorado a mais não poder por quem leva de lá a riqueza para exportar mundo afora sem se importar com secas, tufões ou furacões.

Para tais privações, a resposta precisa ser dada por outra classe, a que pertence e dirige o sistema econômico atual.

Espero que o leitor tenha percebido que minha intenção não é tomar partido de cientistas céticos. Para mim, a tese comprovada pela maioria, de que o CO2 causa aquecimento, é mais coerente. Mas acredito no poder da reflexão e creio que, para enriquecê-la, é preciso não selecionar informação.

Para quem se interessa pelo tema – que é amplo, não falo apenas da questão ambiental, mas também socioeconômica – estamos vivendo um período rico. Pode-se acessar conhecimentos em diversos sites, pode-se escolher a tese que mais nos conforta, sobretudo diversificando, compartilhando, pesando todos os prós e contras. Se Hannah Arendt fosse viva, com a quantidade de informações disponível na internet, quanto mais ainda iria ampliar seus estudos, suas criações?

Sempre haverá mais de uma verdade. Por que não conhecer todas?


Fonte:https://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/entre-verdade-de-al-gore-e-dos-ceticos-perde-quem-sofre-o-aquecimento.html

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