A INJUSTIÇA É A CAUSA MAIS IMPORTANTE DA CRISE HUMANITÁRIA, INCLUINDO A FOME, ENTÃO PORQUE É QUE RARAMENTE É MENCIONADA?




Avaliação é do ex-diretor da FAO José Graziano

Por Daniel Mello – Repórter da Agência Brasil – São Paulo

A crise causada pela pandemia do novo coronavírus pode fazer com que o mundo retroceda 20 anos no enfrentamento à fome, avalia o ex-diretor geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) José Graziano.

Segundo Graziano, as projeções indicam que pode haver um aumento de 140 milhões no número de pessoas em pobreza extrema, levando para 1 bilhão a quantidade de pessoas que passam fome no mundo. “É o número que nós tínhamos 20 anos atrás, no início dos anos 2000. É retroceder 20 anos no combate à fome”, enfatizou ao participar de um seminário online promovido pelo Instituto Brasil África.

Nutrição e obesidade

Para além do problema da falta de alimentos, Graziano chamou a atenção para necessidade de que seja promovida uma dieta balanceada para as populações. “Se nós dependermos só de comida processada ou ultraprocessada, e deixarmos de lado frutas, legumes, nós podemos aumentar o nosso problema de obesidade”, disse.

Graziano defende que sejam feitas políticas que permitam o acesso a frutas e legumes frescos. “Se nos tornarmos comedores de batatas, de arroz importado e de cachorro-quente, isso vai aumentar o sobrepeso”, disse.

De acordo com a FAO, dentre os dez países líderes da obesidade no mundo, quatro estão nas Américas, sendo dois na América Latina. A liderança é exercida pelos Estados Unidos, com 38,2%; seguido do México, com 32,4%; Canadá, com 25,8%; e Brasil (20,8%). Em todo o mundo, há em torno de 672 milhões de pessoas obesas.

Graziano lembrou que o sobrepeso e a obesidade são fatores que estão associados ao agravamento da doença causada pelo coronavírus, mesmo em pacientes jovens. “Isso também vai comprometer as futuras gerações. Pessoas que são obesas vão ter mais problemas de saúde no futuro”, disse.

Para contornar o problema, o ex-diretor acredita que seja necessário reforçar as cadeias locais de produção de alimentos, abrindo caminho para os pequenos agricultores. “Não podemos confiar só nos mercados, nas commodities e nas importações em relação à comida”, disse.

Fonte:https://www.jornalestadodegoias.com.br/2020/04/26/covid-19-pode-causar-retrocesso-de-20-anos-no-combate-a-fome-no-mundo/

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O número de pessoas subnutridas aumentou de 785 milhões em 2015 para 822 milhões em 2018. Além disso, condições imprevisíveis e difíceis estão dificultando a produção dos alimentos necessários para uma população em crescimento

Fome no mundo em ascensão: seca e conflitos são ameaças constantes

As principais causas estão ligadas a eventos climáticos extremos, conflitos violentos, guerras, desacelerações e crises econômicas

06/11/2019

Segundo os dados mais recentes da Organização das Nações Unidas (ONU), mais de dois bilhões de pessoas, ou seja, quase um quarto da população mundial, não tem acesso a uma alimentação segura, nutritiva e suficiente. Pelo menos 820 milhões de pessoas sofrem de fome. A fome está aumentando em quase todas as regiões africanas, o que faz do continente africano a região onde a desnutrição é mais elevada proporcionalmente, em torno de quase 20%. Também está aumentando na América Latina e no Caribe, bem como na Ásia, alertou o diretor da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO na Espanha), Enrique Yeves.

A fome no mundo está em ascensão e as principais causas estão ligadas a eventos climáticos extremos, conflitos violentos, guerras, desacelerações e crises econômicas, que continuam a gerar fome em muitas partes do mundo. O número de pessoas subnutridas aumentou de 785 milhões em 2015 para 822 milhões em 2018. Além disso, condições imprevisíveis e difíceis estão dificultando a produção dos alimentos necessários para uma população em crescimento.

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De acordo com o Global Hunger Index 2019 – The Challenge of Hunger and Climate Change (GHI), boletim anual desenvolvido pela Concern Worldwide, em parceria com a Welthungerhilfe, 45 países correm o risco de ainda sofrer de fome crônica até 2030, o que significa que grande parte do mundo ficará atrás dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O Índice Global da Fome também destaca onde a intervenção pode ser mais necessária. O local com o maior nível de fome é a República Centro-Africana, seguida pelo Iêmen, Chade, Madagascar e Zâmbia. Dos 117 países analisados, 43 têm níveis sérios de fome. Burundi, República Democrática do Congo, Eritreia, Líbia, Somália, Sudão do Sul e Síria – nos quais não se pôde aplicar o índice por não haver dados disponíveis, a situação da fome e da subnutrição é considerada preocupante.

Ainda segundo o relatório, a América Latina foi a região com os menores índices de fome. Com uma média de 14 pontos em 2000, os países latino-americanos reduziram os critérios avaliados para 9 pontos em 2018, um índice considerado baixo pela organização. O documento também analisa a fome no Haiti, um dos sete países que apresentaram um índice classificado como muito grave, e no Níger. Estes países têm níveis sérios de fome e são altamente vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas.

O Brasil está menos vulnerável à fome, segundo o Índice Global e não está entre os 47 países com índices alarmantes de fome. Ao contrário: aparecemos, inclusive, em comparação a outros países, num nível de vulnerabilidade baixo para a fome, apesar dos 13 milhões de desnutridos que apareceram em dados do ano passado publicados em relatório da FAO. Outros exemplos positivos citados no documento foram Angola, Ruanda, Etiópia e Myanmar, com melhorias de mais de 45%.

Fome extrema ameaça mais de dois milhões na Somália

Desde o começo dos anos 1990, a Somália vive um cenário de fome e dor. Atingido por uma grave crise de fome, o país africano registra milhares de mortes, causadas principalmente pelos conflitos armados na região e também pelo alto preço dos alimentos. Somente este ano, pelo menos 302 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas em decorrência da violência e secas severas. De acordo com dados da organização não-governamental do Conselho Norueguês para Refugiados (NRC, na sigla em inglês) e da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), a violência e a insegurança foram responsáveis por mais de metade destas deslocações (158.000), enquanto a seca expulsou mais 126.000 pessoas.

Devido à crise humanitária, mais de dois milhões de pessoas vivem ameaçadas pela fome extrema no país, enquanto outras três milhões não têm a certeza de quando terão acesso à próxima refeição. De acordo com o subsecretário-geral da ONU, Mark Lowcock, dos 15 milhões de somalis, mais de três milhões lutam para responder às necessidades mínimas de alimentos. Especialistas descrevem esta crise como uma emergência climática e dizem que a população ainda tenta se recuperar da longa seca que terminou em 2017.

A FAO informou no início de setembro que a colheita de cereais deste ano na Somália é a pior desde 2011. A organização atribui este resultado a padrões climáticos instáveis, ou choques do clima. As Nações Unidas advertiram que na falta de assistência humanitária, mais de 2,1 milhões de pessoas devem enfrentar fome grave no mês de dezembro. As conclusões fazem parte do último relatório de dados da Unidade de Análise de Segurança Alimentar e Nutrição da FAO para a Somália (FSNAU, sigla em inglês), o qual prevê que este cenário deve alavancar o número total de somalis expostos à insegurança alimentar a 6,3 milhões até o fim deste ano. A comunidade humanitária internacional e o governo lançaram conjuntamente um Plano de Resposta à Seca que teve início em junho e vai até dezembro.

O atual cenário é 40% mais grave do que o estimado pela FAO no começo deste ano a respeito do número de somalis em situação de insegurança alimentar, totalizando uma estimativa de 2,6 milhões de deslocados no país vivendo em assentamentos improvisados nos arredores de áreas urbanas, enfrentando a fome e afetados pela violência durante quase três décadas. A Somália vive em estado de guerra e caos desde 1991, quando o ditador Mohamed Siad Barre foi derrubado, deixando o país sem um governo eficaz e nas mãos de milícias islâmicas radicais.

Fome na Somália: foto que gerou comoção e revolta no mundo

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O fotógrafo norte-americano James Nachtwey foi responsável por escandalizar o mundo ao alertar a situação no país africano. Nachtwey registrou cenas cruéis, entre elas, a cena da fotografia Fome na Somália, de 1992, considerada pela TIME uma das 100 mais influentes imagens de todos os tempos. Pessoas esqueléticas, com ossos muito evidentes em seus franzinos corpos, mostraram o horror do período. Uma mulher está dentro de um carrinho de mão, esperando para ser levada a um centro de alimentação. A imagem foi publicada em um artigo de capa do New York Times e gerou uma comoção e revolta coletiva em todo o planeta. A Cruz Vermelha ressaltou que o choque causado pelas imagens gerou a maior operação humanitária desde a Segunda Guerra.

Fonte:https://sbmt.org.br/fome-no-mundo-em-ascensao-seca-e-conflitos-sao-ameacas-constantes/

A injustiça é a causa mais importante da crise humanitária, incluindo a fome, então porque é que raramente é mencionada?


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As crises humanitárias merecem a atenção mais urgente. Embora apressar toda a ajuda possível e mobilizar recursos adequados deva ser a prioridade mais imediata, em última análise, o objectivo deve ser minimizar as possibilidades de crises humanitárias irromperem repetidamente em várias partes do mundo. Para isso, é importante identificar as causas corretas e esforçar-se para eliminá-las ou reduzi-las tanto quanto possível.

Se olharmos para os documentos mais recentes sobre situações humanitárias e de fome extrema no mundo , estes são geralmente os que mais mencionam estes factores – conflitos, alterações climáticas, condições meteorológicas adversas, desastres, surtos de doenças, etc. não são mencionadas, embora estas possam ser a causa mais importante e os responsáveis ​​por estas injustiças não sejam identificados.

O número máximo de situações de crise humanitária foi relatado nos últimos anos no continente africano. No entanto, houve alturas em que as comunidades africanas conseguiram satisfazer as suas necessidades alimentares e outras necessidades básicas de formas muito mais seguras e sustentáveis, existindo armazéns seguros para os anos de mau tempo. Em vastas áreas, comunidades de pequenos agricultores e pastores aprenderam a existir em harmonia, com pastores nómadas levando rebanhos de gado,   cabras e outros animais para pastagens sazonais, fazendo o melhor e mais sustentável uso das restrições de recursos existentes, impedindo a base de recursos naturais existente de ficar sob muita pressão.

Imagem: Reprodução de um folheto anunciando um leilão de escravos em Charleston, província britânica da Carolina do Sul, em 1769 (Do Domínio Público)

Isto mudou com o advento da pilhagem e do saque colonial. A sua pior manifestação foi o comércio de escravos.

O comércio de escravos no Atlântico durou 400 anos, levando 15 milhões de africanos para as Américas em condições tão terríveis que cerca de 40% dos cativos morreram no caminho e um grande número morreu poucos anos depois de chegar ao destino. Outro grande número de homens africanos saudáveis ​​foram levados à força por predadores coloniais, ou pelos seus colaboradores locais, para explorarem as suas minas e plantações, privando a agricultura sustentável de mão-de-obra, aumentando o fardo sobre as mulheres. Para dar lugar aos projetos coloniais, houve apropriação de terras e as rotas tradicionais seguidas pelas pastorais foram interrompidas. 

Ao mesmo tempo, à medida que foram impostos mais impostos, as comunidades de pequenos agricultores ficaram sob crescente pressão para cultivar culturas comerciais para venda em vez de alimentos básicos, pondo ainda mais em perigo a segurança alimentar. Para pagar os impostos, as pastorais tiveram de continuar a aumentar o tamanho dos rebanhos para além das necessidades de sustentabilidade, aumentando ainda mais a pressão sobre a terra e os recursos naturais. 

As guerras coloniais e a apropriação de terras levaram à definição arbitrária de novos limites territoriais que perturbaram ainda mais as rotas pastoris. Comunidades que existiam em harmonia umas com as outras foram atraídas para conflitos à medida que os sistemas de subsistência existentes se desintegraram, enquanto as hostilidades por motivos étnicos restritos e outros também foram instigadas por governantes coloniais e predadores.

À medida que mais países tentavam obter a liberdade, em alguns países a violência colonial intensificou-se enormemente, somando-se às batalhas da guerra mundial. Isso trouxe armas mais destrutivas e pessoas treinadas para usá-las. À medida que mais países começaram a ganhar liberdade, os antigos senhores coloniais apressaram-se a garantir que as elites amigas dos seus interesses permanecessem no poder. Na República Democrática do Congo, por exemplo, o líder imensamente popular Patrice Lumumba, empenhado num caminho de justiça e igualdade, foi assassinado por uma conspiração conjunta da Bélgica e dos EUA (provavelmente também da Grã-Bretanha), abrindo caminho ao governo do ditador. O longo e desastroso regime de pilhagem e opressão de Mobutu. 

À medida que tais ditadores e outras elites permitiam que os países mais ricos saqueassem os recursos dos seus países enquanto importavam luxos para seu uso, os seus países tornaram-se fortemente endividados, levando à imposição de condições rigorosas que empobreceram ainda mais os pobres. Por vezes, tiveram de continuar a exportar culturas comerciais enquanto as pessoas no país morriam de fome devido à falta de alimentos básicos. Quando isto foi amplamente condenado, surgiu um novo plano apoiado pelo Ocidente para aumentar a produção alimentar, que também estava ligado à promoção dos interesses do agronegócio e a tecnologia dispendiosa e crescente de dependência promovida por eles levou a um maior endividamento dos agricultores.

As políticas de apoio aos ditadores e às elites colaboradoras que perpetuariam o neocolonialismo estavam agora confinadas aos países africanos. Várias elites conhecidas pela exploração cruel do seu próprio povo tornaram-se muito mais poderosas devido ao apoio das grandes potências. Na América Latina, quando um desses ditadores estava a ser apoiado pelos EUA e houve críticas a este respeito por parte de alguém que chamou o ditador de “filho de um bi…”, a resposta de um líder dos EUA foi: “ele pode ser filho de um bi”. .. mas ele é nosso filho da bi…”

Na verdade, os EUA e outras grandes potências até forneceram ajuda militar a alguns destes ditadores e elites e até guerras por procuração foram iniciadas por grandes potências que promoviam lados rivais. Um ditador inteligente como Mobutu conseguiria obter o apoio dos EUA e da China.

No meio de tudo isto, foram as pessoas comuns, especialmente os pequenos agricultores e as comunidades pastoris, que mais sofreram e a sua resiliência foi mais prejudicada quando precisou de ser fortalecida para fazer face às alterações climáticas.

São as injustiças multifacetadas sofridas pelas pessoas que são as maiores responsáveis ​​pelas crises humanitárias sofridas por tantos países, mas quando isto nem sequer é reconhecido em muitas análises destas situações de crise, como podemos esperar que estratégias baseadas na resistência e na redução tais injustiças podem evoluir? Este é um problema básico da resposta à crise humanitária existente que deve ser corrigido.

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Bharat Dogra  é organizador honorário da Campanha para Salvar a Terra Agora. Seus livros recentes incluem Protegendo a Terra para Crianças, Planeta em Perigo, Homem sobre Máquina e Um Dia em 2071. Ele é um colaborador regular da Global Research.            

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